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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
05/03/2010 01/01/1970 3 / 5 / 5
Distribuidora

Coração Louco
Crazy Heart

Dirigido por Scott Cooper. Com: Jeff Bridges, Maggie Gyllenhaal, Robert Duvall, Colin Farrell, Ryan Bingham, Beth Grant, Jack Nation.

Coração Louco é O Lutador deste ano. Assim como o drama dirigido por Darren Aronofsky e estrelado por Mickey Rourke, este filme gira em torno de um homem que, depois de alcançar o auge de sua profissão, tornando-se incrivelmente popular, se descobre pobre, com problemas de saúde e relegado a eventos de quinta categoria ao chegar à meia-idade. Porém, enquanto O Lutador contava com um roteiro sólido e um arco dramático bem definido, este Coração Louco tem a sorte de trazer um Jeff Bridges mais do que inspirado em seu centro – caso contrário, poderia perfeitamente ter se tornado uma produção mais apropriada para a televisão.

Estabelecendo a decadência do protagonista já em sua cena inicial, quando vemos o cantor country Bad Blake (Bridges) dirigindo seu velho carro rumo a uma cidadezinha na qual se apresentará, o roteiro do também diretor (estreante) Scott Cooper logo se encarrega de ilustrar o alcoolismo do sujeito e seu bloqueio artístico, já que há anos não consegue compor uma nova canção. Ressentindo o sucesso de um antigo pupilo, Tommy Sweet (Farrell), Blake se mostra resistente à idéia de abrir o show do sujeito, mesmo precisando de dinheiro. É então que conhece Jean (Gyllenhaal), jornalista e mãe solteira, com a qual acaba se envolvendo, passando a conviver também com o filho de quatro anos da moça.

Chega a ser curioso, o exercício de comparar os trabalhos de Cooper e Aronofsky: se ambos traziam, por exemplo, mães solteiras com filhos pequenos que acabavam despertando a paixão de seus anti-heróis, os caminhos das duas narrativas se distanciam na abordagem dos cineastas. Aronofsky, mais cínico, se concentra na atração física de Rourke por Marisa Tomei – e o interesse do lutador pelo filho da stripper é absolutamente periférico, quase inexistente. Já Cooper, claramente mais entregue ao sentimentalismo, parece ter assistido Jerry Maguire duzentas vezes ao se preparar para comandar Coração Louco, já que o jeitinho engraçadinho do pequeno filho de Jean desempenha um papel importante na tentativa de redenção feita por Blake. Porém, se Maguire se apaixonava gradualmente pelo garotinho vivido por Jonathan Lipnicki, o cantor vivido por Bridges se derrete pelo pequeno Buddy (Nation) imediatamente, expondo a artificialidade de um roteiro que usa o menino como mero recurso para impulsionar as mudanças do protagonista.

No entanto, este equívoco do roteiro (adaptado do livro de Thomas Cobb) acaba sendo redimido, em grande parte, pela atuação brilhante de Jeff Bridges: absolutamente convincente como um veterano músico country (ele canta quase todas as canções ouvidas no longa), o ator confere enorme carisma a Blake, que, mesmo repleto de falhas, conquista o espectador desde o primeiro segundo da projeção. Buscando ser sempre gentil com seus fãs, o sujeito se mostra absolutamente confortável diante de suas reduzidas platéias, estabelecendo uma relação amável e simpática com o público, chegando a lembrar até mesmo de dedicar números específicos a alguns de seus ouvintes. Da mesma maneira, ele não se furta de aproveitar a oportunidade de dormir com as inevitáveis groupies - mesmo que estas estejam longe da faixa etária da Penny Lane de Quase Famosos, surgindo mais como solteironas carentes em grande parte das vezes.

