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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
19/12/2016 17/10/2014 2 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
104 minuto(s)

Sonhos à Deriva (ou Força para Viver)
Ruddless

Dirigido por William H. Macy. Roteiro de Casey Twenter, Jeff Robison e William H. Macy. Com: Billy Crudup, Anton Yelchin, Felicity Huffman, Selena Gomez, Miles Heizer, Peter Spruyt, Kate Micucci, Joey Bicicchi, Ben Kweller, William H. Macy e Laurence Fishburne.

William H. Macy é um excelente ator. Capaz de incutir humanidade em praticamente qualquer personagem que viva, Macy é particularmente competente ao modular suas performances de acordo com o gênero no qual estão inseridas – um talento que, infelizmente, não revela nesta sua estreia na função de diretor. Assim, embora seja compreensível que o roteiro co-escrito por Macy, Casey Twenter e Jeff Robison se preocupe em oferecer ao menos um grande momento dramático a cada integrante do elenco, falta coesão narrativa ao projeto como um todo, o que, entre outras coisas, leva seu tom a oscilar terrivelmente.


Quando o filme começa, por exemplo, vemos uma breve interação entre o publicitário Sam (Crudup) e seu filho Josh (Heizer), que é convidado pelo pai a encontrá-lo em um restaurante para celebrar um negócio bem-sucedido – uma comemoração que jamais se realiza, já que o rapaz morre em um tiroteio na universidade. A partir daí, Sonhos à Deriva acompanha Sam à medida que lida com a tragédia de um modo curioso: cantando em um bar local as músicas que o jovem compunha, o que o leva a conhecer Quentin (Yelchin), um sujeito retraído que, encantado com o que ouve, o convence a montar uma banda.

Se a impressão ao ler o parágrafo anterior é a de que tudo parece correr rápido demais, não se espante, pois é o que de fato ocorre: em um instante, Sam é um profissional respeitado, estável, que mora em uma casa espaçosa e dirige um carro luxuoso; no seguinte, surge barbado (código para “deprimido”, claro), alcoólatra, morando em um barco (!) e usando uma bicicleta para ir até seu novo trabalho como pintor de casas. É claro que o roteiro não se preocupa em explicar como um bêbado mal empregado consegue arcar com os custos de um barco ancorado em um lago particular (creio que devemos supor que ele, anos depois, ainda vive do que havia acumulado e trabalha como pintor apenas para passar o tempo), mas este problema é, por incrível que pareça, um dos menores do projeto. Reparem, por exemplo, como o bar no qual os personagens se apresentam parece ter sempre alguém no palco, dia e noite, contando também com uma plateia constante para os artistas. Além disso, Quentin convenientemente testemunha já a primeira performance do protagonista, tornando-se enlouquecido por uma canção que, convenhamos, é – com muito boa vontade – apenas medíocre.

O resto é o de sempre: os dois se tornam próximos, Sam aos poucos se vê como uma figura paterna para Quentin, há desentendimentos, etc e tal. Como se não bastasse, o longa inclui uma subtrama envolvendo a mãe do rapaz que jamais leva a lugar algum, planta uma pista (o cartaz de um show) que tampouco se mostra relevante e introduz a ex-namorada de Josh apenas como uma ferramenta óbvia de conflito barato (e Selena Gomez, presa a esta personagem, pouco pode fazer a não ser encarnar um tipo sem dimensão).

Há, por outro lado, pequenos e pontuais elementos que indicam ao menos o esforço de Macy: o design de produção estabelece um bom contraste entre o apartamento cinza, vazio (algo ressaltado pelas janelas sem cortinas) e triste de Sam e a casa aconchegante de sua ex-esposa Emily (Huffman); a montagem que ilustra a evolução da banda é dinâmica (mesmo trazendo alguns raccords óbvios); e a ligação musical entre o protagonista e seu filho é apresentada com economia através de uma foto. Em contrapartida, Macy e sua equipe exibem preguiça ao tentar levar o espectador a acreditar que uma grade em torno de um lago poderia ser instalada aparentemente em um único dia – e a única explicação para o movimento de câmera que tenta provocar surpresa ao revelar o rosto de Del é o fato de este ser vivido por Laurence Fishburne, já que o personagem em si é quase totalmente descartável.

E há, não nos esqueçamos, a inconsistência no tom da narrativa, que, depois de um primeiro ato pesado, subitamente introduz não apenas elementos cômicos (ou que tentam sê-lo), mas que beiram a caricatura, como a ponta de Kate Micucci como uma cantora e as intervenções de um vizinho de Sam que surge usando roupas de corte e cores ridiculamente estereotipados, uma boia salva-vidas e uma gravata-borboleta, parecendo ter saído diretamente do universo de A Vingança dos Nerds.

O mais lamentável, contudo, é que Sonhos à Deriva contém, no meio de sua história, a semente de um filme infinitamente mais interessante e que podemos entrever quando uma revelação é feita na metade da projeção e, por cerca de dez minutos, leva a obra a flertar com um estudo psicológico potencialmente fascinante. Até que, claro, os clichês dramáticos retomam controle do longa, impedindo que possamos entender a dimensão e a natureza da dor experimentada por Sam. Para piorar, o desfecho (que não pretendo revelar) busca forjar uma identificação impossível do espectador com a música que o personagem de Crudup canta, ignorando solenemente seu dilema ao manter determinados segredos, que, no final das contas, percebemos que não importavam de fato.

Falhando até mesmo como vitrine para o talento de Anton Yelchin, precocemente falecido este ano, Sonhos à Deriva não traz nada que justifique o interesse de William H. Macy em usá-lo como sua estreia na direção – ou o nosso por seus futuros projetos como cineasta.

19 de Dezembro de 2016

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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