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O GRANDE GATSBY Vestindo o Filme

Esta é a primeira edição de nossa nova coluna, Vestindo o Filme, idealizada e escrita por Isabel Wittmann. Aqui, você ficará por dentro de detalhes e acompanhará análises dos figurinos usados em produções clássicas e recentes. Começamos com o mais novo filme de Baz Luhrmann, O Grande Gatsby. Boa leitura!

E assim nós prosseguimos, barcos contra a corrente, empurrados incessantemente de volta ao passado. (F. Scott Fitzgerald – O Grande Gatsby, capítulo 9)

Quando falamos em um figurino de época, nós temos que ter em mente duas coisas: ele não se presta à recriação literal e acurada de um período, mas, sim, à composição de determinada ambientação servindo aos propósitos do diretor e do design de produção como um todo; apesar disso, alguns elementos que remetam ao período retratado devem se fazer presentes, especialmente quando se trata do século 20, em que as características de cada década são mais facilmente distinguíveis para o grande público.

O Grande Gatsby, adaptado do livro homônimo de F. Scott Fitzgerald e dirigido por Baz Luhrmann, se passa em 1922, período de efervescência econômica e hedonismo dos Estados Unidos no pós-guerra, em que fortunas se criavam nas bolsas e eram gastas a rodo (e em breve ruiriam na crise de 1929). Quando pensamos em uma roupa feminina característica da época, alguns elementos se destacam: o corte reto, cintura baixa e saia plissada ou com franjas abaixo dos joelhos. A silhueta em voga era andrógina: a cintura baixa, na altura do quadril, servia para esconder as curvas, pouco desejadas, favorecendo um visual esguio. Da mesma forma, os colares de contas ou pérolas alongavam a forma. Para completar, cabelos curtos acima do queixo (popularizados no Brasil com o nome Chanel) e cloches, chapéus redondos, em forma de sino.

Catherine Martin não só foi figurinista neste filme, como designer de produção, podendo trabalhar de forma completa a visão barulhenta, rica e anacrônica de Luhrmann sobre o período retratado. De todas as personagens em cena, provavelmente Jordan (Elizabeth Debicki) é a que melhor encarna o período, do corte de cabelo ao porte. Na primeira cena que a vemos, ela veste calças pantalonas, combinadas com um túnica clara e longilínea. Calças ainda não eram itens comuns do vestuário feminino daquela época. Suas roupas são modernas e deixam claro que não só se trata de uma pessoa de riquezas, mas também uma mulher esportista, de carreira, independente nesse muito tão masculino. 

Percebi que ela envergava o vestido de noite, na verdade todos os seus vestidos, como se fossem roupas esportivas. Movimentava-se com extraordinária vivacidade, como se tivesse aprendido a caminhar, desde criança, nos gramados de campos de golfe, durante manhãs frias e límpidas. (F. Scott Fitzgerald – O Grande Gatsby, capítulo 3)

O figurino de Daisy (Carrey Mulligan) é tratado de forma bastante convencional: dentro do que se espera de um determinado padrão de feminilidade pautado na fragilidade, com rendas, pedrarias e pérolas, além de uma paleta de cores predominantemente esmaecida. Daisy tem 23 anos, é casada e é uma jovem sofrida e inocente (por vezes tola, como deseja que sua filha seja), que exala o aroma das antigas riquezas. Embora as suas sejam as peças mais divulgadas e retratadas na mídia, são, também, a parte mais problemática do conjunto. Seus vestidos são ajustados ao invés de ter o corte solto esperado. O modelo lilás acinzentado que utiliza quando vai à casa de Nick é um tubinho de renda com apliques nos ombros e na saia, criando franjas e uma faixa amarrada ao quadril, para compor uma falsa cintura baixa que parece ser um pensamento posterior ao design.

Algo semelhante acontece em relação ao vestido utilizado no baile, em tom champanhe e coberto por uma trama de cristais, com um laço na frente. Embora lindíssimo, ele não ajuda a dar o tom ou definir em que momento se passa o filme. Acontece que Martin trabalhou em colaboração com a estilista Miuccia Prada para criar um número de roupas para o filme. As roupas da grife Prada não foram criações exclusivas e, sim, adaptadas de coleções passadas. É o caso do vestido de festa. Há que ficar claro que moda e figurino funcionam de formas absolutamente diferentes. Moda é orgânica, figurino é criado com propósitos determinados. Parcerias entre figurinistas e estilistas são comuns, mas costumam funcionar melhor em filmes que se passam em período contemporâneo. Nesse caso, embora as roupas encham os olhos, pecam por não ter conexões com os pontos básicos de design da época, citados acima. 

Dentre as personagens femininas, Myrtle (Isla Fisher) é a menos desenvolvida e talvez a mais interessante da história. Infeliz no seu casamento de 12 anos, vivendo na beira da estrada sobre uma oficina mecânica, apaixonada pelo seu amante, Tom (Joel Edgerton), e pela vida para a qual eventualmente escapa em Nova York, ela representa um oásis de cor em meio à pobreza do Vale das Cinzas. Seus vestidos chamativos e com babados e suas bijuterias de plástico são predominantemente vermelhos. Seu figurino conversa diretamente com o apartamento que Tom mantém para ela na cidade, recheado com decoração kitsch e na mesma cor. As roupas e o apartamento refletem diretamente sua personalidade.

Um pouco antes, a sra. Wilson tinha trocado de roupa, e agora ostentava um elaborado vestido de tarde, confeccionado em uma tonalidade creme de chiffon, que farfalhava o tempo todo enquanto ela zanzava pela sala. Sob a influência do vestido, sua personalidade também havia sofrido uma mudança. A intensa vitalidade que tinha sido tão notável na garagem se convertera em uma impressionante altivez. Seu riso, seus gestos e suas afirmações tornavam-se pouco a pouco mais afetados, à medida que ela se soltava, e a sala dava a impressão de ficar menor ao redor dela, até que parecia estar girando em torno de um eixo, que estalava ruidosamente em meio ao ar enfumaçado. (F. Scott Fitzgerald – O Grande Gatsby, capítulo 2)

O Gatsby (Leonardo di Caprio) de Lurhmann é caloroso e apaixonado. Utiliza ternos bem cortados e chapéu palheta. Seus trajes também foram feitos através de parceria, dessa vez com Brooks Brothers, empresa de alfaiataria. Dentre todas as roupas que utiliza, a que mais se destaca é o terno de linho rosa claro, com calça ajustada (pouco utilizada na época) e aparência de frescor para aquele verão insuportavelmente quente. A cor, pouco tradicional, seria um indicativo de que ele não teria sido criado em meio a uma família de posses. 

– Um oxfordiano? Ele? – falou, incrédulo. – Mas que inferno, ele não estudou em Oxford coisa nenhuma! Ele usa um terno cor-de-rosa! (F. Scott Fitzgerald – O Grande Gatsby, capítulo 7)

Apesar de todos esses detalhes anacrônicos, de alguma forma o conjunto parece funcionar em cena. A primeira metade do filme é, talvez, demasiadamente vertiginosa e gera algum estranhamento. Mas, posteriormente, Catherine Martin consegue unir os elementos do design de produção de uma forma em que ao mesmo tempo transmite a riqueza excessiva daquele momento e trabalha perfeitamente para criar um filme que traduz a estética de Baz Lurhrmann.

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Sobre o autor:

É antropóloga e doutoranda em Antropologia Social pela USP, apaixonada por cinema e autora do blog Estante da Sala.

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