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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
27/01/2012 01/01/1970 3 / 5 3 / 5
Distribuidora
Warner Bros.
Duração do filme
137 minuto(s)

J. Edgar
J. Edgar

Dirigido por Clint Eastwood. Com: Leonardo DiCaprio, Armie Hammer, Naomi Watts, Judi Dench, Geoff Pierson, Jessica Hecht, Jeffrey Donovan, Dermot Mulroney, Josh Lucas, Lea Thompson, Kyle Eastwood, Christopher Shyer.

J. Edgar Hoover modernizou a investigação criminal, defendendo a aplicação científica no estudo de evidências e apregoando, entre outras coisas, a relevância das impressões digitais na identificação de criminosos. Palmas para ele. Infelizmente, Hoover também foi um indiscutível canalha que, paranoico, vingativo e inescrupuloso, não hesitava em empregar os recursos do Estado para investigar seus inimigos pessoais, usando a chantagem para manter-se no poder por 48 anos e durante a gestão de nada menos do que oito presidentes norte-americanos. Além disso, embora usasse segredos sexuais para intimidar oponentes e fizesse recorrentes comentários homofóbicos, há fortes indícios de que tenha mantido um romance com seu parceiro profissional mais próximo, Clyde Tolson, o que somava a hipocrisia à sua lista de falhas de caráter.


Infelizmente, embora ilustre boa parte destes elementos ao longo de seus 137 minutos, J. Edgar não hesita em suavizar as ações de seu personagem-título – ou por não considerá-las reprováveis (lembrem-se de que Eastwood é um conservador republicano) ou – o mais provável – por covardia artística, já que um protagonista detestável geralmente afasta o espectador.  Assim, os comentários homofóbicos de Hoover são apresentados quase como brincadeiras, sua misoginia jamais é mencionada (ele não aceitava mulheres como agentes do FBI) e seu racismo (poucos negros eram admitidos no bureau) é lavado de maneira ofensiva – e mesmo admitindo ter mandado prender um negro por casar-se com uma mulher branca, justifica sua ação ao dizer que era a única maneira de botar um criminoso atrás das grades. Como se não bastasse, embora tenha se beneficiado imensamente da caça aos comunistas promovida pelo mau caráter Joseph McCarthy, outro que não hesitava em perseguir alguém por suas ideias, o Hoover visto neste filme pode ser ouvido classificando o senador como um “oportunista”, como se dele discordasse.

Pecando também ao maximizar o impacto das ações dos “bolcheviques” perseguidos pelo diretor do FBI ao mostrá-los disparando contra inocentes ou bombardeando residências, Eastwood jamais contrapõe estas cenas com momentos de crueldade similar promovidos por ordens diretas de Hoover – e, assim, o filme parece tentar demonstrar que seus excessos ao menos tinham alguma razão de ser. Por outro lado, ao menos o roteirista Dustin Lance Black (Milk) estrutura a narrativa a partir dos relatos feitos pelo próprio J. Edgar Hoover, sugerindo, assim, que estamos acompanhando seu ponto de vista acerca da própria vida, o que justificaria a complacência do filme para com suas atitudes reprováveis. Trata-se de um recurso válido? Sem dúvida. Mas não particularmente admirável em seus aspectos morais.

Repassando os principais momentos da longa carreira de Hoover, este novo trabalho de Eastwood começa a acompanhá-lo desde a juventude, quando manifesta óbvia admiração pelo procurador-geral Mitchell Palmer (Pierson), passando por sua nomeação para o cargo de diretor do bureau, pelas investigações do sequestro do bebê Lindbergh (Lucas) e pela expansão de seu poder, que culminaria na criação do FBI tal como este existe hoje. No processo, vemos sua submissão à mãe (Dench) e testemunhamos o início de sua relação profissional com a secretária Helen Gandy (Watts), que o acompanharia por 40 anos, e com Tolson (Hammer) – e é excelente, o trabalho de design de produção e de figurinos, que recriam com perfeição todos os períodos ao longo das cinco décadas cobertas pela história. Enquanto isso, a fotografia de Tom Stern investe numa paleta dessaturada que confere certa tristeza ao filme, deixando-o também um pouco monótono do ponto de vista estético. Para finalizar, a montagem de Joel Cox e Gary Roach é hábil ao não permitir que o longa se torne confuso apesar da falta de linearidade, pecando apenas ao criar transições que, mesmo conceitualmente interessantes, mostram-se previsíveis por serem preparadas com tanta obviedade – como, por exemplo, o salto no tempo envolvendo os personagens em um elevador e, claro, a desajeitada fusão no hipódromo. Para piorar, a estrutura jamais encontra justificativa narrativa: quando vemos um incidente da juventude de Hoover seguido por um momento em sua velhice, um jamais parece comentar ou justificar o outro, o que cria a impressão de um filme episódico e desconjuntado.

