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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
08/02/2008 01/01/1970 4 / 5 4 / 5
Distribuidora
Paramount Pictures
Duração do filme
85 minuto(s)

Direção

Matt Reeves

Elenco

Michael Stahl-David , T.J. Miller , Lizzy Caplan , Jessica Lucas , Mike Vogel , Odette Yustman

Roteiro

Drew Goddard

Produção

J.J. Abrams , J.J. Abrams

Fotografia

Michael Bonvillain

Montagem

Kevin Stitt

Design de Produção

Martin Whist

Figurino

Ellen Mirojnick

Direção de Arte

Doug J. Meerdink

Cloverfield - Monstro
Cloverfield

Dirigido por Matt Reeves. Com: Michael Stahl-David, T.J. Miller, Lizzy Caplan, Jessica Lucas, Mike Vogel, Odette Yustman.

 

Em 1954, o hoje clássico monstro Gojira (no Ocidente, “Godzilla”) surgiu no Cinema japonês não como um simples vilão de filme-catástrofe, mas como uma dolorosa metáfora sobre as conseqüências da bomba atômica atirada pelos Estados Unidos sobre Hiroshima e Nagasaki – e foi somente ao longo de suas mais de duas dúzias de continuações que ele eventualmente se estabeleceu como auto-paródia com uma pata (ou duas) no trash. Assim, é mais do que apropriado que, sete anos após os atentados de 11 de Setembro, seja a vez dos norte-americanos empregarem este subgênero como um entretenimento que, além de empolgante como aventura, traz também o tom amargo de duras recordações.

 

Adotando uma estrutura narrativa que remete ao marcante A Bruxa de Blair, Cloverfield tem início numa manhã de abril, quando o jovem executivo Rob (Stahl-David) mal pode conter sua alegria por finalmente ter passado a noite com sua antiga paixão, a bela Beth (Yustman). Registrando o amanhecer com sua sofisticada câmera digital, ele conversa brevemente com a garota, mas logo um salto na fita indica que um mês se passou e que Rob está de mudança para o Japão (no que não deixa de ser uma piada sutil do roteiro do estreante Drew Goddard). Agora nas mãos de Hud (Miller), melhor amigo de Rob, a câmera registra a festa de despedida do sujeito até que uma explosão ao sul de Manhattan interrompe a comemoração, já que anuncia a chegada de uma criatura gigantesca à cidade.

 

Totalmente filmado com o uso de câmera subjetiva, Cloverfield se une a um grupo seleto de produções que reúne, além do já citado A Bruxa de Blair, obras como A Dama do Lago (dirigido por Robert Montgomery em 1947) e a metade inicial de Prisioneiro do Passado (1948) – além, é claro, de longas similares como o recente Redacted (totalmente construído, ao menos em seu universo narrativo, a partir de imagens capturadas por documentaristas amadores e profissionais) e o magnífico Offscreen, dirigido pelo dinamarquês Christoffer Boe e que considero o melhor filme de 2006. Esta abordagem curiosa a um gênero estabelecido é interessante por prender firmemente o espectador aos personagens: sabemos apenas o que estes sabem e, portanto, experimentamos a confusão e o choque das descobertas ao mesmo tempo que eles. Isto se torna particularmente eficaz quando as primeiras explosões abalam Nova York, permitindo que experimentemos (em grau infinitamente menor, claro) a sensação vivida por aqueles que se encontravam em Manhattan no 11 de Setembro, quando a gravidade da situação só se tornou clara quando já era tarde demais para que algo pudesse ser feito.

 

E a comparação com o 11 de Setembro não é forçada, acreditem: há, em Cloverfield, um claro componente de déjà vu nas seqüências que retratam uma nuvem de cinzas tomando conta da cidade ou o desabamento de arranha-céus antes tidos como marcos perenes no horizonte. Além disso, o simples fato de estarmos testemunhando aqueles acontecimentos através do olhar de uma câmera (e me refiro à “câmera dentro do filme”, diegética, e não a dos cineastas, extra-quadro  – que aqui se confundem) torna a identificação com os atentados de 2001 ainda maior, já que a maior parte do mundo acompanhou a tragédia justamente pela televisão, devidamente filtrada pelas câmeras dos cinegrafistas amadores e profissionais.

