Seja bem-vindx!
Acessar - Registrar

Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
20/10/2005 20/10/2005 4 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
100 minuto(s)

Direção

Johnnie To

Elenco

Simon Yam , Tony Ka Fai Leung , Louis Koo , Nick Cheung , Tian-lin Wang , Ka Tung Lam , Suet Lam

Roteiro

Nai-Hoi Yau , Tin-Shing Yip

Produção

Johnnie To

Fotografia

Siu-Keung Cheng

Música

Ta-Yu Lo

Montagem

Patrick Tam

Figurino

Stanley Cheung

Direção de Arte

Tony Yu

Eleição - Submundo do Poder
Hak se wui / Election

Dirigido por Johnny To. Com: Simon Yam, Tony Leung Ka Fai, Louis Koo, Nick Cheung, Eddie Cheung, Tian-lin Wang, Ka Tung Lam, Suet Lam.

 

A cada dois anos, a organização criminosa (ou “tríade”) Wo Shing, baseada em Hong Kong, organiza uma eleição para determinar quem será o líder do grupo durante os próximos 24 meses, num processo que envolve os votos de seus integrantes mais velhos e respeitados. Às vésperas de mais um destes sufrágios, dois candidatos diametralmente opostos disputam o poder: Big D (Ka Fai) e Lok (Yam) – e quando este último é anunciado como vencedor, seu oponente, irritado com a derrota, dá início a uma tentativa de golpe que envolve, entre outras coisas, o roubo do tradicional bastão que deve ser formalmente entregue ao novo líder antes que este tome posse. A partir daí, uma corrida desesperada em busca do objeto tem início entre os dois lados, o que acaba atraindo também a atenção da polícia.

           

Dirigido pelo experiente cineasta chinês Johnny To a partir de roteiro escrito por Yip Tin-Shing e Yau Nai-Hoi, Eleição – Submundo do Poder é um filme de gângsteres que substitui os tiroteios por estratégias políticas: ao contrário do que pregam os clichês do gênero, os mafiosos desta produção (com exceção de Big D) tentam ao máximo evitar a violência desnecessária, pois reconhecem que esta é, antes de qualquer coisa, prejudicial aos negócios. E, embora possa soar contraditório que criminosos evitem a força bruta, Eleição é um longa construído justamente a partir de contradições e contraposições, a começar pelas personalidades tão diferentes dos rivais Big D e Lok: enquanto o primeiro surge como um bandido “moderno”, violento e adepto do suborno, o segundo é apresentado como um homem mais tradicional e sereno que, além de “homem de família”, parece optar pela conversa e pela ponderação, deixando a força bruta em segundo plano.

           

Este choque entre o tradicional e o moderno, diga-se de passagem, revela-se um subtema recorrente ao longo da trama – e, já de início, a formalidade dos procedimentos entre os “tios” (membros mais velhos da organização) é apresentada de maneira flagrante: reunidos em uma sala velha e decorada com fotografias antigas, os veteranos da quadrilha escutam músicas do passado e discutem seus votos enquanto tomam chá cerimoniosamente. O que discutem, no entanto, denota uma preocupação clara com o futuro, já que procuram selecionar o líder mais apto a conduzir a gangue com visão quase “empresarial”. É aí, porém, que mais uma vez ocorre o choque de eras, já que, para ser efetivado no cargo, o eleito deve receber o tradicional bastão – e o simples fato do desaparecimento do objeto representar um problema tão gigantesco denuncia a preocupação de todos com o simbolismo do passado e com a manutenção dos antigos costumes.

           

A cerimônia de posse do novo líder, aliás, segue este mesmo estranho padrão, já que, vestidos com roupas modernas, os principais integrantes do grupo recitam homenagens aos guerreiros que, séculos antes, se mantiveram fiéis à dinastia Ming depois de sua queda – e o mesmo paradoxo é representado também pelo jovem Jimmy (Koo), que, apesar de freqüentar a faculdade para estudar novos modos de administração (o que provavelmente o transformará em forte candidato ao cargo de líder da quadrilha no futuro), mostra-se surpreendentemente adepto do conceito de “honra” ao insistir em vingar-se daquele que humilhou seu “mestre” – mesmo que esta vingança possa custar uma fortuna à organização.

           

Outro detalhe interessante de Eleição reside nas alianças extremamente fluidas entre os personagens: em um momento, um sujeito pode estar sendo espancado por aquele que, segundos depois, lhe estenderá a mão com um pedido constrangido de desculpas. E é apenas natural que esta conveniente promiscuidade nas relações se estenda também à forma com que a polícia lida com as gangues: reunindo mais de 350 mil membros, as mais de 50 “tríades” de Hong Kong não podem simplesmente ser “destruídas” (mesmo que isto fosse possível – e não é) pelas autoridades, já que tal façanha resultaria no caos provocado por centenas de milhares de criminosos agindo sem um comando central. Assim, quando o chefe de polícia local prende Big D, Lok e o influente tio Teng (Wang), sua preocupação não é necessariamente a de tirar bandidos da rua, mas sim a de criar uma oportunidade para que os rivais sejam obrigados a conversar e, talvez, chegar a um acordo.

           

Finalmente, Eleição – Submundo do Poder reserva sua maior contradição para a figura de Lok, que, apesar de inicialmente surgir como homem sensato e avesso à violência desnecessária, logo se revela um sujeito impiedoso e apaixonado pelo poder, o qual deseja tanto quanto seu aparentemente mais ambicioso rival. Não é à toa que o cineasta reservou este personagem para Simon Yam, seu colaborador tradicional: intérprete habilidoso, o ator só permite que o espectador enxergue o demônio interior de Lok aos poucos, transformando o homem em uma fonte de constantes surpresas – e decepções.

           

Embora desta vez não priorize a violência gráfica, To não hesita em utilizá-la quando julga finalmente ter chegado o momento; e, em Eleição, este vem como conclusão de um arco dramático que revela, para o público, o inesperado grau de vileza daquele que até então concentrara nossas expectativas de redenção. É uma pena, portanto, que o filme acabe perdendo tanto tempo em acompanhar a trajetória do tal bastão (que deveria ser apenas um McGuffin) em vez de se dedicar com mais cuidado às estratégias e alianças de seus personagens. Contudo, como o diretor já finalizou seu Eleição 2, resta a esperança de que isto venha a ocorrer na continuação.

 

22 de Setembro de 2006

 

Comente esta crítica em nosso fórum e troque idéias com outros leitores! Clique aqui!

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

Para dar uma nota para este filme, você precisa estar logado!