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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
11/03/2011 01/01/1970 2 / 5 2 / 5
Distribuidora
Duração do filme
107 minuto(s)

Doce Vingança
I Spit on Your Grave: Unrated

Dirigido por Steven R. Monroe. Com: Sarah Butler, Jeff Branson, Andrew Howard, Daniel Franzese, Rodney Eastman, Chad Lindberg, Tracey Walter, Mollie Milligan, Saxon Sharbino.

Praticamente tudo o que escrevi sobre o repugnante O Albergue, do demente Eli Roth, poderia ser aplicado ao discutir este Doce Vingança: concebido como uma fantasia de vingança que, na realidade, disfarça os esforços dos realizadores de atraírem o espectador a partir do que temos de mais baixo em nossa natureza (a curiosidade/fascinação mórbida pelo espetáculo do sofrimento alheio), o longa nada mais é do que uma narrativa repleta de misoginia, preconceito e estupidez. Típico exemplar da pornografia da tortura, esta produção desvirtua o filme original (o bom A Vingança de Jennifer, de 1978), que se desviava com cuidado desta abordagem ao se concentrar mais nas ações da protagonista do que em sua dor, e busca se aproximar do igualmente reprovável Aniversário Macabro, transformando os abusos sofridos pela garota em centro absoluto de sua história, numa lógica invertida propositalmente e que encheria Roth de orgulho.

Escrito pelo estreante Stuart Morse, o roteiro traz a bela Sarah Butler como Jennifer, uma escritora que aluga um chalé isolado a fim de se concentrar em seu novo livro – não hesitando, porém, em anunciar o fato de que estará sozinha e afastada do mundo ao se encontrar com três homens obviamente pouco confiáveis em um posto de gasolina. As conseqüências são óbvias: não demora muito e os rapazes já invadiram a cabana com propósitos criminosos, sendo auxiliados na tarefa por ninguém menos do que o xerife da cidade (Howard). Depois de uma longa (ou melhor: loooooooooooooooooonga) seqüência envolvendo todo tipo de abuso imaginável, a moça é dada como morta – apenas, claro, para voltar tempos depois com o objetivo de se vingar de seus algozes.

De um ponto de vista técnico, os melhores momentos de Doce Vingança se encontram em seus minutos iniciais, quando o diretor Steven R. Monroe estabelece com competência a geografia do local que abrigará a história, salientando bem a distância entre o chalé e a cidade mais próxima. Da mesma maneira, o cineasta constrói um bom clima de tensão ao alternar os planos mais abertos, que mostram Jennifer mais distante (e que criam a sensação de que ela está sendo observada), com outros que, mais próximos, surgem claustrofóbicos e sugerem a possibilidade de que alguém possa surgir a qualquer momento. Por outro lado, Monroe não é nada sutil ao introduzir um barracão abandonado no meio da floresta, praticamente assinalando-o com uma flecha vermelha para que saibamos que ele virá a ser importante, ou ao apresentar as várias ferramentas e o garrafão de soda cáustica que a protagonista encontra num depósito (e que da mesma forma parecem gritar: “Guardem-nos na mente! Nós vamos aparecer de novo!”). E se o diretor exagera no número de ocasiões em que Jennifer ouve algum barulho que a assusta, acaba falhando também ao ilustrar a passagem do tempo da maneira mais primitiva possível: através de uma série de fades que buscam nos fazer esquecer de perguntar como, afinal de contas, a mocinha pôde escapar com vida.

Apelando para os estereótipos mais ofensivos e ridículos do gênero, o longa investe pesadamente em um personagem que, deficiente mental, é usado como ferramenta para disparar o crime dos rapazes e a reação da (anti-)heroína – e cada integrante do elenco rapidamente assume uma única característica que define sua “composição”: o garanhão violento, o ajudante estúpido, o gordo que come o tempo inteiro e o velho caipira que gosta de caçar e fala com sotaque carregado. O único esforço que o roteiro faz no sentido de criar alguém ligeiramente bi(nem tri)dimensional reside na vida familiar do xerife, que se mostra capaz de inacreditáveis atos de barbaridade ao mesmo tempo em que conversa carinhosamente com a esposa grávida e com a filha pequena pelo telefone – mas até isso se revela um mero artifício para que Jennifer possa chantagear o vilão no terceiro ato.

O que nos traz, claro, às ações da garota (e se não me preocupo com spoilers, é porque o longa é previsível do início ao fim – e a única coisa que interessará aos fãs do gênero é como Jennifer matará suas vítimas): mantendo-se estúpida mesmo depois de ter constatado que revelar seu endereço não havia sido uma idéia das mais inspiradas, a moça só consegue cumprir sua missão por estar num filme e por estar lidando com criaturas com Q.I. inferior ao da pessoa que escalou Luciano Huck para dublar Enrolados, já que seus “planos” dependem praticamente do acaso para funcionar. Além disso, como ela não hesita em dizer seu nome verdadeiro para pessoas que serão capazes de identificá-la posteriormente, é razoável supor que ela pretende ser enviada para a cadeia por toda a eternidade após cometer seus crimes – o que, diga-se de passagem, é algo que todos deveríamos torcer para que acontecesse, já que ela se revela uma autêntica psicopata.

Pois o fato é que, ainda que Doce Vingança se esforce tremendamente para que aceitemos as ações da protagonista como algo “justificado”, ela é tão criminosa quanto aqueles que a violentaram – e uma evidência óbvia da covardia moral do filme reside na tentativa de fazer com que nenhuma das mortes seja provocada diretamente pelas mãos da garota, que, numa espécie de Jogos Mortais de quinta categoria, cria formas de levar suas vítimas a agirem por ela (e numa prova também da incompetência do projeto, nem isto é levado a cabo direito pela narrativa, já que não há como atribuir a morte do “garanhão” a outro fator que não a hemorragia provocada pela moça).

Mas se o terceiro ato do longa, que se concentra na vingança de Jennifer (que no original dominava a projeção), pode ser ignorado por não ser muito diferente do que já vimos em títulos como Sexta-Feira 13, Halloween ou o já citado Jogos Mortais, os 80 minutos que o precedem não podem ser facilmente perdoados, já que transformam a tortura sofrida pela garota num espetáculo interminável que se delicia não só com a violência, mas principalmente com a completa humilhação da protagonista – personagem e atriz. E eu até estaria disposto a dar algum crédito aos realizadores caso julgasse que a presença de um personagem filmando tudo aquilo fosse uma referência crítica à nossa própria fascinação mórbida pelo sofrimento da personagem – mas isto seria superestimar a inteligência de pessoas que, em todo o restante do tempo, demonstram a sofisticação intelectual e artística de... bom, de um Eli Roth.

E isto, como certamente já perceberam, está longe de ser um elogio.

11 de Março de 2011

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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