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BARRY LYNDON Vestindo o Filme

Após 2001: Uma Odisseia no Espaço (de 1968) e Laranja Mecânica (de 1971), o diretor Stanley Kubrick termina, em 1975, Barry Lyndon, uma novela de costumes recheada com fino senso de humor, que retrata a trajetória de Redmond Barry (Ryan O’Neal), um jovem irlandês, entre as décadas de 1750 e 1780. Após um duelo, Barry foge para a Europa continental, vira soldado, deserta, enriquece e, por fim, casa-se com a condessa Honoria Lyndon (Marisa Berenson), de forma que sua ascensão social culmina na nobreza.

Kubrick, conhecido por seu perfeccionismo, não tomou o caminho das reinterpretações ou estilizações do período: sua abordagem é literal e os trajes vistos em cena são perfeitamente condizentes com a época retratada. As figurinistas responsáveis pela empreitada são Milena Canonero (que já havia trabalhado com ele em Laranja Mecânica e retomou a parceria em O Iluminado) e Ulla-Britt Söderlund.

Um dos aspectos mais interessantes do filme é como remete visual e tematicamente às pinturas do período, com uma estética que ficaria entre o Rococó tardio e o Romantismo. Paisagens campestres se intercalam com visões de interiores suntuosos e nobres trajados em ricos tecidos e rendas, todos enquadrados belissimamente. O ritmo é lento, como se acompanhasse o viver da época através desses retratos.

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River Landscape (1770) e Landscape inSuffolk(1748), ambos de Thomas Gainsborough

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The Ladies Waldegrave (1781), de Sir Joshua Reynolds e
Lady Georgina Cavendish (1783), de Thomas Gainsborough.

A moda feminina previa corpetes justos, mangas igualmente justas culminando em uma abertura ampla, decotes generosos, chapéus adornados com laços, flores e fitas e fichus (espécie de lenço ou xale utilizado sobre os ombros ao ar livre). O corte dos trajes da pequena burguesia rural e da nobreza era semelhante: o que os diferenciava era o nível de detalhamentos e de riqueza dos tecidos. As moças irlandesas do começo do filme, por exemplo, usam chapéus de palha ou toucas, e vestidos de cores claras, sem muitos adornos.

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A moda masculina consiste em calças curtas ajustadas (chamadas culotes), acompanhadas por meias, bem como coletes, e casacas longas (redingotes), todos com o mesmo tipo de excessos da moda feminina. De fato, os homens só passaram a adotar vestimentas ascéticas, em cor predominante preta, após a Revolução Francesa, quando adornos passaram a ser vistos negativamente, como herança da nobreza. Novamente, a diferença entre as classes era marcada apenas pelo tipo de tecido e acabamentos, visto que a pequena burguesia sempre procurava imitar as modas da nobreza.

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Os trabalhadores das classes mais baixas raramente conseguiam mimetizar os estilos em voga. A mesma roupa poderia durar décadas, sendo passada para frente, não acompanhando a forma vigente. Além disso, os trajes do período não eram adequados nem confortáveis para execução de suas tarefas cotidianas. As mulheres, em específico, abriam mão do uso de corpetes, para possibilitar maior mobilidade. Tecidos coloridos eram mais caros, por isso temos, no filme, a visão de uma população rural com roupas descoradas.

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Outro detalhe vislumbrado no filme é o uniforme militar, que seguia o mesmo corte das roupas civis da época, incluindo a casaca e chapéu de três pontas. Ele não era utilitário dos uniformes atuais, por exemplo, visto que as guerras eram travadas em local e hora marcados, seguindo todo um sistema de regras próprias.

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Posteriormente, vemos na nobreza todo o excesso que sua posição possibilita: há abundância de rendas e uso de tecidos caros. Os cortes que provêm pouca mobilidade deixam claro que não precisam realizar tarefas práticas. Riquezas imensas são expressas no vestir cotidiano.

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As mulheres utilizam chapéus amplos e ambos, homens e mulheres, usam perucas ou penteados volumosos e farta maquiagem.

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O ridículo da riqueza fica justamente patente aí: no exagero, na maquiagem excessiva e nos sinais (pintas de beleza) desenhados nos rostos em posições absurdas.

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As cenas à luz de velas têm um realismo impressionante: nada de vastos salões bem iluminados por um mero candelabro. O que predomina é a meia luz e as sombras. Os ambientes parecem pinturas, com personagens e cenário posicionados de forma calculada. Essa sensação é ampliada pelo uso do zoom, que se move lentamente, apenas mudando o enquadramento da cena retratada. A fotografia capta a luz de forma a esmaecer as cores, aproximando-as ao estilo de pintar da época.

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Barry é herói e anti-herói. Ele representa o povo que quer ascender socialmente, mas não passa de um aproveitador covarde. Sua vulgaridade pode ser percebida quando, ao elogiar um quadro na casa de outro senhor, rapidamente pergunta quanto este deseja para vendê-lo. Para ele o prazer estético tem preço: sua apreciação pelas coisas se dá em termos financeiros, e não artísticos. Mas a nobreza também não é retratada com olhos melhores. Na verdade, o que vemos é um grupo de pessoas refestelando-se desocupadamente, perdendo rios de dinheiros em jogatinas inúteis e lazeres supérfluos.

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Em Barry Lyndon, o figurino não esconde surpresas nem brinca com formas e cores: o que se vê é um retrato fiel e sem truques da época. Apesar disso, não há monotonia: aliado ao belíssimo design de produção e casando com a linguagem do filme, trata-se de puro deleite aos olhos. É um filme para se mergulhar ao longo de toda a sua duração e apreciar a riqueza de detalhes impressa em tela. 
 

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Sobre o autor:

É antropóloga e doutoranda em Antropologia Social pela USP, apaixonada por cinema e autora do blog Estante da Sala.

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