Porém, se ganha vida e energia no palco, fora deste Blake surge sempre pálido e tossindo enquanto traz um onipresente copo de bebida quase como uma extensão natural de seu braço – e é no mínimo interessante vê-lo limpando cuidadosamente sua guitarra, já que demonstra um descaso pavoroso para com seu principal instrumento de trabalho: seu próprio corpo. Falando com uma dicção trôpega que indica seu constante estado de embriaguez, o cantor oscila entre o limite da depressão e o intenso mal-estar provocado pelo excesso de bebida – algo que Bridges retrata com uma visceralidade ímpar. Além disso, o ator é hábil ao demonstrar a resistência de seu personagem diante de certas perguntas feitas por Jean, já que as respostas que se nega a dar revelam bem mais sobre Blake do que aquelas que ele oferece sem hesitação. Para completar, Bridges enriquece sua composição através de detalhes como empurrar o vidro automático de seu carro para ajudá-lo a fechar, o que, embora pareça prosaico, é perfeito ao demonstrar como o músico já se encontra habituado ao mau funcionamento do veículo.

Enquanto isso, Colin Farrell transforma Tommy em um sujeito gentil que, fugindo do clichê do aprendiz ingrato e arrogante, jamais deixa de demonstrar sua gratidão e admiração por Bad Blake – o que torna o ressentimento deste ainda mais revelador. Aliás, com sua performance simples e direta, Farrell se transforma numa das grandes surpresas do filme, ao passo que Maggie Gyllenhaal, como Jean, é limitada por uma personagem que, como o pequeno Buddy, já surge como uma muleta narrativa (e sua indicação ao Oscar acaba funcionando, portanto, mais como um pedido de desculpas por erros passados, já que ela  deveria ter sido lembrada por seus belos desempenhos em Secretária e SherryBaby). Fechando o elenco, o veterano Robert Duvall, um dos produtores do longa, faz uma quase figuração como Wayne, velho amigo de Blake, mas é tão bom voltar a vê-lo em cena que não reclamarei de sua curta participação.

Assim, considerando o trabalho do belo elenco (especialmente de Bridges, como já dito), é lamentável que o diretor Scott Cooper não consiga criar um filme mais ambicioso, considerando que até a fotografia se mostra sem personalidade, já que praticamente todos os ambientes internos (dos quartos de hotel de Blake à sua casa, passando pelos bares nos quais ele se apresenta) parecem ter sido iluminados de maneira similar, falhando em registrar a trajetória emocional do personagem – e mesmo que a residência de Jean surja levemente mais clara, isto não é o bastante para estabelecer uma diferença realmente significativa no que diz respeito ao seu papel diante de Blake. Ainda assim, o erro mais grave da narrativa se encontra na maneira com que o alcoolismo do músico é desenvolvido pelo roteiro: em certo momento, por exemplo, Blake comete um terrível ato de negligência que tem o claro propósito de ilustrar para o espectador a seriedade de sua dependência da bebida. Infelizmente, porém, Cooper parece ter receio de afastar o público e, assim, constrói a cena de maneira dúbia, diminuindo a responsabilidade do sujeito de tal maneira que o que ocorre em seguida parece mais fruto de uma distração momentânea do que do abuso da bebida – e, com isso, o preço que ele paga por seu erro se torna excessivo, quase injusto, quando deveria ser justamente o sinal definitivo de que perdeu o controle sobre seu vício. Para piorar, o terceiro ato (durante o qual Blake enfrenta seus demônios) conta com uma montagem excessivamente leve e episódica, fazendo com que todo o processo pareça fácil demais e, conseqüentemente, artificial e insatisfatório.

Assim, Coração Louco acaba fazendo jus à própria natureza da música country, embalando sentimentalismo barato e lugares-comuns em uma roupagem que pode soar autêntica e melancólica, mas que pouco esforço faz para se diferenciar de tantos outros exemplares do gênero.

Observação: Durante os créditos finais, podemos ouvir Robert Duvall cantando os mesmos versos que recita durante a projeção.

05 de Março de 2010

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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