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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
11/07/2008 01/01/1970 3 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
99 minuto(s)

Agente 117 - Uma Aventura no Cairo
OSS 117: Le Caire nid d´espions

Dirigido por Michel Hazanavicius. Com: Jean Dujardin, Bérénice Bejo, Aure Atika, Philippe Lefebvre, Constantin Alexandrov, Youssef Hamid, Abdellah Moundy, Richard Sammel.

 

Embora pareça surgir como mais uma entre tantas paródias da série 007, Agente 117 - Uma Aventura no Cairo é, ao contrário, uma das possíveis inspirações para o James Bond criado em 1953 por Ian Fleming, já que sua primeira aventura foi publicada pelo escritor francês Jean Bruce quatro anos antes. Confesso, aliás, que nunca li uma única obra de Bruce, mas, considerando-se que este escreveu inacreditáveis 91 livros protagonizados pelo agente Hubert Bonisseur de La Bath (e que, depois de sua morte, a franquia foi assumida por sua esposa e por seu filho, que lançariam outros 167 títulos), duvido que esteja perdendo algo particularmente brilhante. Da mesma maneira, assumo total ignorância com relação à série cinematográfica (dez longas produzidos entre 1957 e 1970) estrelada por 117 e, conseqüentemente, minha reação a esta nova produção surge beneficiada (ou prejudicada, dependendo do ponto de vista) pela total falta de expectativas com relação ao personagem, à trama ou ao humor adotado pelo cineasta Michel Hazanavicius, que também escreveu o roteiro ao lado de Jean-François Halin.

 

Ainda assim, já nos primeiros minutos de projeção é possível perceber que Hubert (ou 117) é tratado com um certo respeito que só o tempo traz – e não é à toa que, em sua aparição inicial, seu rosto é encoberto por sombras que buscam valorizar o momento do retorno oficial do personagem às telas. Esta “reverência”, porém, é logo subvertida quando, depois de surgir imponente, como um herói clássico do cinema, o ator Jean Dujardin abre um sorriso divertidamente canastrão que se tornará a marca registrada de sua performance, anunciando, assim, que seu 117 não se levará a sério como nas versões produzidas no passado. Lembrando fisicamente o Sean Connery da década de 60, Dujardin encarna Hubert como um espião que, embora consciente do próprio poder de sedução e de seu talento para a luta, é um sujeito ignorante e preconceituoso cujas ações impensadas freqüentemente resultam em desastre – e sua estupidez é tamanha que, ao ouvir a alfinetada “Você é tão... francês”, não hesita antes de responder com um orgulhoso “Obrigado!”.

 

Ambientado em 1955, o filme é concebido por Hazanavicius como uma produção da época – e se o prólogo, situado ainda durante a 2ª. Guerra, faz uma homenagem a obras como Casablanca (o aeroporto, à noite, surge mergulhado em névoa), o que vem a seguir mantém a lógica ao adotar uma fotografia que remete claramente ao technicolor, além de brincar com os imensos letreiros que identificam cada cidade visitada pelos personagens e, claro, com o backprojection artificial. Da mesma forma, os ótimos figurinos e a direção de arte se preocupam menos com a recriação fiel do período e mais com a forma com que o Cinema o retratou – e as comparações com 007 Contra o Satânico Dr. No, por exemplo, se tornam inevitáveis.

 

Usando as referências cinematográficas não apenas como âncora narrativa, mas também como objeto de riso, Agente 117 recria até mesmo o estilo de luta tão comum na época (e, claro, mais freqüente na série James Bond), quando o herói interceptava os golpes de seus oponentes com o antebraço (e a mão espalmada) apenas para, depois de uma breve pausa, desferir seu próprio ataque, que geralmente consistia em arremessar o inimigo numa cambalhota para cima de uma mesa ou para fora do aposento – de preferência, pela sacada do apartamento. Porém, o humor de Hazanavicius não se limita à paródia, abrangendo também um besteirol que estaria perfeitamente à vontade nos trabalhos do trio Zucker-Abrahams-Zucker – e, de fato, Agente 117 repete duas piadas específicas criadas pelo ZAZ: aquela em que o herói, inicialmente descabelado, surge recomposto apenas ao passar a mão levemente na cabeça e, claro, outra em que a mocinha tem sua declaração interrompida por um dedo desajeitadamente lançado sobre seus lábios.

 

E se brinca com convenções do gênero (o gesto dramático de um vilão ao puxar uma cortina tem resultados desastrosos), o longa também encontra tempo para gags metalingüísticas – como no inspirado plano em que a câmera desvia seu olhar de um casal que se beija na cama apenas para acabar reencontrando-o “acidentalmente” no reflexo de um espelho, o que a obriga a novamente realizar uma pan rápida em outra direção. Finalmente, há também alfinetadas em clichês do gênero espionagem, como a presença de um indivíduo misterioso que insiste em seguir o herói e que, mesmo depois de receber ordens para abandonar sua missão, persiste nesta; afinal, se parasse de espionar o protagonista, o que lhe restaria fazer?

 

Encarnando Hubert com uma série de tiques faciais que remetem ao 007 de Connery (especialmente seu arquear de sobrancelhas), Jean Dujardin mantém um bom equilíbrio no tom que confere ao personagem, expondo sua tolice sem transformá-lo numa caricatura que comprometeria a narrativa ao impedir o espectador de acreditar que 117 é minimamente competente – e ao menos o sujeito se mostra bom de briga, ainda que nem sempre saiba identificar corretamente aqueles que ataca. No entanto, o mais interessante na composição de Dujardin é perceber que Hubert parece saber que é um herói cinematográfico, já que freqüentemente assume poses artificiais que buscam realçar seu caráter viril, como na ótima cena em que, ao perseguir um bandido, pára brevemente em cada esquina que encontra, olhando dramaticamente para os lados antes de reiniciar a corrida (aliás, a conclusão desta cena é fabulosa).

 

Contando, ainda, com uma inspirada gag recorrente que extrai humor a partir de um subtexto surpreendentemente homoerótico, Agente 117 é um filme divertido que acaba sendo prejudicado apenas por sua duração, já que se revela um pouco mais longo do que o ideal, tornando-se arrastado em vários pontos da projeção. Nada, porém, que nos impeça de desejar uma nova aventura protagonizada pelo primo mais velho (e, agora, desajustado) de James Bond.

 

12 de Julho de 2008

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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