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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
06/04/2007 01/01/1970 3 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
115 minuto(s)

Um Beijo a Mais
The Last Kiss

Dirigido por Tony Goldwyn. Com: Zach Braff, Jacinda Barrett, Rachel Bilson, Casey Affleck, Michael Weston, Eric Christian Olsen, Marley Shelton, Harold Ramis, Tom Wilkinson, Blythe Danner.

O ser humano é insatisfeito por natureza. Sempre queremos mais e constantemente deixamos de valorizar o que temos. Isto se aplica ao trabalho, aos bens, à condição financeira e, é claro, às relações amorosas. Estamos sempre à procura de uma vida ideal sem percebermos que, justamente por assim o ser, esta é inalcançável – e mesmo que conseguíssemos o impossível e a agarrássemos, provavelmente ficaríamos enfadados e novamente insatisfeitos em questão de alguns anos. Neste sentido, os homens geralmente são mais inconstantes do que as mulheres, especialmente no que diz respeito ao sexo: espantamo-nos quando descobrimos que um idiota foi capaz de trair, sei lá, a Luciana Vendramini, mas não podemos garantir que não faríamos o mesmo depois de um bom tempo de relacionamento com a moça. A estupidez está impregnada em nosso cromossomo Y e somente a experiência e a maturidade que ela traz podem derrotá-la – ou, ao menos, enfraquecê-la.

Tomemos, como exemplo, o arquiteto Michael, vivido por Zach Braff neste Um Beijo a Mais (uma refilmagem do italiano O Último Beijo): além de profissionalmente bem-sucedido, ele mora com uma mulher bonita, sensível e inteligente que espera seu primeiro filho. E, no entanto, durante uma festa de casamento, ao ser abordado pela jovem universitária Kim (Bilson), ele hesita em dizer que é comprometido ao perceber o interesse da moça. Tentado pela possibilidade do flerte, ele acaba ameaçando seu relacionamento com Jenna (Barrett), que, por sua vez, mal percebe a crise constante no casamento de seus próprios pais, Stephen (Wilkinson) e Anna (Danner).

Escrito por Paul Haggis (Crash, Menina de Ouro, A Conquista da Honra, Cassino Royale), o filme faz o diagnóstico errôneo e simplista de que as mulheres estão sempre à procura de um relacionamento, enquanto os homens fogem de qualquer compromisso. Não é bem assim - pelo menos, não na maioria dos casos. Se a aversão a compromissos é uma realidade apenas parcial, a triste verdade é que muitos homens (a maioria, arrisco dizer) temem, consciente ou inconscientemente, o dia em que não terão mais qualquer apelo romântico ou sexual, transformando-se em uma versão inofensiva e senil de si mesmos (vide Vênus) – e, talvez por esta razão, cedam com relativa facilidade às tentações que cruzam seus caminhos. Ou talvez esta seja uma racionalização hipócrita para justificar a galinhagem, não sei. O fato é que, diante de uma mulher madura que certamente representa uma promessa (ou seria ameaça?) de estabilidade, muitos homens mergulham em  uma verdadeira crise existencial, sentindo-se obrigados a optar entre o hedonismo e a “vida adulta”.

Esta não é uma escolha fácil, obviamente – e, neste aspecto, Um Beijo a Mais demonstra compreender bem a questão: de um lado, há o forte impulso de nos entregarmos ao prazer e à aventura; de outro, há a racionalização de que podemos estar arriscando tudo aquilo que construímos por algo momentâneo, efêmero. E enquanto aguardamos por uma decisão que nunca vem, oscilamos desesperadamente entre o agradável sentimento de estabilidade e o intenso desejo de experimentarmos algo novo, excitante. No caso de Michael, esta encruzilhada torna-se ainda mais dolorosa em função do filho que está por vir e que, afinal de contas, não pode ser penalizado pelas incertezas do pai. Mas se o amor pelo bebê em gestação é forte, a satisfação de ver-se desejado por uma jovem bonita também é – e a determinação de Kim em seduzi-lo é um afrodisíaco à parte, já que leva o arquiteto a se sentir atraente depois de tanto tempo ao lado de uma mulher cujo amor ele já sabe ter. Desta maneira, Michael torna-se desonesto com todos: com Jenna, com Kim e consigo mesmo, mantendo uma situação que inevitavelmente provocará o sofrimento de todos os envolvidos.

O dilema do protagonista, porém, não é o único do filme: casados há décadas, Stephen e Anna comprovam que os relacionamentos são complicados em qualquer idade. No caso destes dois, os problemas são de outra natureza: Anna é uma mulher vaidosa que ressente a falta de atenção do marido, ao passo que este já não tem mais energia para tentar agradá-la depois do que certamente foram anos de intensos esforços para fazê-la sentir-se querida. E é justamente por isso que o olhar que Anna lança à filha quando esta comenta sua “perfeita” harmonia com Michael denota pena e carinho pela ingenuidade da moça, enquanto Stephen se comove ao descobrir que a filha está grávida, já que sabe perfeitamente que sua menina está apenas começando a vida e que muitos obstáculos ainda irão se apresentar. Aliás, é o personagem de Tom Wilkinson quem ensina a Michael uma lição simples, mas que muitos parecem ignorar: o que sentimos só interessa a nós mesmos; é como agimos com as pessoas a quem amamos que realmente importa. É uma pena, portanto, que o roteiro gaste tão pouco tempo com os pais de Jenna, preferindo se concentrar nos aborrecidos amigos de Michael (um deles manifesta admiração por Jenna alegando que “ela é como um cara!” – o que imediatamente me levou a questionar que tipo de idiota iria desejar uma mulher que se encaixasse nesta descrição. E a moça, vale dizer, não se encaixa.).

Fazendo um bom trabalho de direção, Tony Goldwyn (o amigo traiçoeiro de Ghost – Do Outro Lado da Vida) cria uma narrativa leve e sensível, demonstrando inteligência em momentos nos quais ilustra os problemas do protagonista de maneira sutil: observem, por exemplo, o plano em que Michael conversa com um colega de trabalho na bancada imediatamente atrás da sua e acaba se colocando, sem perceber, entre algumas fotos de família e um monitor, refletindo justamente seu sentimento de angústia por ver-se pressionado pela vida adulta (família de um lado, trabalho de outro). Em contrapartida, Goldwyn apela para o óbvio ao retratar Kim como uma garota que adora andar sob a chuva – um clichê batido para ilustrar a impulsividade e a alegria da juventude. Da mesma forma, algumas de suas tentativas de fazer humor soam terrivelmente artificiais, como o incidente envolvendo o carro de Michael e uma árvore.

No entanto, o problema mais grave de Um Beijo a Mais – e que acaba comprometendo gravemente o filme – reside na forma maniqueísta com que tenta resolver os problemas do protagonista, minimizando sua traição e apelando para uma montagem boba ao som de uma balada romântica, como se isto fosse satisfazer o espectador com relação ao confronto entre Michael e Jenna. E é lamentável que invistamos tanto naqueles personagens apenas para testemunharmos uma resolução artificial que não convenceria sequer um adolescente em seu primeiro namoro.

Mas talvez a principal conclusão oferecida pelo filme seja a de que é sempre muito difícil tentarmos introduzir qualquer grande mudança em nossas vidas, por mais que desejemos fazê-lo. E que, de qualquer forma, mudar nem sempre é a melhor opção.

06 de Abril de 2007

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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