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O LUGAR ONDE TUDO TERMINA Frame Sonoro

Logomarcas iniciais. Total silêncio.

Tela escura.

Uma respiração forte em primeiro plano e, ao fundo, uma espécie de música circense.

Ainda tela escura. De repente, um som metálico, ritmado, porém ainda indistinguível.

Surge a primeira imagem.

Um corpo masculino, magro e com muitas tatuagens caminha pra lá e pra cá em um recinto pequeno. O som metálico é uma faca tipo butterfly, manuseada habilmente pelo sujeito.

Alguém bate na porta e fala alguma coisa. O rapaz tatuado crava a faca na parede, pega uma jaqueta e sai. A câmera o persegue, focalizando suas costas.

O personagem vai caminhando e descobrimos que estamos em uma espécie de parque de diversões. Mergulhamos em um oceano barulhento e caótico: montanha russa, videogames, carrossel e vários outros brinquedos, anúncios em alto-falantes, gritarias de crianças, música de circo, povo gritando e aplaudindo (e em meio a tudo isso, ainda somos capazes de ouvir o isqueiro sendo acionado quando o rapaz acende um cigarro).

Temos aqui uma ruidosa, complexa e magnífica trilha sonora acompanhando o plano-sequência que abre o filme do diretor Derek Cianfrance. Tão notável que só esta abertura ganhou uma menção honrosa pela Associação de Críticos de Cinema de Saint Louis, nos EUA.

Quando Luke, o intrigante personagem vivido por Ryan Gosling, chega ao seu destino, nós descobrimos que ele é um piloto de motocicletas e está prestes a fazer uma performance no globo da morte junto com outros dois companheiros. Esta cena em específico, com as três motos girando loucamente dentro do globo metálico, o ronco dos motores sendo despejados nos seis canais de áudio e com a câmera praticamente colada no lado externo do globo, já vale o preço do ingresso.

Aliás, o som de motores é o grande destaque sonoro da primeira parte do filme. Exemplos? Vamos avançar um pouco mais na história.

Após o primeiro assalto a banco cometido pelo protagonista, durante a fuga, o som "nervoso" do motor da motocicleta é fundamental para o funcionamento da cena. A mixagem exagera nos volumes, seja na moto em si, nos carros que passam, nas arriscadas manobras até sua entrada no caminhão. É uma decisão acertada porque aumenta, e bastante, a tensão e a adrenalina de toda a ação mostrada.

O mesmo acontece na cena do último assalto.

Aqui temos uma impressionante cena de ação primorosamente executada e montada. É notável a quantidade de detalhes na sequência quando a câmera está posicionada dentro do carro policial perseguindo a motocicleta de Luke. Além dos onipresentes rádio e sirene, temos todos os sons das trocas de marchas, as pisadas nos pedais, as freadas e derrapadas, os trancos dos pneus quando estão passando por irregularidades no chão. Enfim... Uma cena obrigatória em qualquer escola de cinema.

Já na segunda parte do filme, o destaque em termos sonoros é o uso do som como percepção subjetiva dos personagens. Exemplos? Vamos lá:

- Quando AJ (Emory Cohen) e Jason (Dane Deehan) fumam droga em um túnel, o som acompanha o efeito da droga através da utilização do efeito de reverberação.

O mesmo ocorre na festa na casa de AJ. Aliás, esta sequência é tão interessante em relação à mixagem que merece ser decupada:

- Jason se aproxima da porta da frente da mansão onde está ocorrendo a festa. Ouvimos a música onde predominam as frequências graves;

- Assim que Jason abre a porta, as demais frequências da música (médios e agudos) surgem. É uma cena de cair o queixo!

- Jason entra na festa e a música é altíssima, misturada ao vozerio e gritaria dos adolescentes. Aqui o canal de som graves é usado quase no máximo;

- Jason entrega um pequeno pote plástico com os comprimidos de oxy para AJ. Aqui temos um detalhe interessantíssimo, um verdadeiro trunfo do trabalho de mixagem: AJ sacode o pote e, mesmo com toda a balbúrdia sonora em volta, ouvimos perfeitamente o barulho típico dos comprimidos sendo sacudidos;

- E finalmente Jason toma oxy e o mistura com álcool. O som vai mudando à medida que a droga começa a fazer efeito no seu cérebro. Tudo vai ficando diluído, distante, nebuloso... Sonoramente falando.

Outros destaques que valem a pena serem citados, mas agora em relação às ambiências:

- A interessante transição que ocorre quando Avery (Bradley Cooper) é homenageado na academia da polícia: os sons das palmas se transformam no som da água da piscina da cena seguinte.

- Após uma pequena discussão na cama, antes de dormir com sua esposa, os grilos da cena se transformam em passarinhos no plano seguinte quando já está amanhecendo.

- Quase no final, quando Jason descobre a foto na carteira de Avery, a ambiência da floresta some completamente, sendo mais um exemplo sutil, mas significante, do uso subjetivo do som.

E para fechar com chave de ouro, o som carregado de efeitos da recém-adquirida motocicleta de Jason quando se afasta pela estrada.

Música.

Créditos finais.
 

PAULO DE TARSO é editor de áudio e mixador. Trabalhou no departamento de som dos longas Ensaio Sobre a Cegueira e Era Uma Vez. Dono do estúdio Lux Sonora - Pós-Produção de Som para Cinema e Publicidade, em Curitiba.
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