Encarnando o personagem-título com uma severidade constante em seus modos, Leonardo DiCaprio é relativamente bem-sucedido em sua composição: por um lado, é interessante observar a cadência estudada, pausada, da fala de Hoover, que insiste em salientar certas sílabas aparentemente ao acaso para conferir peso ao que diz; por outro, os maneirismos do ator surgem estudados e artificiais, chamando atenção para si mesmos como se berrassem “Vejam esta atuação!”, o que compromete a performance. E se DiCaprio merece aplausos, por exemplo, por suavizar o tom de voz sempre que surge conversando com Dench, sugerindo sua deferência à mãe (e vejam como a dublagem comprometeria e mutilaria a composição!), mais difícil é aceitar sua pesada maquiagem como o velho Hoover, já que jamais deixamos de perceber o artifício e a jovialidade do rosto famoso por baixo do látex. Ainda assim, com o tempo o espectador acaba se acostumando um pouco com o visual do ator envelhecido, suavizando o problema – algo que jamais ocorre com o “velho” Clyde Tolson, cujos efeitos de maquiagem estão entre os piores que já vi, prejudicando irremediavelmente o filme e também o trabalho de Armie Hammer (que, embora eficiente na maior parte do filme, adota um caminhar patético ao encarnar o personagem na velhice, parecendo estar com uma crise aguda de hemorroidas).

De todo modo, ao menos DiCaprio e Hammer estabelecem uma dinâmica admirável entre seus personagens, sugerindo uma tensão sexual recorrente, mas sempre sutil – e o primeiro encontro profissional entre eles soa mais como um flerte do que como entrevista de emprego. Da mesma maneira, a homossexualidade reprimida de Hoover é retratada com sensibilidade por seu intérprete e por Clint Eastwood, conseguindo comover pela óbvia dor e pelos terríveis conflitos internos que provoca no personagem (e sua tentativa atrapalhada de confessar seus impulsos para a mãe resulta na cena mais eficaz e triste do longa). Para completar, o roteiro lida bem com os constantes rumores de que Hoover gostava de se travestir ao encontrar uma justificativa dramática para o único momento em que este surge usando roupas femininas – em outro momento delicado e sensível do filme.

Assim, é uma pena que J. Edgar jamais consiga oferecer qualquer tipo de resposta para perguntas obviamente importantes em uma biografia como esta, a começar pela mais relevante: quem era este homem? Sim, sua personalidade grandiosa e corrompida é sugerida (e Eastwood chega a compará-lo sutilmente a Kane ao trazê-lo ao lado de uma grande lareira), mas jamais conseguimos descobrir como, por exemplo, ele é capaz de despertar tamanha lealdade em Helen e Tolson, já que se mostra mesquinho, intolerante e agressivo, não hesitando em acusá-los de traição à menor sugestão de discordância. Mas talvez o instante mais embaraçoso do longa (depois daquele em que o sujeito surge dizendo “Eu te amo” depois que alguém deixa a cena) seja sua repentina crise de culpa, quando solta um “Eu mato tudo que amo?” artificial, abrupto e completamente inverossímil, indicando a luta de Eastwood e Black para tentarem compreender o personagem que estão biografando.

Falho ao investigar o personagem que lhe dá título, J. Edgar ainda assim não deixa de ser uma pequena surpresa na carreira de Eastwood justamente por mostrar que, aos 81 anos de idade, o velho cowboy republicano é um ser humano sensível o bastante para retratar o romance sufocado e sufocante de Hoover e Tolson de maneira tocante e sensível. E mesmo que despreze quem J. Edgar Hoover foi, não posso deixar de me compadecer do indivíduo torturado e incapaz de se permitir qualquer felicidade apresentado pelo veterano cineasta.

26 de Janeiro de 2012

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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