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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
05/11/2010 01/01/1970 5 / 5 4 / 5
Distribuidora

José & Pilar
José & Pilar

Dirigido Miguel Gonçalves Mendes. Com: José Saramago, Pilar Del Río, Gael García Bernal.

“Saramaguetes”. É assim que três fãs de meia-idade se apresentam ao escritor português vencedor do Nobel de Literatura em certo momento deste magnífico documentário. E não é absurdo imaginar que, ao fim da projeção, dezenas de espectadores se sintam compelidos a abraçar esta definição, já que o filme, rodado ao longo de três anos, nos oferece uma visão única e reveladora de um homem abençoado com o dom de esculpir com as palavras.

Partindo de sua relação com a esposa de quase 25 anos, a jornalista Pilar Del Río, José & Pilar acompanha a doce (e atarefada) intimidade do casal de maneira surpreendentemente intimista – e certamente a imagem do velho escritor dando tapinhas na bunda da companheira é algo que não apenas encanta por sua natureza prosaica e confortável, mas também atua no sentido de humanizar um autêntico ícone. Mostrando-se perfeitamente à vontade diante da câmera (mérito do cineasta Miguel Gonçalves Mendes), Saramago e Pilar freqüentemente parecem se esquecer de que estão sendo acompanhados pelos realizadores, protagonizando momentos que encantam pela franqueza e autenticidade.

Co-produzido pela O2 Filmes de Fernando Meirelles, o documentário adota, como ponto de partida, a concepção de “A Viagem do Elefante”, que seria seu penúltimo livro. Com isso, temos a oportunidade rara de testemunhar um gênio em pleno processo criativo – e não deixa de ser um alívio constatar que, de certa forma, este processo envolvia muito silêncio, olhares perdidos, músicas e, claro, o inevitável jogo de paciência no computador. Saramago, aliás, se estabelece como um protagonista sempre fascinante: carrancudo, mas sempre carismático e inteligente, ele não hesita em compartilhar suas dúvidas e medos, chegando a se mostrar divertidamente satisfeito quando uma frase ou idéia bem construída lhe escapa dos lábios (em certo momento, durante uma entrevista, chega a dizer: “Ô Pilar, venha cá! Acabei de falar uma coisa linda!”).

Mas o escritor é, obviamente, apenas metade deste projeto: revelando-se fundamental para a carreira do marido, Pilar Del Río surge, aqui, como uma mulher admiravelmente forte que, organizando o dia-a-dia de Saramago, desempenha papel vital na preservação de sua obra e mesmo de sua vida, já que, gravemente enfermo durante parte do período em que este projeto foi rodado, o artista dependeu pesadamente da esposa para se recuperar. Inteligente e dona de uma personalidade repleta de energia, Pilar parece estar sempre atuando em várias frentes ao mesmo tempo, organizando as viagens do marido, acompanhando-o e protegendo-o durante estas jornadas, presidindo a fundação que leva o nome do escritor e até mesmo construindo uma biblioteca na residência que ocupam na Espanha – e não é à toa que, eventualmente, ela também passa a receber homenagens em função de sua importância na obra de Saramago.

Fotografado com competência por Daniel Neves, que confere tons melancolicamente evocativos às vinhetas de transição que trazem belas paisagens, José & Pilar também impressiona graças à eficiente montagem de Cláudia Rita de Oliveira, que acerta particularmente ao retratar o cotidiano exaustivo de viagens e compromissos do casal. Além disso, é sempre emocionante rever a cena que traz Saramago compartilhando, emocionado, sua satisfação com Fernando Meirelles depois de assistir a Ensaio Sobre a Cegueira pela primeira vez.

Acima de tudo, no entanto, o documentário revela o compromisso absoluto do escritor com sua profissão: aos 84 anos, ele jamais deixa de atender pedidos de fotos, autógrafos (mas sem dedicatória, porque ninguém é de ferro) ou entrevistas, envergonhando muitos artistas infinitamente menores que, em contraste, se consideram estrelas que jamais devem ser importunadas. Desta maneira, José Saramago se revela inspirador não apenas como escritor, mas – sempre – como homem. Um homem que, fazendo valer o velho dito, foi abençoado por contar com uma gigante atrás de si e ao seu lado.

Observação: esta crítica foi originalmente publicada como parte da cobertura do Festival do Rio 2010.

26 de Setembro de 2010

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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