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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
23/08/2013 01/01/1970 2 / 5 3 / 5
Distribuidora
Paris Filmes

Os Instrumentos Mortais: Cidade dos Ossos
The Mortal Instruments: City of Bones

Dirigido por Harald Zwart. Com: Lily Collins, Jamie Campbell Bower, Robert Sheehan, Jemima West, Kevin Zegers, Aidan Turner, Kevin Durand, Godfrey Gao, CCH Pounder, Lena Headey, Jonathan Rhys Meyers e Jared Harris.

Uma adolescente sensível se apaixona por um rapaz misterioso que pertence a uma longa linhagem de criaturas com poderes mágicos e, no processo, desperta os ciúmes de um antigo amigo que a amava secretamente. Vértice principal deste triângulo amoroso, ela acaba enfrentando seres perigosos cuja existência desconhecia e...

... não, não estou discutindo a “saga” (pff) Crepúsculo, mas o primeiro capítulo de uma outra série que claramente tem como objetivo atrair jovens românticas que se sentem órfãs de Stephenie Meyers: Os Instrumentos Mortais: Cidade dos Ossos – uma fantasia que, ainda que tola e mais apropriada aos anos 80, traz uma série de elementos interessantes que acabam sendo sacrificados pela vontade da história de investir num romance mergulhado em pieguice e clichês.

Baseado em um livro de Cassandra Clare e adaptado pela estreante Jessica Postigo Paquette, o roteiro acompanha as aventuras de Clary (Collins), filha da ex-Caçadora de Sombras Jocelyn (Headey) e que passa boa parte do tempo com o amigo Simon (Sheehan), cujo amor pela garota é mantido em segredo através de frases incrivelmente sutis como “Estou me guardando para outra pessoa” (sim, estou sendo irônico). Certa noite, a moça percebe ser a única capaz de enxergar um jovem loiro que, andando sempre com a camisa entreaberta e adotando o visual dos vampiros de Os Garotos Perdidos, se apresenta como Jace (Bower), um Caçador de Sombras em busca de um cálice capaz de criar outros de sua espécie e que foi escondido pela mãe da protagonista. Infelizmente, o mesmo artefato está sendo perseguido pelo vilão Valentim (Meyers), que pretende... hum... usá-lo para... hum... algum objetivo muito, muito, muito maligno.

Povoando seu universo com criaturas fantásticas de todos os tipos, incluindo lobisomens, vampiros, bruxas e anjos (mas não zumbis), Cidade dos Ossos demonstra ter estudado com afinco a cartilha dos megassucessos literário-cinematográficos ao batizar os humanos com um nome específico (“mundanos” no lugar de “trouxas”) e ao enfocar uma protagonista aborrecida (Clary no lugar de Bella) que subitamente se descobre o foco de interesse de homens mágicos e belos (mesmo que entediantes). Assim, quando a moça se mostra mais interessada em apontar o interesse de Alec (Zegers) por Jace do que em encontrar a própria mãe, protagonizando também mal-entendidos românticos e briguinhas bobas, percebemos que há algo de gravemente errado ali, já que qualquer pessoa minimamente curiosa estaria mais obcecada em descobrir como aqueles seres conseguem ficar invisíveis do que em denunciar a ereção alheia.

Mas este é apenas o menor dos problemas do roteiro de Paquette, que (talvez sabotado pelo livro, que não li) já se complica ao trazer, como subtítulo, uma tal Cidade dos Ossos que aparece por alguns minutos na tela e se revela o menos interessante dos elementos da trama. Além disso, os diálogos, recheados de exposição (incluindo a repetição irritante dos nomes dos personagens), investem pesado na cafonice, desde um hilário “Sou um Caçador de Sombras e te protegerei com minha vida” até um inacreditável “Não me lembro de nada que ela queria que eu esquecesse”, atingindo o ápice com uma fala que, confesso, me fez rir alto no cinema: “Eu chorei a noite toda, mas nunca mais chorei de novo”. Estes momentos, porém, nem se comparam à obviedade da trilha pavorosa de Atli Örvarsson, que não hesita em comentar cada passagem da narrativa, investindo numa melodia romântica durante um quase beijo e em um tom sombrio quando certo personagem revela suas verdadeiras intenções malignas.

Dito isso, os personagens de Cidade dos Ossos felizmente se mostram relativamente interessantes na maior parte do tempo: sim, é ridículo perceber como Clary subitamente se transforma num misto de MacGyver e Indiana Jones ao preparar uma armadilha e se esconder em uma geladeira, mas a verdade é que ao menos a garota (mesmo com sua chatice) se revela uma jovem com iniciativa e coragem, não dependendo de homens que venham o tempo todo em seu auxílio. E se Jace, que sempre encontra tempo para arrumar os cabelos, surge como um interesse romântico aborrecido, seu rival Simon felizmente demonstra alguma personalidade e até algum bem-vindo senso de humor. Por outro lado, enquanto Jonathan Rhys Meyers faz o possível para conferir intensidade a um vilão cujas motivações jamais são esclarecidas, Jared Harris surge como uma escalação curiosa, já que seu papel de líder e mentor daquela pequena organização remete, de certa maneira, ao mago que seu pai Richard viveu nos dois primeiros capítulos da franquia Harry Potter.

Não é à toa, vale apontar, que cito a série estrelada pelo pequeno bruxo: embora tenha suas virtudes (como o bom humor, que lhe permite inclusive ridicularizar sua semi-inspiração Crepúsculo ao trazer Jace sugerindo que Clary quer vê-lo sem camisa), Cidade dos Ossos certamente não pode afirmar que “originalidade” é uma delas, já que suga elementos de Star Wars às histórias de J.K. Rowling, mal se esforçando para disfarçar a conversão das “Relíquias da Morte” para “Instrumentos da Morte” e investindo até mesmo em uma pequena tangente absorvida de Os Invasores de Corpos (os demônios que podem controlar qualquer conhecido da heroína). Assim, não foi surpresa perceber que até mesmo uma gag de Loucademia de Polícia surge aqui em nova roupagem no instante em que Jace é obrigado a se livrar de todas as suas armas antes de entrar no apartamento da vizinha de Clary.

Por outro lado, se Crepúsculo escorregava também no machismo absurdo, Cidade dos Ossos merece créditos não só pela protagonista independente, mas também por sua postura ecumênica (que Jace, claro, expõe de forma óbvia) e por retratar a homossexualidade com naturalidade absoluta. Assim, é uma pena que o filme traga tantos instantes constrangedores (como a cena na qual um anel é reposicionado para ilustrar uma revelação) e se apresente como uma bagunça que atira para todos os lados em sua tentativa de se estabelecer como algo original quando, na realidade, faz apenas um sampling descarado de franquias capazes de atrair um grande público.

O resultado, embora medíocre, é engraçadinho o bastante para evitar que clamemos pelo retorno de Bella e seu namorado emo. E só por isto já sou infinitamente grato aos realizadores.

22 de Agosto de 2013

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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