 

Porém, a maior virtude de Cloverfield é não permitir que esta aparente limitação narrativa emperre o desenvolver de sua história. Assim, o primeiro ato, pré-ataque, tem a clara função de nos apresentar aos personagens principais e aos seus dramas pessoais – e é uma “sorte” (hum-hum) que Hud seja um cinegrafista tão talentoso a ponto de sempre perceber a dinâmica entre seus amigos e capturá-la com timing perfeito, como ao oscilar seu olhar entre Rob e Beth, durante a festa, ou ao encontrar Jason (Hawkins) no meio de uma multidão na ponte Brooklyn. Da mesma forma, a captura de som do equipamento é magnífica, chegando mesmo a fazer uma mixagem perfeita dos vários elementos instantaneamente, realçando diálogos ou efeitos sonoros de acordo com as necessidades do momento.

 

Mas é claro que isto, apesar de tecnicamente absurdo, é fundamental para que a história seja apresentada de maneira eficaz – e, a bem da verdade, o diretor Matt Reeves (cujo último trabalho no cinema foi o bacaninha O Primeiro Amor de um Homem, estrelado por David Schwimmer e Gwyneth Paltrow em 1996) se esforça para estabelecer a verossimilhança de sua estrutura narrativa ao empregar, ao lado do montador Kevin Stitt, uma edição que se atém apenas a cortes secos, que surgem bruscamente, interrompendo freqüentemente os atores no meio de suas falas (além disso, no início da projeção ele insiste em ressaltar o som do microfone raspando no lençol, abandonando este preciosismo mais tarde, quando já demonstrou devidamente a “existência” da câmera). Porém, o que torna Cloverfield especial ao seu próprio modo é a inteligência com que Reeves (e, claro, o produtor J.J. Abrams) emprega os elementos técnicos próprios da câmera como recursos narrativos: assim, as imagens inicialmente gravadas por Rob e posteriormente cobertas por aquelas feitas por Hud ainda surgem esporadicamente, funcionando como inesperados flashbacks, e a visão noturna da máquina é utilizada de forma brilhante para gerar tensão ao permitir que enxerguemos algo que os heróis se encontram incapacitados de ver. Finalmente, até mesmo o autofoco oscilante surge para realçar o drama da morte de determinado personagem, o que não deixa de ser uma surpresa agradável.

 

Revelando o monstro gradualmente, Cloverfield também demonstra seu respeito às convenções do gênero ao manter o espectador (e os personagens) em constante expectativa com relação ao momento em que a criatura finalmente se apresentará de corpo inteiro – e, mais uma vez, Reeves acerta ao empregar flashes de telejornais para apresentar novos elementos dramáticos, como no instante em que um repórter observa que algo parece estar caindo do corpo do monstro. Neste sentido, a decisão de descartar uma trilha sonora convencional se revela acertadíssima (vide também 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias), já que a única orquestração que ouvimos surge nos créditos finais, quando o ótimo compositor Michael Giacchino finalmente se vê livre para brincar com a grandiosidade sugerida pelo gênero.

 

Enriquecido pelos ótimos efeitos visuais, que se casam perfeitamente à textura mais “grosseira” criada pelo diretor de fotografia Michael Bonvillain, Cloverfield tropeça apenas em suas tentativas de fazer humor, que são boicotadas pelo próprio realismo tão perseguido pelo filme (e se questionei o fato de Alice Braga não conhecer Bob Marley em Eu Sou a Lenda, o espanto de Hud ao descobrir que uma garota já ouviu falar do Superman é absolutamente ridículo, mesmo que a própria moça faça um comentário a respeito).

 

Criando uma boa rima narrativa ao amarrar a projeção com depoimentos feitos diretamente para a câmera (mas em circunstâncias dramaticamente diferentes dos depoimentos capturados no primeiro ato), Cloverfield é uma boa surpresa para aqueles que acreditam que o Cinema pode funcionar não apenas como diversão ou instrumento de reflexão, mas também como termômetro histórico de sua própria época. Mas não se espante caso tudo isso seja tristemente diluído nas inúmeras continuações que certamente vêm por aí.

 

Observação: O subtítulo brasileiro, "Monstro", é ridículo em seu propósito reducionista. O que vem a seguir: Juno - Grávida? Persépolis - Garota Iraniana em Crise com seu País? Ratatouille - Prato Típico da Culinária Francesa? Pfff...

 

07 de Fevereiro de 2008

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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