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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
09/09/2011 01/01/1970 3 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
105 minuto(s)

Uma Doce Mentira
De vrais mensonges

Dirigido por Pierre Salvadori. Com: Audrey Tautou, Sami Bouajila, Nathalie Baye, Stéphanie Lagarde, Judith Chemla, Daniel Duval.

Uma Doce Mentira é uma comédia de erros divertida que, estabelecendo uma situação psicologicamente complexa envolvendo personagens relativamente bem desenvolvidos, funciona muito bem até o instante em que decide que abraçar um romance hollywoodiano é mais importante do que respeitar a lógica de sua narrativa – e ao demonstrar um desrespeito súbito por tudo que viera antes na projeção, acaba se tornando apenas um passatempo esquecível, ainda que simpático.

Escrito por Benoît Graffin e pelo diretor Pierre Salvadori (que assim repetem a parceria formada com Audrey Tautou no ótimo Amar Não Tem Preço), o filme já tem início estabelecendo a protagonista Émilie como uma figura de vontade forte que, dona de um salão de beleza, não hesita nem mesmo em desobedecer as instruções de suas clientes quando estas discordam de suas opiniões acerca dos cortes mais apropriados. Certo dia, a moça recebe uma carta anônima enviada por um admirador profundamente apaixonado e nem imagina que o autor é Jean (Bouajila), o faz-tudo que contratou recentemente e que, no passado, trabalhou como tradutor na UNESCO. Preocupada com a saúde mental da mãe (Baye), que entrou em depressão depois de ter sido abandonada pelo marido, Émilie decide alegrá-la ao lhe enviar a tal carta, o que dá início a uma série de mal-entendidos que resultam num incômodo (e inesperado) triângulo amoroso.

Inspirados num romantismo mais apropriado à era pré-internet, quando o envio de declarações pelo correio ainda não se tornara ficção, os dois roteiristas se saem particularmente bem ao retratarem a paixão de Jean pela chefe – e a carta escrita pelo sujeito e que abre a projeção é bela o bastante para que acreditemos nos efeitos que provocará mais tarde. Além disso, Salvadori se diverte ao trazer o rapaz consertando um vitral que permite que o diretor inclua um plano no qual Émilie subitamente surge num filtro vermelho que, claro, representa o amor incontrolável de seu admirador.

O curioso, porém, é que o cineasta logo abandona qualquer idealização ao retratar a moça, deixando esta visão romântica para Jean e permitindo que o espectador veja a garota como uma figura nada perfeita: fria, manipuladora e até mesmo cruel, Émilie constantemente revela também uma covardia irritante, atirando sobre os outros as responsabilidades pelos próprios atos e decisões. Indiferente até mesmo diante da inspiradora carta recebida, ela reage àquelas palavras com um desinteresse que, por contraste, realça o interesse excessivo de sua mãe, Maddy, ao acreditar-se destinatária daquela declaração – e é bastante possível que a moça acabasse sendo encarada como uma quase vilã pelo público caso não contasse com o trunfo de ser interpretada por Audrey Tautou, que sempre parece trazer resquícios do carisma de Amelie Poulain como bagagem inevitável em seus filmes.

Mas mais do que isso: embora maniqueísta, Émilie claramente age com a intenção louvável de ajudar a mãe, mesmo que para isto minta e obrigue outros a sustentarem sua farsa – e é por isso que, mesmo percebendo a gravidade dos danos provocados por suas mentiras, temos dificuldade em condená-la pelo que faz (o que também se aplica a Jean e, posteriormente, à própria Maddy). Aliás, se Émilie se beneficia por ser vivida por Tautou, o romântico Jean permite ao ótimo Sami Bouajila estabelecer um tipo doce e sorridente depois de se tornar conhecido internacionalmente graças aos tipos sérios e amargurados que encarnou em Dias de Glória e Fora da Lei, duas de suas colaborações com o cineasta Rachid Bouchareb – algo que ele faz de maneira impecável, convencendo-nos facilmente de seu encantamento por aquela criatura por vezes tão mesquinha (e sua vulnerabilidade constante também o diferencia de seus papéis mais famosos, comprovando sua versatilidade).

Enquanto isso, a veterana Nathalie Baye é hábil ao estabelecer com inteligência as alterações de humor de sua personagem: em um instante, Maddy parece prestes a sucumbir ao peso da auto piedade; em outro, salta pelas ruas com um olhar de alegria contagiante – e se a personagem se torna uma contradição implausível no ato final, isto se deve exclusivamente ao roteiro, já que, mesmo então, Baye faz o possível para tornar suas ações verossímeis. Este cuidado, vale dizer, também se aplica às composições das atrizes com participações menores, merecendo destaque a jovem Judith Chemla, que vive a recepcionista Paulette como uma garota insegura e tímida que, por sinal, é responsável pela melhor piada do filme.

Construindo com talento os tropeços e enganos vistos ao longo da narrativa, Pierre Salvadori é particularmente bem-sucedido nas pequenas gags recorrentes que, além de divertidas, revelam bastante sobre os personagens – como, por exemplo, ao trazer Jean corrigindo a gramática de Émilie ou escondendo seus livros a fim de não intimidar a amada. E é justamente esta atenção de Salvadori que torna tão decepcionante o terceiro ato de Uma Doce Mentira, que subitamente obriga seus personagens a agirem de maneira oposta a tudo que demonstraram ser durante os 90 minutos anteriores.

Com isso, o filme trai não só aquelas pessoas tão bem desenvolvidas, mas também o público que nelas investira suas próprias emoções – tudo para encaixar um desfecho que, se já ofenderia normalmente em uma produção de Hollywood, aqui soa como um verdadeiro sacrilégio.

09 de Setembro de 2011

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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