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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
28/10/2011 01/01/1970 4 / 5 4 / 5
Distribuidora

Contágio
Contagion

Dirigido por Steven Soderbergh. Com: Matt Damon, Laurence Fishburne, Marion Cotillard, Kate Winslet, Elliott Gould, Jude Law, John Hawkes, Enrico Colantoni, Bryan Cranston, Jennifer Ehle, Gwyneth Paltrow.

Contágio é um Epidemia que se leva a sério e que, para provar isso, adota uma estrutura dividida em várias linhas narrativas (como em Traffic, que Soderbergh dirigiu há 11 anos) a fim de tentar retratar o que aconteceria caso a Gripe Espanhola ou a Peste Negra se espalhassem pelo planeta nos dias de hoje. Assim, de um lado temos os cientistas em uma busca desesperada pela identificação do agente patogênico e de uma possível cura ou vacina enquanto, de outro, acompanhamos os aspectos políticos e econômicos envolvidos – tudo isso através de personagens que raramente têm tempo de tela suficiente para se tornarem mais desenvolvidos, comprometendo uma das facetas mais importantes da narrativa: a humana.


Escrito por Scott Z. Burns e iniciando já no “Dia 2” da epidemia, Contágio já se apresenta ao espectador como uma ode à paranoia: depois de ouvirmos uma tosse insistente, somos apresentados a Beth Emhoff (Paltrow), que, doente, encontra-se em um aeroporto – e de forma nada sutil (algo inevitável neste caso, devo reconhecer), Soderbergh já usa sua câmera para salientar as inúmeras superfícies de transmissão da doença à medida que a garota toca em uma tigela de amendoins, entrega o cartão de crédito a uma garçonete (que, por sua vez, esfrega os dedos na tela do computador) e por aí afora. Com o palco montado, o filme então pode se concentrar naquilo que interessa de fato: a disseminação do vírus e a reação do mundo a esta.

Com um elenco formidável (mesmo: releiam a lista no início deste texto), o longa usa nossas ligações já estabelecidas com estes atores através de trabalhos anteriores para facilitar seu trabalho de mergulhar o espectador na história, já que sabe que não terá tempo hábil para desenvolver os personagens durante a narrativa – e, assim, quando vemos Matt Damon recebendo a notícia, logo no início da projeção, da morte da esposa e do enteado (mais um pai enlutado no Festival do Rio 2011), sentimos por ele não tanto por sua ligação com a família, mas porque, droga!, Matt Damon não merecia isso! Da mesma forma, Fishburne, o eterno Morpheus de Matrix, exala autoridade e segurança como o chefe do Centro de Controle de Doenças, ao passo que Kate Winslet, até mesmo pela trajetória de sua cientista na trama, tem a oportunidade de provocar um pouco mais de impacto no público. Em contrapartida, se Marion Cotillard praticamente desaparece na metade da projeção em função de um incidente patético e artificial (não, não estou revelando o destino da personagem), Jude Law, talvez temendo se perder em meio a um elenco tão grandioso, apela para próteses dentárias e tiques nervosos com o objetivo de se destacar – e consegue.

Devotando bastante tempo e atenção aos aspectos científicos da questão, Contágio tem seus melhores momentos quando se concentra na busca pelo vírus e sua origem, nas explicações sobre seus mecanismos de transmissão, taxa de mortalidade e formas de ação, bem como nas reações dos personagens a estas informações – e mesmo não alcançando a complexidade de O Enigma de Andrômeda, ao menos é perceptível que o filme fez sua pesquisa básica para conferir verossimilhança à narrativa. Infelizmente, à medida que a epidemia devasta o planeta, Soderbergh deixa de lado as sutilezas e converte o longa num drama pós-apocalíptico que talvez servisse como um capítulo anterior de A Estrada ou O Livro de Eli, sem aparentemente perceber que já vimos sequências de devastação, pessoas destruindo vitrines e ateando fogo a carros em dezenas de outras produções. Além disso, o roteiro pesa a mão na caricatura ao trazer os representantes do governo e da burocracia como indivíduos estúpidos que custam a enxergar a gravidade da situação mesmo quando milhares de pessoas já se encontram mortas – e as cenas que trazem teleconferências envolvendo políticos de vários países chegam a soar constrangedoras de tão infantis*.

Esforçando-se para tentar adivinhar o papel que a Internet desempenharia numa situação como esta, Contágio basicamente retrata a rede como uma força negativa e destrutiva que, servindo para espalhar boatos e desinformação, provocaria muito mais o mal do que o bem (“Blogar é grafitar com pontuação”, diz o personagem de Gould em certo momento – e mesmo que o diálogo seja ótimo, a generalização que contém é injusta e inverídica). Ainda assim, considerando o pânico desproporcional provocado pela gripe suína recentemente (algo que o filme acertadamente comenta), não deixa de ser interessante imaginar como uma epidemia realmente letal seria retratada pela mídia, que tanto se beneficiou em termos de audiência e publicidade ao investir em inúmeras matérias sensacionalistas sobre o H1N1, sendo lamentável que Contágio se mostre, portanto, tão benevolente ao retratar o papel da televisão e dos jornais neste sentido, preferindo se concentrar no lado “maligno” da Internet.

Tecnicamente competente, a produção se destaca principalmente graças à eficiente montagem de Stephen Mirrione, que mantém todas as linhas narrativas numa alternância fluida e orgânica, e à boa trilha de Cliff Martinez, que em diversos momentos compõe uma cadência repetitiva e ritmada que ressalta de forma tensa a passagem do tempo. Por outro lado, a fotografia do próprio Soderbergh jamais sai do lugar comum, chegando a ser contraproducente ao investir em cores quentes e agradáveis nas cenas que enfocam Laurence Fishburne mesmo que o que ali esteja sendo enfocado nada tenha de positivo – e não estou defendendo que a fotografia tenha sempre que ressaltar a atmosfera evocada pelo roteiro, mas tampouco creio que – neste caso – se beneficie ao contradizê-la.

Com um desfecho tolo que tenta enviar o espectador para fora do cinema com a sensação artificial de “resolução”, Contágio acaba não fazendo jus às ambições de sua narrativa, surgindo como pouco mais do que um convencional filme-desastre – mas com Gwyneth Paltrow no lugar de um terremoto.

Observação: esta crítica foi originalmente publicada como parte da cobertura do Festival do Rio de 2011.

07 de Outubro de 2011

Relendo o texto em 2020, percebo que Soderbergh foi até otimista, infelizmente. Basta ver as falas de Donald Trump sobre o COVID-19 para perceber que estupidez e descaso são seus padrões de comportamento.

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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