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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
02/02/2007 01/01/1970 5 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
128 minuto(s)

Dias de Glória
Indigènes

Dirigido por Rachid Bouchareb. Com: Jamel Debbouze, Sami Bouajila, Roschdy Zem, Samy Naceri, Bernard Blancan, Mathieu Simonet, Benoît Giros, Aurélie Eltvedt.

Eu não me espantaria caso Days of Glory, título conferido a Indigènes (“Nativos”) pelo distribuidor norte-americano (e traduzido literalmente no Brasil), tenha sido rebatizado desta maneira como uma referência a Glory (Tempo de Glória), do cineasta Edward Zwick – afinal, ambos os longas lidam com temas similares: soldados discriminados exatamente por aqueles por quem lutam. Enquanto o filme de Zwick girava em torno de um batalhão formado por combatentes negros que enfrentou o Sul racista na Guerra Civil Americana, o trabalho comandado pelo diretor Rachid Bouchareb se concentra nos norte-africanos que, como cidadãos de colônias francesas, lutaram sob a bandeira da França na Segunda Guerra Mundial, sendo constantemente humilhados por seus próprios colegas de farda.

Escrito por Bouchareb ao lado de Olivier Lorelle, Dias de Glória traz, como compasso moral, o inteligente Abdelkader (Bouajila), um valoroso soldado determinado a vencer os preconceitos de seus superiores. Entrando em rixas constantes com o sargento Roger Martinez (Blancan), ele acaba sendo considerado um líder entre seus próprios companheiros, entre os quais se incluem Messaoud (Zem), que se apaixona por uma mulher francesa durante uma rara licença; Yassir (Naceri), cujo principal objetivo é ganhar dinheiro com os despojos de guerra; e Saïd (Debbouze), que, carente e limitado intelectualmente, também estabelece uma ligação de dependência com o sargento Martinez.

Embora adote uma estrutura episódica que nem sempre se revela uma escolha totalmente acertada, Dias de Glória é extremamente bem-sucedido em seu propósito de desenvolver com cuidado seus personagens, estabelecendo complexas relações entre estes indivíduos tão diferentes uns dos outros. Tomemos, como exemplo, Martinez: tentando ocultar suas verdadeiras raízes, o sargento demonstra um intenso preconceito contra aqueles que, afinal de contas, são seus irmãos de Terra e Fé. Ainda assim, dono de um contraditório senso de justiça, ele freqüentemente valoriza os esforços daquele que é seu principal opositor no dia-a-dia do batalhão, Abdelkader – que, por sua vez, ocasionalmente exibe uma arrogância diante dos companheiros que se mostra incompatível com seu suposto interesse em defendê-los.

Tratados basicamente como iscas utilizadas para revelar os esconderijos das tropas alemãs, os soldados norte-africanos (e muçulmanos, o que os transforma em alvo de duplo preconceito) parecem ter sido aceitos no exército francês não como uma força adicional extremamente necessária, mas como alvos fáceis que devem se mostrar sempre dispostos a morrer. Assim, é impossível não sentir uma intensa revolta quando constatamos, através de eficientes planos gerais, que os oficiais franceses se mantêm a uma distância cuidadosa do campo de batalha enquanto observam seus desprezados subalternos caminhando para um massacre previsível.

Eficiente nas seqüências que enfocam os confrontos armados, Bouchareb jamais perde de vista os sacrifícios exigidos pela guerra, chegando a se deter em um plano que retrata, através de dezenas de cruzes e covas espalhadas pelo ambiente, o número colossal de baixas sofridas durante o conflito. Outra decisão interessante reside na forma com que o cineasta ilustra o deslocamento do exército francês: através de planos aéreos estáticos que surgem em preto-e-branco e se tornam gradualmente coloridos como se uma nuvem cruzasse a locação, Bouchareb estabelece não apenas a mudança de paisagem como também cria uma metáfora visual sutil, como se avisasse que a sombra da guerra e da violência está prestes a cair sobre aqueles locais. Impressionante, também, é constatar a maneira impecável com que ele conduz a seqüência de ação final, construindo a tensão gradativamente até alcançar um clímax trágico e impactante. E o melhor: o diretor também não se furta em adicionar pitadas ocasionais de humor à narrativa, como na cena em que os soldados, ansiosos para assistirem à apresentação de uma dançarina, se surpreendem com um espetáculo obviamente decepcionante naquelas circunstâncias.

Funcionando principalmente como denúncia e protesto contra a forma degradante com que os combatentes veteranos nascidos nas colônias francesas foram tratados pelo governo do país depois da Guerra (até mesmo suas pensões foram canceladas depois que as colônias se tornaram independentes), Dias de Glória inclui um epílogo que, embora seja claramente inspirado naquele de O Resgate do Soldado Ryan, torna-se mais amargo por seu contexto; afinal, enquanto o idoso Ryan se angustiava por se sentir responsável pelas várias mortes que lhe permitiram envelhecer, o veterano soldado desta nova produção se curva sob o peso de reconhecer que, depois de tantos sacrifícios, sua vida parece não valer absolutamente nada para aqueles que se esforçou tanto para defender.

Não tenho ilusões de que o Cinema, de modo geral, tenha forças para mudar  o mundo. Vez por outra, porém, surge um trabalho que desafia as probabilidades e deixa sua pequena marca na História – e este parece ser o caso de Dias de Glória, já que, depois de assistir ao filme, o presidente francês Jacques Chirac mobilizou seu governo para restaurar as pensões dos veteranos soldados norte-africanos. E só por esta razão este filme já mereceria aplausos e mais aplausos.

03 de Fevereiro de 2007

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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