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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
07/09/2012 25/05/2012 3 / 5 3 / 5
Distribuidora
Imagem Filmes
Duração do filme
109 minuto(s)

Cosmópolis
Cosmopolis

Dirigido por David Cronenberg. Com: Robert Pattinson, Kevin Durand, Sarah Gadon, Abdul Ayoola, Juliette Binoche, Samantha Morton, Jay Baruchel, Philip Nozuka, Emily Hampshire, Mathieu Amalric, Patricia McKenzie e Paul Giamatti.

Minha próstata é assimétrica”, repete o protagonista de Cosmópolis em diversos momentos deste novo trabalho do cineasta canadense David Cronenberg. Embora absurda em sua falta de contexto (e é desta maneira que ele atira a informação em seus interlocutores), a confissão do jovem bilionário Eric Packer (Pattinson) é reveladora ao indicar sua obsessão com a quebra de padrão que a assimetria representa – e perfeito em seu físico de galã, em suas roupas caríssimas e em sua fortuna, o rapaz não parece compreender como, subitamente, algo menos do que ideal pode encontrar-se dentro de seu próprio corpo. Majestade absoluta em seu reino financeiro e governando seus súditos a partir de uma sala da coroa travestida de limusine, Packer enxerga apenas o que deseja, parecendo notar com indiferença o caos que vislumbra através das janelas de seu imenso veículo.

Escrito pelo próprio diretor a partir do livro de Don DeLillo, o filme já tem início exibindo ao espectador uma fileira de limusines que, em suas extensões absurdas e desnecessárias (já que carregam, na maior parte do tempo, um ou dois passageiros), representam por si só a natureza ostentosa e arrogante do poder. É então que conhecemos o protagonista, que informa ao seu chefe da segurança (Durand) que precisa de um corte de cabelo, ignorando os avisos do sujeito acerca dos problemas que enfrentarão para cruzar a cidade em meio às barreiras criadas para uma visita do presidente dos Estados, ao tráfego originado pelo velório público de um rapper e aos protestos de uma população insatisfeita com os efeitos do capitalismo sobre a sociedade. No trajeto, Packer realiza reuniões de negócios, faz sexo com duas ou três mulheres e troca observações filosóficas e existenciais com vários conhecidos – raramente precisando abandonar o carro para estes encontros.

Aliás, é admirável, de um ponto de vista puramente formal, o trabalho que Cronenberg realiza em Cosmópolis, conseguindo não apenas evitar que a narrativa se torne visualmente entediante mesmo sendo quase toda ambientada no interior da limusine, mas também tornando aquele espaço incrivelmente significativo – e é fascinante observar, por exemplo, como os interlocutores de Packer podem surgir próximos ou distantes do sujeito dependendo da importância que é conferida a eles e do teor da discussão que mantêm (e não é à toa que em dois momentos ele cede seu trono particular a convidados que considera merecedores da honra: sua “chefe de teoria” Vija (Morton) e o grandalhão Kosmo Thomas (Boy), com quem divide o amor pelo rapper Brutha Fez). Ressaltando também o isolamento auto imposto do bilionário através deste seu escritório móvel, o cineasta parece não se preocupar com a artificialidade das imagens vistas através das janelas, que surgem como resultado de um greenscreen picareta – e se reclamei disso ao escrever sobre Um Método Perigoso, aqui ao menos a falta de verossimilhança do recurso desempenha (acidentalmente ou não) um papel importante ao evocar a maneira com que Packer enxerga o mundo externo: como algo irreal e distante.

Mas, mais do que isso, Cronenberg demonstra inteligência ao frequentemente empregar lentes grandes angulares ao enfocar seus personagens, o que confere um ar de estranhamento e pesadelo à narrativa ao mesmo tempo em que parece sugerir uma visão de microscópio, como se estivéssemos estudando aqueles estranhos espécimes em seu habitat natural. Da mesma maneira, é interessante notar como Packer vai sendo gradualmente desconstruído pelo filme, perdendo primeiro os óculos escuros e eventualmente a gravata, o terno, a pose e até mesmo o penteado. Além disso, os fãs do diretor certamente apreciarão a bizarrice da cena que traz o anti-herói discutindo negócios com uma assistente enquanto passa por um exame de próstata – e a tensão sexual surgida ali é também sintomática, já que representa o único instante no qual o sujeito parece realmente sentir algum tipo de prazer físico (e que é compartilhado por sua parceira acidental).

Evocando uma atmosfera levemente futurista através da tecnologia empregada por Packer em sua limusine, Cosmópolis sugere também um tom distópico que diz respeito não só ao caos social visto através das janelas do carro, mas ao próprio protagonista, que, em seu tumulto interno e sua indefinição existencial, é uma distopia em forma humana. Vivido por Robert Pattinson com uma inexpressividade que, proposital ou inevitável, serve perfeitamente ao personagem, Packer é quase uma esfinge, jamais permitindo que o espectador identifique o que realmente o move, excita, atemoriza ou fascina (além, claro, do dinheiro). Insistindo numa trajetória autodestrutiva em busca de um corte de cabelo do qual claramente não precisa, o rapaz é quase um autômato – e, assim, é normal que, ao tentar seduzir a esposa distante, ele observe que parecem “pessoas conversando”, como se isto fosse espantoso de alguma maneira. Enquanto isso, o restante do impressionante elenco aproveita ao máximo o relativamente curto tempo de tela oferecido pelo roteiro aos personagens secundários, destacando-se especialmente as performances de Samantha Morton e Paul Giamatti: se a primeira confere uma frieza racional às observações impiedosas de Vija, o segundo transforma Benno numa figura patética cuja vulnerabilidade emocional vem à tona como uma potencial explosão de violência que mantem o espectador tenso mesmo sem se dar conta das razões exatas que movem o pobre homem.

Assim, é realmente uma pena que um projeto com tantas virtudes acabe deixando de fazer jus ao seu potencial ao ser prejudicado por um roteiro que tenta sugerir ter algo de relevante a dizer quando, na realidade, praticamente tudo que sai da boca de seus personagens é apenas tolice. Resumindo-se a filosofadas vazias acerca do dinheiro, da ambição, do poder, da sociedade, do sexo e da arbitrariedade aparente da economia, os abundantes diálogos, que surgem como centro da narrativa, apontam apenas a mediocridade intelectual e emocional daqueles indivíduos, que certamente se julgam bem mais inteligentes do que são de fato – e, com isso, Cosmópolis acaba se revelando uma versão de seu protagonista, exibindo muito estilo para pouquíssima substância.

14 de Setembro de 2012

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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