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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
16/05/2003 23/08/2002 3 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
117 minuto(s)

S1m0ne
S1m0ne

Dirigido por Andrew Niccol. Com: Al Pacino, Catherine Keener, Winona Ryder, Jay Mohr, Evan Rachel Wood, Pruitt Taylor Vince, Jason Schwartzman, Elias Koteas, Rebecca Romijn-Stamos e Rachel Roberts.

Hollywood sempre teve uma certa tendência a valorizar a fama mais do que a arte. No passado, no entanto, a maior parte das celebridades procurava manter o foco na qualidade de seus trabalhos: Chaplin, por exemplo, era mania mundial, mas isso não o impedia de se dedicar com verdadeira obsessão aos seus filmes. Da mesma forma, Marilyn Monroe, no auge do sucesso, decidiu estudar interpretação com o mestre Lee Strasberg; enquanto Marlon Brando esforçou-se ao máximo para perder o status de símbolo sexual, aceitando projetos como Sindicato de Ladrões e Os Deuses Vencidos. Infelizmente, o culto à fama comanda, hoje em dia, o rumo das carreiras de atores como Tom Hanks e Julia Roberts, que são desestimulados (por seus agentes e pelos estúdios) de se arriscarem em produções que não tenham apelo junto ao público. Da mesma forma, como os projetos vêm se tornando cada vez mais milionários, qualquer ator ou atriz que se mostre capaz de atrair espectadores acaba se tornando ridiculamente poderoso e ganha o direito de converter seus filmes em veículos de vaidade e auto-promoção.

Isso obviamente não poderia passar desapercebido para o cineasta e roteirista Andrew Niccol, que vem se especializando em estudar justamente os disparates de nossa sociedade: em Gattaca – Experiência Genética, ele ilustrava as absurdas tentativas feitas pelo homem para controlar a natureza, criando bebês `sob medida` para seus pais; e, em O Show de Truman, foi a vez de estudar o lado voyeurístico de nossas personalidades, chegando a antecipar a atual moda dos reality shows. Em S1m0ne, Niccol recria o mito de Pigmalião (que esculpiu a `mulher perfeita` em mármore, com quem se casou depois que esta foi despertada pela deusa Afrodite), contando a história de Viktor Taransky (Pacino), um cineasta cujo último projeto é engavetado depois que sua protagonista, uma grande estrela de Hollywood, pede demissão depois de descobrir que outra pessoa recebeu um trailer dois centímetros maior do que o seu. Desesperado, ele conhece um sujeito amalucado que criou um programa capaz de simular a existência de uma atriz com perfeição – e, a partir daí, Viktor transforma Simone (abreviatura de `Simulation One`) em uma atriz de sucesso. Assim como Hitchcock (que afirmou, certa vez, que os atores `deveriam ser tratados como gado`), o personagem de Pacino sente-se realizado por finalmente conseguir fazer seu trabalho sem interferências, aproveitando a influência de Simone para manipular o restante do elenco. No entanto, quando a fama de Simone começa a virar um grande incômodo, o cineasta percebe que não será fácil se livrar de sua criação.

Os melhores momentos de S1m0ne nascem da divertida visão de Niccol sobre os bastidores de Hollywood: em certo momento, por exemplo, Viktor define certa atriz como sendo uma `supermodelo com cartão do Sindicato dos Atores`; e, em outra ocasião, ele reage da seguinte maneira ao ouvir o velho argumento das `diferenças criativas`: `A única diferença é que você não é criativa!`. Obviamente irritado com o poder cada vez maior conferido às grandes estrelas, o roteirista ilustra a forma com que estas exigem mudanças nos scripts e evidencia a frustração dos verdadeiros artistas ao perceberem que suas visões serão comprometidas pelos desejos egocêntricos dos astros. Além disso, Niccol também critica o papel da mídia neste processo, já que grandes celebridades correspondem a grandes audiências e a grandes vendagens das revistas especializadas. (Durante uma entrevista coletiva, nenhum jornalista se mostra interessado na formação artística de Simone; todos perguntam apenas sobre sua vida amorosa.)

Infelizmente, depois de um primeiro ato promissor, S1m0ne se perde e jamais aproveita o potencial de sua premissa. Por que, por exemplo, o roteiro estabelece que Taransky nada sabe sobre computadores se, no restante da história, é fundamental que acreditemos em sua capacidade de manipular o programa criado pelo personagem de Elias Koteas? Ao longo do filme, o cineasta é retratado quase como um tolo, e não como o gênio que supostamente deveria ser. Para piorar, seus filmes soam de forma incrivelmente pretensiosa e intelectualóide, o que torna inverossímil o sucesso que estes alcançam (se o público americano não é capaz de aplaudir sequer Clube da Luta e Magnólia, que contavam com os astros Brad Pitt e Tom Cruise, o que dizer de produções com títulos como O Nascer e o Pôr-do-sol e Eternidade Para Sempre?). O mais grave, no entanto, é que, apesar de ser tratada como uma atriz de talento inigualável, Simone jamais demonstra grande potencial nas cenas em que aparece atuando – e, no instante em que deveríamos estar testemunhando uma performance digna de Meryl Street ou Katharine Hepburn, o filme nos apresenta a Cameron Diaz.

Mas não pára por aí: acreditar que o público americano iria `perdoar` uma celebridade apesar das declarações polêmicas que esta fizesse é ignorar o óbvio: nos tempos em que vivemos, o policiamento das patrulhas `politicamente corretas` é implacável: basta ver os constantes ataques feitos atualmente a Susan Sarandon, cujo único pecado foi defender a paz. Como se não bastasse, a conclusão de S1m0ne é forçada e inverossímil, o que não deixa de ser decepcionante.

Enquanto isso, Al Pacino faz o melhor que pode para transformar Viktor em um personagem bem desenvolvido, mas é prejudicado pela indefinição de Andrew Niccol com relação ao gênero adequado para o filme: em certos momentos, Viktor é um sujeito amargurado e com leves toques esquizofrênicos; em outros, age de forma histérica e supostamente engraçada. Da mesma forma, o editor interpretado por Pruitt Taylor Vince jamais se encaixa na história, prejudicando o ritmo do filme em todas as cenas em que aparece. Por outro lado, Rachel Roberts transforma Simone em uma criação interessante, enquanto Winona Ryder se diverte bastante como a egocêntrica estrela Nicola Anders.

Para funcionar da melhor maneira, a sátira tem sempre que manter um pé na realidade, levando o espectador a compreender que, apesar de absurdos, os acontecimentos que retrata poderiam acontecer em determinadas circunstâncias. Porém, ao perder este contato com o mundo real, S1m0ne se transforma em fábula – e sua força desaparece.
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16 de Maio de 2003

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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