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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
07/03/2014 01/01/1970 5 / 5 5 / 5
Distribuidora
Paris Filmes

Direção

J.C. Chandor

Elenco

Robert Redford

Roteiro

J.C. Chandor

Produção

Anna Gerb

Fotografia

Frank G. DeMarco , Peter Zuccarini

Música

Alex Ebert

Montagem

Pete Beaudreau

Design de Produção

John P. Goldsmith

Figurino

Van Broughton Ramsey

Direção de Arte

Marco Niro

Até o Fim
All Is Lost

Dirigido por J.C. Chandor. Com: Robert Redford.

O velho homem dorme sozinho na cabine de seu veleiro quando subitamente uma batida violenta o desperta. Confuso ao ver a água invadindo o compartimento, ele corre para o convés sem compreender exatamente como pode ter atingido algo no meio do oceano – e, surpreso, descobre que a resposta é simultaneamente absurda e preocupante: um container repleto de sapatos, certamente caído de um navio, contrariou as probabilidades de colisão e rompeu o casco de seu barco, destruindo ainda seu rádio e a fiação elétrica. O Homem agora encontra-se perdido no meio do Oceano Índico, cuja vastidão o converte em um ser tão insignificante, perdido e desesperado quanto a astronauta de Sandra Bullock em Gravidade.

Mas este não é nosso primeiro contato com aquele indivíduo, já que o roteiro econômico do também diretor J.C. Chandor tem início com uma carta que o protagonista escreve alguns dias após o acidente – e que tampouco revela muito sobre ele. Para quem o Homem está deixando aquelas palavras? Qual a natureza da culpa que ele parece assumir na carta? Quem é ele, afinal? O que fazia antes de partir naquela viagem? E o que está fazendo no meio do Oceano Índico? É interessante, portanto, notar que Até o Fim parece optar por uma clássica introdução in media res, atirando o espectador no meio da história do protagonista, mas também sugerindo que estamos de fato em seu início, já que nada do que viera antes interessa de fato. Em outras palavras: há algo de complexo e intrigante a respeito do herói, mas esta complexidade é irrelevante diante da simplicidade do dilema que agora enfrenta e que basicamente o obriga a agir pensando apenas na própria sobrevivência.

Segundo longa de Chandor, que estreou em 2011 com o ótimo Margin Call, este Até o Fim não poderia ser mais diferente daquele trabalho: se o primeiro se concentrava em interiores e era carregado de diálogos trocados rapidamente entre diversos indivíduos, o segundo se passa primordialmente em externas e conta com um único personagem que passa a maior parte do tempo em silêncio. Neste sentido, a ideia de escalar Robert Redford se revela essencial para o sucesso da narrativa, já que o histórico e a persona do ator, associados ao seu carisma inquestionável, levam o espectador a estabelecer uma conexão imediata com o homem anônimo que interpreta. Além disso, o rosto envelhecido, marcado e expressivo (e ainda belo) de Redford comunica uma infinidade de ideias e sentimentos com o mínimo esforço, ao passo que os modos seguros e controlados do ator indicam uma personalidade acostumada a manter a calma e a frieza diante dos piores imprevistos.

Mantendo-se calado basicamente durante a projeção, Redford compõe um personagem cujo temperamento disciplinado é sugerido apenas por suas ações, como ao se preparar para uma tempestade que se aproxima, guardando garrafas nos armários e prendendo objetos maiores que poderiam se deslocar de forma perigosa. Exibindo um preparo físico admirável para alguém com 77 anos de idade, o ator convence o espectador da inteligência de seu personagem através do olhar que parece sempre estudar todas as possibilidades e da maneira segura com que age diante de cenários cada vez mais adversos – e sem perder tempo com lamentações ou explosões inúteis, o Homem encontra tempo até mesmo para se barbear cuidadosamente antes de subir para o convés durante o temporal, levando-nos a questionar se o faz como maneira de tentar manter algum controle sobre as circunstâncias ou mesmo por uma dignidade fatalista.

Aliás, boa parte da atração exercida por Até o Fim reside na observação cuidadosa do comportamento de seu único personagem – e vê-lo deixar o e retornar ao veleiro, por exemplo, insinua uma hesitação reveladora acerca de sua relação com o barco. Da mesma maneira, é fascinante vê-lo deitar-se, exausto após uma passagem particularmente difícil, apenas para se obrigar a levantar alguns segundos depois a fim de tirar as roupas encharcadas, indicando sua incapacidade de se resignar e desistir. Igualmente revelador, diga-se de passagem, é perceber como o sujeito reage à chuva fina que o surpreende em certo instante, quando exibe uma expressão de paz e alegria contida que sugere uma personalidade que encontra prazer na solidão – um sentimento evocado também pela maravilhosa trilha de Alex Ebert, que só não foi indicada ao Oscar (um dos vários que o longa merecia, incluindo Direção, Ator e Filme) por um destes absurdos que a Academia costuma promover.

Aliás, o desenho de som de Até o Fim é primoroso, empregando ruídos diegéticos (a batida do mar contra o barco, o vento constante, o ranger do metal do veleiro, a respiração do protagonista) como maneira de envolver o espectador na narrativa – e mesmo os temas de Ebert trazem vários elementos discretos que parecem sair diretamente da ação. Enquanto isso, J.C. Chandor não só oscila com talento entre as sequências mais tensas e outras mais intimistas como ainda explora com sensibilidade seu excelente ator, confiando na capacidade de Redford de sugerir o terror da situação sem que para isso precisemos necessariamente ver as ondas golpeando o barco. Como se não bastasse, o diretor distingue bem entre os instantes de suspense, que prendem justamente pela antecipação de algo que sabemos ser inevitável, e outros de puro choque – como a surpresa do silêncio que envolve o Homem ao subitamente descobrir-se sob a água durante um temporal. Para finalizar, Chandor encontra tempo até mesmo para momentos quase poéticos, detendo-se, por exemplo, num cardume que nada numa coreografia tranquila sob a embarcação do herói, ignorando solenemente o desespero do ser humano que, alguns metros acima, tenta permanecer vivo diante da inclemência da Natureza.

E que parece despertar e redescobrir seu desejo de viver justamente ao perceber-se próximo da morte – não é à toa, vale apontar, que ao tentar usar o rádio logo no início da projeção, ele encontra certa dificuldade para emitir as primeiras palavras, indicando um longo silêncio autoimposto que precedia o acidente. Mas por quê? Sua aliança e o nome de seu veleiro, “Virginia Jean”, indicariam uma viuvez que o teria arremessado a um exílio enlutado no meio do mar? A carta que ele escreve em certo ponto seria um pedido de desculpa aos filhos por ter partido nesta fuga melancólica?

Impossível saber. A única resposta que o filme oferece de forma inequívoca é a perseverança daquele homem – ou melhor: do Homem - diante da própria finitude. Uma resposta talvez óbvia, mas que Robert Redford, depois de décadas de uma carreira riquíssima, encarna com uma dignidade absolutamente comovente e inesquecível.

07 de Março de 2014

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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