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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
28/08/2014 01/01/1970 4 / 5 4 / 5
Distribuidora
Imagem Filmes

Magia ao Luar
Magic in the Moonlight

Dirigido e roteirizado por Woody Allen. Com: Colin Firth, Emma Stone, Simon McBurney, Catherine McCormack, Eileen Atkins, Hamish Linklater, Marcia Gay Harden, Jeremy Shamos, Erica Leerhsen e Jacki Weaver.

Começar a ver um filme de Woody Allen é como reencontrar um velho amigo: à medida que os letreiros brancos sobre o fundo preto trazem os nomes dos atores em ordem alfabética e uma canção com chiado de vinil sai das caixas de som do cinema, o cinéfilo já habituado ao estilo do cineasta sente o conforto de estar em um lugar familiar com alguém cuja companhia aprecia – e se, nos últimos anos, este encontro ocasionalmente acaba em desilusão, há sempre a gostosa expectativa de que, desta vez, a antiga magia seja revivida.


Pois a boa notícia é que, neste caso, o título do novo trabalho do diretor reflete bem seu conteúdo: na maior parte do tempo, Magia ao Luar se revela um romance adorável que não se preocupa tanto com o humor como poderíamos imaginar, mas que jamais deixa de ser doce em sua ingenuidade apaixonada. Trazendo elementos recorrentes na filmografia de Allen (mágica, homens céticos, mulheres repletas de vida e, sim, um flerte entre duas pessoas de idades bem distantes uma da outra), o longa acompanha o ilusionista Stanley Crawford (Firth), que é chamado para desmascarar uma jovem norte-americana, Sophie (Stone), que alega possuir poderes mediúnicos e que conquistou uma velha viúva (Weaver) e seu filho Brice (Linklater). Para isso, ele desiste das férias ao lado de sua noiva igualmente racional e viaja até o paradisíaco sul da França para a tarefa, aproveitando para sua visitar sua querida tia Vanessa (Atkins).

Mesmo ciente de estar contando o tipo de história na qual o envolvimento romântico entre o improvável casal é inevitável, Magia ao Luar ao menos torna a experiência um pouco menos previsível ao fazer com que Stanley resista à ideia por considerá-la absurda. Em vez disso, boa parte da projeção se concentra na mudança vivida pelo sujeito quanto ao seu solidificado ceticismo: seria possível que Sophie tivesse realmente poderes paranormais? E como o protagonista reagiria a esta possibilidade? A resposta, como Woody Allen (e muitos ateus) certamente reconhece(m), é: com imensa alegria. E, assim, é com alívio que Stanley subitamente se vê diante de um universo de esperança no qual a morte não representa um fim definitivo, mas apenas uma nova jornada.

E que lugar mais adequado para se descobrir o prazer de viver do que no bucólico sul francês – que, não por acaso, Allen e o diretor de fotografia Darius Khondji retratam num lindíssimo 2.35:1 que explora ao máximo as locações, das estradinhas com vista para o mar aos jardins envolvidos por uma luz quente e aconchegante que praticamente obriga todos por ela banhados a se entregarem a beijos intensos e a sussurros apaixonados. Além disso, o fato de se passar no fim da década de 20 ressalta o romantismo com seus figurinos e automóveis charmosos que sempre me levam a questionar como não tivemos um boom populacional num período que, estilisticamente, parecia determinado a inspirar suspiros.

Claro que, até conhecer Sophie, o personagem de Colin Firth parece imune a pensamentos que não pudessem ter sido ditados por Nietzsche: “Nascemos e, sem termos cometido crime algum, somos condenados à morte”, ele lamenta, em certo momento – e é natural, portanto, que um outro personagem logo o defina à luz da psicanálise, oferecendo uma leitura de sua personalidade que não só disseca o protagonista como serve de paralelo à “magia” oferecida por Sophie (mas, agora, a partir da Ciência). Firth, diga-se de passagem, encarna o ceticismo de Stanley com vontade, salpicando-o com tons de esnobismo e misantropia que, de tão extremos, o tornam paradoxalmente adorável, numa comprovação do carisma e do talento do ator. Enquanto isso, Emma Stone se revela uma substituta perfeita de Diane Keaton na filmografia de Allen, já que sua persona que combina tolice, alegria e desapego faz um contraponto curioso aos tipos sedutores que Scarlett Johansson viveu em obras recentes do diretor. Adotando trejeitos desajeitados, com os braços largados ao lado do corpo magro coberto por roupas de tons sempre alegres, Stone usa seus olhos expressivos para sugerir uma inocência importante – e quando Sophie diz não ligar para iates e joias, acreditamos na garota. E se Marcia Gay Harden pouco pode fazer a não ser sugerir uma certa postura calculista, a veterana Eileen Atkins tem chance de transformar a tia Vanessa em uma das figuras mais interessantes do filme, já que, com um passado ao mesmo tempo surpreendente e triste, ela parece entender o sobrinho melhor do que este mesmo (e a cena que protagoniza com Stanley, quase no fim, é excepcional ao mostrá-la influenciando o sujeito sem jamais ter que dizer diretamente o que este precisa ouvir).

Trazendo, aqui e ali, os diálogos divertidos que costumamos ouvir nos filmes de Allen (“Quase não se notam as cicatrizes.”), Magia ao Luar ainda assim peca, como vários roteiros do realizador, por demonstrar certa falta de polimento, já que conta com algumas falas dolorosamente expositivas que certamente teriam sido refinadas em tratamentos posteriores (como no momento em que a noiva de Stanley relembra o primeiro encontro do casal). Por outro lado, é agradável perceber como o diretor respeita seus personagens: se muitos teriam sucumbido à tentação de retratar as serenatas constantes de Brice como algo ridículo e uma simples piada, Allen enxerga, sim, humor em sua natureza patética, mas sem deixar de reconhecer que se trata de um gesto bonitinho de alguém apaixonado.

Ainda assim, justamente por conhecer tão bem Woody Allen e sua visão acerca do mundo (ao menos aquela apresentada em sua obra), confesso que já esperava certas “reviravoltas” da narrativa - o que não a comprometeu. Além disso, a homenagem à cena final de Minha Bela Dama surge como uma referência tão apropriada quanto aquelas sobre Uma Rua Chamada Pecado feitas em Blue Jasmine, já que há muito de Henry Higgins/Rex Harrison em Stanley/Firth.

Mais doce do que boa parte dos longas de Allen, Magia ao Luar é uma experiência essencialmente otimista e romântica que sugere, mesmo sob toda a misantropia de seu protagonista, que existe, sim, mágica no mundo. Talvez não no sentido metafísico, mas certamente nos sentimentos surpreendentes que conseguimos despertar uns nos outros. E isto é mais do que suficiente.

29 de Agosto de 2014

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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