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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
28/03/2007 28/03/2007 4 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
137 minuto(s)

Não Toque no Machado
Ne touchez pas la hache

Dirigido por Jacques Rivette. Com: Jeanne Balibar, Guillaume Depardieu, Michel Piccoli, Mathias Jung, Bulle Ogier, Anne Cantineau.

Estamos em uma pequena igreja localizada em alguma vila espanhola durante o período napoleônico. Nos bancos, assistindo à celebração, vários habitantes locais e alguns homens exibindo a farda francesa – e é num destes indivíduos que logo nos concentramos. Segurando com força uma bengala e mantendo a expressão cerrada, o general Armand de Montriveau parece um sujeito infeliz, amargo. De repente, porém, um coral de freiras dá início a um canto e algo parece chamar a atenção do militar, cujos olhos se enchem instantaneamente de lágrimas. Sua emoção é tamanha, aliás, que ele se levanta e sai mancando da igreja, deixando até mesmo sua bengala para trás.

É desta maneira poderosa e intrigante que começa Não Toque no Machado, novo trabalho do veterano Jacques Rivette e adaptação do romance “A Duquesa de Langeais”, de Honoré de Balzac. Quem é, afinal de contas, este general? O que aquela música (ou seria uma das vozes?) representa para ele? É justamente isto que Rivette começa a revelar a seguir, num longo flashback: herói nacional, Montriveau torna-se figura requisitada na alta sociedade francesa e, com isso, chama a atenção da duquesa Antoinette de Langeais, que decide seduzi-lo. Apesar de seu casamento infeliz, de aparências, ela não tem realmente a intenção de ter um caso com o militar, encarando todo o flerte como uma grande brincadeira – algo que, contudo, não ocorre a Montriveau, que se apaixona por ela.

Durante boa parte da projeção, aliás, é esta ironia que domina a narrativa: como um homem tão experiente em combater inimigos perigosos e desafiar a morte pode, ao mesmo tempo, ser tão imaturo emocionalmente? Manipulado com facilidade pela duquesa, Montriveau, que já tem um temperamento arisco, torna-se ainda mais amargo – e seu cenho franzido estabelece um contraste constante com o ar frívolo de sua amada, estabelecendo uma dinâmica rica que deve muito às ótimas performances de Balibar e Depardieu (filho de Gérard e, como seu personagem nesta adaptação, vítima de amputação da perna direita).

Demonstrando uma quase reverência às origens de seu projeto, Rivette (ao lado de Pascal Bonitzer e Christine Laurent) cria um roteiro que retém a natureza literária da narrativa, o que já fica evidente na introdução, que conta com um longo texto estabelecendo a ambientação da cena inicial. Esta lógica é mantida durante toda a projeção, sendo constantes os intertítulos que trazem informações como “O dia seguinte”, “Uma hora depois” e “Aquela noite”, que poderiam ser perfeitamente dispensados (já que não trazem nada de novo) caso não servissem ao conceito curioso desenvolvido pelo cineasta. Aliás, em certo momento, até mesmo o efeito psicológico de um diálogo é descrito por um texto (“Estas palavras atingem o general como um raio”), algo provavelmente jamais visto numa produção do cinema sonoro.

Enquanto isso, o trabalho de recriação de época é feito de maneira eficiente e econômica, dependendo mais dos objetos de cena como porcelanas e enfeites e da mobília do que de grandes cenários ou efeitos visuais. Da mesma maneira, os figurinos se mostram fundamentais na composição do ambiente – uma tarefa brilhantemente complementada pelo design de som, já que há algo particular no rangido das tábuas do assoalho, no canto das gaivotas e no crepitar da lareira que remetem a um período no qual o silêncio ainda se fazia sentir de maneira mais intensa (e é importante notar, também, que Rivette só emprega a música quando esta é orgânica à narrativa, sendo originada por alguém em cena).

Conduzida basicamente pelos diálogos (o que confere um ar teatral à mise-en-scène), a história gira em torno da dinâmica patológica estabelecida pelo casal, que se entrega a joguinhos sentimentais e psicológicos que certamente encontrarão ressonância em vários espectadores. Tentando estabelecer sua dominância sobre o outro ao mesmo tempo em que se fazem de negligenciados, Armand e Antoinette parecem mais apaixonados pelo drama do que um pelo outro, só percebendo o peso e a gravidade da situação que deixaram surgir quando já é tarde demais para revertê-la.

22 de Outubro de 2007

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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