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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
21/09/2007 01/01/1970 2 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
132 minuto(s)

A Massai Branca
Die Weisse Massai

Dirigido por Hermine Huntgeburth. Com: Nina Hoss, Jacky Ido, Katja Flint, Antonio Prester, Helen Namaso Lenamarken, Nicolas Sironka, Janek Rieke.

É difícil analisar A Massai Branca sem levar em consideração a forma perigosa com que o filme nos obriga a enxergar seus personagens, forçando um julgamento de caráter que se baseia mais em preconceitos do que em uma visão imparcial dos acontecimentos – e a ótima utilização de figurantes locais, que empresta um caráter pseudo-documental ao longa, é mais uma maneira de tentar conferir verossimilhança a uma narrativa maniqueísta.

Quando a história tem início, somos apresentados a um casal de suíços em visita ao Quênia,  Stefen (Rieke) e Carola (Hoss). Certo dia, eles conhecem dois guerreiros massai e Carola imediatamente se encanta com um deles, o altivo Lemalian (Ido). O encantamento é tão intenso, aliás, que ela abandona o namorado e parte em direção à tribo do nativo, com quem acaba se envolvendo. Porém, o atípico relacionamento já surge enfrentando obstáculos, já que a miséria e o machismo reinantes no país colidem com os costumes e o espírito independente da moça – que, desafiando nossa percepção inicial sobre sua fragilidade, revela-se uma figura determinada e valente, que, como tantas outras mulheres semelhantes, parece ter tragicamente escolhido o homem errado.

Se o parágrafo anterior fez com que você imediatamente visualizasse Carola como uma mulher digna e estóica que sofre por um indivíduo que talvez não a mereça, não se espante: é isto que A Massai Branca parece incentivar. O problema – e aí vem a revelação-chave que deve ser levada em conta para que possamos manter uma perspectiva adequada – reside no fato de que o roteiro foi inspirado na autobiografia da suíça Corinne Hofmann, oferecendo, portanto, uma interpretação obviamente suspeita sobre os acontecimentos narrados. Para constatar isto, diga-se de passagem, basta notar que os sentimentos e motivações da protagonista são apresentados claramente por uma narração em off (que depois é abandonada sem qualquer explicação, vale apontar), ao passo que todas as conversas mantidas pelos massai são deixadas sem tradução – o que é utilizado para ilustrar a sensação de isolamento de Carola, o que é compreensível, mas que acaba injustiçando Lemalian ao impedir que possamos conhecê-lo melhor.

Aliás, ao falar sobre o marido em certo momento, a moça reclama: “Às vezes, sinto que não o conheço” - numa suavização hilária de sua situação. Pois o fato é que Carola não sabe nada sobre seu marido ou a cultura massai, como comprova seu choque ao constatar a prática terrível e desumana da clitorectomia nas garotas que atingem os 15 anos de idade. Aliás, o que a levou a se interessar tanto por Lemalian, afinal de contas? A imponência do sujeito? Sua beleza física e a aparência viril? A diferença de culturas? Infelizmente, o filme não se preocupa em esclarecer esta importante questão, deixando a impressão de que a atração de Carola era puramente física – o que demonstra uma superficialidade chocante por parte da moça. E por que uma mulher inteligente e independente como aquela aceitaria ser tratada de maneira tão machista, submetendo-se a caminhar atrás de “seu homem” e a ser tratada quase como um mero receptáculo de sêmen? Ora, se ela não percebeu o que a esperava mesmo depois de um primeiro “encontro íntimo” desastroso, certamente deveria ter se dado conta das brutais diferenças culturais ao ver o namorado bebendo o sangue de uma cabra, mas mais uma vez o roteiro nem tenta explicar os motivos por trás da persistência da moça.

Por que tentar encontrar justificativas racionais para uma paixão fulminante?, poderão questionar alguns. Porque o envolvimento entre Carola e Lemalian forma a base da narrativa – e acreditar na intensidade de um relacionamento tão curioso sem compreender o que o torna tão forte é tarefa impossível. Sim, talvez Carola tenha idealizado o “guerreiro” massai, mas esta visão romântica não sobreviveria à constatação de que, na realidade, aqueles guerreiros nada mais eram do que simples pastores. E se a fantasia da suíça dizia respeito à virilidade de Lemalian, provavelmente a primeira (e rápida) transa do casal demoliria tais ilusões. Infelizmente, nem mesmo a possibilidade de que Carola queira simplesmente abraçar outras culturas sobrevive, já que ela demonstra estar determinada a “domesticar” o parceiro – e há uma cena, em particular, na qual ela parece treinar Lemalian para que ele se transforme em uma máquina de fazê-la gozar (o que mais uma vez aponta para a hipótese de que o relacionamento é fruto de um simples fetiche: ir pra cama com um “selvagem”).

O fato é que o filme tenta obrigar o espectador a investir emocionalmente num relacionamento que não envolve carinho, conversa ou mesmo amizade – e, no processo, somos levados a condenar o massai por estes problemas. Ora, Lemalian pode até se transformar num Jake LaMotta queniano em função de seu ciúme, mas não é um sujeito mau. Se demonstra intolerância ao ver Carola conversando com outros homens, isto é fruto de uma cultura patriarcal por excelência; acreditar que poderia mudar todas as tradições locais é uma demonstração de arrogância tipicamente primeiro-mundista por parte da moça. Não que as atitudes do guerreiro mereçam nossa compreensão incondicional (é irritante, por exemplo, sua mania de afastar-se ao sinal de qualquer contrariedade, obrigando Carola a persegui-lo suplicante), mas tampouco devem ser julgadas sumariamente sob nossa ótica de “homens civilizados”.

O lamentável é que o maniqueísmo encontra-se presente em A Massai Branca do início ao fim. Para tentar convencer o espectador de que Carola toma a decisão acertada ao permanecer no Quênia, por exemplo, a cineasta Hermine Huntgeburth roda todas as cenas ambientadas na Suíça em interiores e com tons frios e pouco convidativos, chegando ao ponto de encenar um jantar com a família da protagonista com o som claro de um relógio ao fundo para salientar a falta de calor humano daquelas pessoas – algo que é contraposto às cores quentes e às locações em externa das seqüências na África. Em contrapartida, a diretora faz um belíssimo trabalho ao criar duas angustiantes cenas de parto sem apelar para clichês ou uma trilha sonora carregada.

Sem jamais conseguir convencer o público de que torcer pelo casal principal é algo que vale a pena (sempre temos a sensação de que ele vai acabar espancando a moça ou de que esta vai abandoná-lo sem cerimônias), A Massai Branca ainda tenta nos fazer aceitar que a atitude terrivelmente egoísta tomada por Carola nos momentos decisivos da narrativa foi a mais acertada – quando, na realidade, apenas demonstra definitivamente sua visão arrogante de européia “civilizada” que nada deve aos africanos “selvagens”.

E o pior: o filme parece esperar que compartilhemos de seu julgamento preconceituoso e aplaudamos o veredicto de que, apenas por serem quem são (leia-se: nativos de uma tribo africana com cultura própria), Lemalian e seus conterrâneos não têm quaisquer direitos e merecem nosso desprezo incondicional. Pois tomarei a liberdade de reservar este sentimento de desprezo para Carola (digo... Corinne) e a cineasta Hermine Huntgeburth, que, apesar de tão “sofisticadas”, demonstram uma intolerância cultural alarmante.

21 de Setembro de 2007

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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