Seja bem-vindx!
Acessar - Registrar

Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
19/06/2009 01/01/1970 4 / 5 / 5
Distribuidora

Tinha que Ser Você
Last Chance Harvey

Dirigido por Joel Hopkins. Com: Dustin Hoffman, Emma Thompson, EileenAtkins, Kathy Baker, Liane Balaban, James Brolin, Richard Schiff, BronaghGallagher.

Tinha que Ser Você está longe de ser um filme perfeito. Narealidade, este segundo trabalho de Joel Hopkins na direção, realizado seteanos depois de sua estréia na função (em Entrandode Cabeça, de 2001), conta com graves problemas não só em seu roteiro(também de Hopkins), mas também em sua montagem e na tendência do cineasta emse entregar a convenções que apenas enfraquecem seu projeto. Ainda assim, olonga acaba conquistando graças à doçura de sua história e, principalmente, emfunção do carisma e do talento de seus sempre admiráveis protagonistas.

Acompanhandoo surgimento de um romance entre dois indivíduos já amadurecidos e marcadospela vida, o filme poderia perfeitamente ser descrito como uma espécie de “Antes do Amanhecer versão meia-idade”,já que gira em torno de um norte-americano e de uma européia que, conhecendo-sepor acaso, passam várias horas caminhando por uma cidade do Velho Continenteenquanto conversam sobre os mais diversos assuntos. A diferença fundamental éque, se no trabalho de Richard Linklater tínhamos dois jovens cheios deesperança e ainda com uma visão otimista do futuro e do mundo, aqui o casalsurge já repleto de cicatrizes emocionais que provocam um forte retraimento – eantes que possam sequer cogitar a possibilidade de um romance, o deprimidoHarvey Shine (Hoffman) e a solitária Kate Walker (Thompson) devem enfrentar opessimismo com que encaram a vida.

Com umprimeiro ato voltado inteiramente à tarefa de estabelecer a solidão dosprotagonistas, Tinha que Ser Vocêinveste numa montagem paralela que ressalta as similaridades entre ospersonagens: visitando Londres para o casamento de sua única filha (fruto de umcasamento fracassado e obviamente marcado por ressentimentos), Harvey jamais sesente à vontade ao lado da família – e seu distanciamento é retribuído pelanoiva, que o fere profundamente ao informá-lo de que pedirá que o padrasto aleve ao altar. Enquanto isso, Kate se vê constrangida diante do homemclaramente mais jovem que lhe é apresentado por uma colega de trabalho,sentindo-se ainda pior ao perceber como ele parece se interessar por outragarota que encontra no bar em que estão. Eficiente ainda que não muito elegante(as transições são freqüentemente abruptas, pecando pela falta de fluidez eorganicidade), a montagem de Robin Sales preocupa-se principalmente em criar umvínculo narrativo entre Harvey e Kate, o que, apesar de óbvio, revela-sefundamental para o sucesso do filme.

Com foco constantenos diálogos, o longa explora fartamente as locações a fim de imprimir algumritmo à narrativa, que, afinal, se resume basicamente ao encontro de duaspessoas que precisam desesperadamente estabelecer uma conexão com outro serhumano – e a felicidade que ambos sentem apenas por encontrarem, no outro, umreflexo de suas próprias ansiedades é algo palpável e fruto especialmente dassensíveis performances de Hoffman e Thompson. A direção de Hopkins, aliás, éhábil ao explorar o talento de seus intérpretes, oferecendo a eles momentosconstruídos especificamente para que se destaquem dramaticamente: Hoffman, porexemplo, se mostra profundamente tocante ao expressar o forte complexo deinferioridade de Harvey, que se julga não apenas um músico fracassado, mas umhomem inadequado à própria família. Sentindo-se pouco confortável na própriapele, o sujeito parece quase aliviado ao finalmente constatar seu colapsoprofissional, como se estivesse exausto de tentar provar um valor que sabe nãoter – e Hoffman se mostra especialmente brilhante na cena em que Harvey faz umconstrangido discurso que, depois de um início trôpego e embaraçoso,gradualmente se revela uma confissão/pedido de desculpas/desabafo impactante ecatártico. Da mesma maneira, Emma Thompson comprova sua inteligência como atrizao encarnar Kate como uma mulher que raramente expressa seus desapontamentos,como se estes fossem a regra em sua existência – e quando ela tenta justificaro próprio comportamento, seu escudo emocional finalmente parece rachar dianteda racionalização, expondo toda sua fragilidade em uma cena que amarramaravilhosamente bem o arco dramático da personagem.

Assim, é nomínimo decepcionante que o filme freqüentemente sinta a necessidade de seafastar destes dois magníficos intérpretes para se concentrar numa subtramaestúpida e dispensável envolvendo a mãe de Kate e um vizinho que insiste emfazer churrasco praticamente todo dia – e chega a ser constrangedor percebercomo até mesmo a boa trilha de Dickon Hinchliffe naufraga ao tentar criar temasengraçadinhos que confiram um tom cômico a estas cenas. Além disso, a decisãode Hopkins de investir numa montagem patética que traz Kate experimentandovários vestidos é simplesmente inexplicável, já que, além de um clichêpavoroso, esta seqüência surge num momento em que os personagens estãosupostamente apressados – e vê-los brincando enquanto Thompson surge usandoroupas absurdas chega a ser doloroso. Como se não bastasse, os “desencontros”(ou “quase encontros”) de Harvey e Kate durante o primeiro ato se mostramigualmente descartáveis ao investirem numa mensagem boba e infantil sobre “destino”que em nada contribui para a narrativa.

Para sortedo diretor (e do espectador), porém, Tinhaque Ser Você é suficientemente charmoso para dispensar até mesmo aapresentação de um conflito dramático mais forte, já que, graças a Hoffman eThompson, a percepção excessivamente crítica que os personagens têm de si mesmosé o bastante para que torçamos para que Harvey e Kate descubram, um no outro, acompreensão e o apoio emocional que ambos claramente merecem.

20 de Junho de 2009

Comente esta crítica em nosso fórum etroque idéias com outros leitores! Clique aqui!

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

Para dar uma nota para este filme, você precisa estar logado!