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Críticas por Pablo Villaça

Nova York, Eu Te Amo
New York, I Love You

Dirigido por Fatih Akin, Yvan Attal, Allen Hughes, Shunji Iwai, Wen Jiang, Shekhar Kapur, Joshua Marston, Mira Nair, Natalie Portman, Brett Ratner. Com: Emilie Ohana, Andy Garcia, Hayden Christensen, Bradley Cooper, Rachel Bilson, Natalie Portman, Orlando Bloom, Christina Ricci, Anton Yelchin, Olivia Thirlby, Drea de Matteo, James Caan, Ethan Hawke, Maggie Q, Robin Wright Penn, Chris Cooper, Justin Bartha, Carlos Acosta, John Hurt, Shia LaBeouf, Julie Christie, Eli Wallach, Cloris Leachman, Burt Young, Irrfan Khan, Ugur Yücel, Qi Shu.

Filmes construídos a partir de uma estrutura de antologia costumam ser irregulares por natureza: há sempre uma porcaria para cada boa história narrada – isto nos melhores casos, já que normalmente a proporção favorece a mediocridade. Assim, é uma grata surpresa que Nova York, Eu Te Amo, segundo capítulo da franquia (porque é uma franquia) iniciada com Paris, Te Amo, seja tão coeso.

Contando com uma montagem levemente mais intrincada que a de seu antecessor (o que torna a narrativa mais orgânica), o filme foi concebido a partir das mesmas regras estabelecidas pelo produtor francês Emmanuel Benbihy para o original: cada cineasta teria um ou dois dias para filmar seu segmento, uma semana para montá-lo e deveria, se possível, concentrar-se numa região diferente da cidade – mas, fora isso, os temas eram livres. No entanto, tratando-se de Nova York, é claro que a maior parte dos curtas resultantes acabou girando em torno das características mais conhecidas da metrópole: sua natureza cosmopolita e a solidão que, paradoxalmente, sentimos em meio à multidão.

Não que a hostilidade tão famosa do nova-iorquino tenha sido ignorada; já de início, uma vinheta e o primeiro segmento de Nova York, Eu Te Amo abordam justamente esta questão através da disputa de dois sujeitos pelo mesmo táxi (eles voltarão em histórias diferentes posteriormente) e do confronto de dois homens interessados na jovem interpretada por Rachel Bilson. E é aí, aliás, que a limitação do formato se apresenta pela primeira vez: na história em questão, o ladrão (bem) interpretado por Hayden Christensen protagoniza um curioso duelo com o professor de Andy Garcia em que ambos demonstram uma absurda habilidade para o furto, levando a um quase balé enquanto tentam provar quem é o “macho-alfa” do território. Infelizmente, este bom conceito jamais tem tempo de ser plenamente desenvolvido e, assim, quando o segmento chega ao fim, experimentamos a frustração de termos testemunhado algo mal resolvido. Isto, aliás, ocorre também com a narrativa envolvendo Chris Cooper e Robin Wright Penn, que se envolvem num flerte bobo cujo desfecho revela um jogo desinteressante e clichê.

O filme se torna melhor, por outro lado, sempre que se concentra no contraste entre seus personagens: um dos melhores episódios, por exemplo, é aquele que, dirigido por Mira Nair, traz os sempre ótimos Irrfan Khan e Natalie Portman numa dura negociação que eventualmente reflete as diferenças religiosas de ambos – mas que culmina num belíssimo momento em que, cruzando a fronteira imposta por diferenças de costumes, eles se permitem uma conexão com o ser humano à sua frente, ignorando a quase sempre intransponível barreira criada pelo próprio conceito de Religião. Aliás, se há um tema recorrente em Nova York, Eu Te Amo (e no projeto anterior, ambientado em Paris), este diz respeito à necessidade que temos de estabelecer ligações mais profundas com o próximo – algo que, não por acaso, também serve de base para o curta estrelado por Drea de Matteo e Bradley Cooper como um casal que, depois de uma noite de sexo, tenta se convencer de que tudo não passou de um flerte passageiro (na realidade, uma racionalização para que possam se proteger da eventual – e inevitável – rejeição).

Já o tom inegavelmente romântico serve de tônica a outros bons episódios: vivendo um compositor que, com sua camiseta rasgada e estúdio desarrumado, surge mais como um clichê de artista plástico em processo de criação, Orlando Bloom finalmente mostra um pingo de carisma ao flertar com a voz de uma agente com quem se comunica apenas pelo telefone – embora, mais uma vez, aqui o desfecho abrupto comprometa o resultado. Em contrapartida, o segmento dirigido por Joshua Marston e que traz os veteranos Eli Wallach e Cloris Leachman acaba se estabelecendo como um dos mais sólidos do longa justamente por conseguir criar um pequeno arco narrativo em poucos minutos, contrabalançando o aparente mau humor crônico do velho casal com um momento de doçura não apenas tocante, mas profundamente natural. Infelizmente, este mesmo equilíbrio não é alcançado por Shekhar Kapur em seu curta: se o desenvolvimento da história é beneficiado por um clima quase fantasioso (e profundamente melancólico), a conclusão do episódio busca uma surpresa que soa inorgânica, artificial – o que se torna ainda mais lamentável se considerarmos as belas atuações de Julie Christie, John Hurt e do jovem talento Shia LaBeouf, cujo olhar neste segmento, aliás, revela um oceano de cansaço e decepções.

Mas a melancolia também cede lugar ao bom humor em alguns poucos episódios: aquele dirigido pelo cronicamente subestimado Brett Ratner, por exemplo, oferece algumas gags visuais bastante inspiradas, como no momento em que vemos a bela jovem vivida por Olivia Thirlby mover-se como se estivesse flutuando (o que poderia ser um clichê) apenas para descobrirmos, em um inesperado e divertido choque, a razão para esta fluidez de movimento. Da mesma forma, é inevitável apreciar o plano no salão de dança em que Ratner cria uma coreografia curiosa com o único propósito de revelar o casal principal no meio do grupo. Como se não bastasse, este segmento conta ainda com a presença de James Caan e ganha pontos também com seu desfecho que, embora longe de perfeito, é suficientemente irreverente para amarrar bem a narrativa.

Aliás, é impossível falar de desfecho sem elogiar aquela que é a melhor conclusão entre todos os curtas de Nova York, Eu Te Amo: escrito e dirigido por Yvan Attal, o episódio traz Ethan Hawke como um escritor que, depois de acender o cigarro de uma estranha na rua, dá início a um longo flerte no qual descreve tudo o que fará com a moça vivida por Maggie Q caso esta ceda à sua cantada – e é então que, apenas com duas ou três falas, a garota finaliza a conversação numa tirada genial e inesperada que deixa Hawke – e o espectador – boquiaberto. De forma similar, é importante dizer, o segmento que marca a estréia de Natalie Portman na direção conta com uma conclusão profundamente poética ao trazer o bailarino Carlos Acosta numa apresentação de tirar o fôlego – especialmente por vir como uma resposta ao racismo sutil manifestado contra o sujeito em uma cena anterior, quando, ao passear com a filha caucasiana num parque (Acosta é latino), é elogiado por uma mulher por parecer um ótimo “babá” (e a reação do sujeito prova que Acosta também tem um potencial imenso como ator).

Descrita por um dos personagens do longa como sendo a “capital do onde-tudo-é-possível”, a Nova York vista aqui é, de fato, um lugar romântico, intenso e culturalmente fascinante. Mas, assim como ocorria em Paris, Te Amo, logo fica claro que, a rigor, uma cidade – por mais charmosa que seja – é apenas um palco de concreto para que seus habitantes-personagens possam protagonizar dramas e comédias profunda e comoventemente humanos.

25 de Outubro de 2009

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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