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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
22/02/2008 01/01/1970 4 / 5 4 / 5
Distribuidora
Duração do filme
92 minuto(s)

Juno
Juno

Dirigido por Jason Reitman. Com: Ellen Page, Jennifer Garner, Michael Cera, Jason Bateman, J.K. Simmons, Allison Janney, Olivia Thirlby, Rainn Wilson.

 

Seria fantástico se as pessoas conversassem, em seu dia-a-dia, como os personagens de Juno, construindo diálogos que combinam uma estrutura elegante com um conteúdo rico em referências e um humor cortante e preciso. Oscilando entre a irreverência intelectualizada de obras como Harry e Sally – Feitos um para o Outro e a filosofia pop barata de Kevin Smith (que posteriormente revelaria sua natureza de mágico-de-um-truque-só), o roteiro deste longa merece créditos, portanto, pela maneira com que seus personagens se comunicam, o que o torna suficientemente charmoso para que seus defeitos possam passar despercebidos.

 

Escrito pela ex-stripper Diablo Cody, que aqui estréia como roteirista, o filme acompanha a trajetória da adolescente Juno MacGuff (Page), que, certo dia, descobre ter engravidado depois de uma única noite de sexo com seu melhor amigo, o tímido Paulie Bleeker (Cera, de Superbad). Depois de considerar brevemente a possibilidade de um aborto, a garota acaba optando por entregar o bebê a um casal que não consegue ter filhos, Mark e Vanessa Loring (Bateman e Garner), sendo apoiada na decisão por seu pai, Mac (Simmons), e sua madrasta, Bren (Janney).

 

Demonstrando uma clara e presunçosa satisfação com a suposta sofisticação de seus diálogos, o roteiro de Cody falha, em certo ponto, por permitir que constatemos que seus personagens sabem que conversam de maneira diferenciada. Ao contrário do Harry vivido por Billy Crystal no já citado Harry e Sally ou dos balconistas criados por Kevin Smith em seu filme de estréia, as criaturas que povoam Juno parecem ter consciência de que estão em um filme e sendo observadas pelo público, soltando piadinhas não porque querem comunicar algo, mas sim porque desejam provocar o riso do espectador. Além disso, como todos falam de maneira similar (com exceção da personagem de Garner, sobre a qual comentarei mais adiante), os discursos homogêneos falham por não estabelecerem as particularidades de cada indivíduo, o que é decepcionante. Aliás, creio que o sobrenome da família de Juno funciona como um verdadeiro ato falho da roteirista, remetendo ao mcguffin de Hitchcock e escancarando que aquelas pessoas não importam de fato, funcionando como mera desculpa para que Cody possa exibir seu talento e seu senso de humor irreverente.

 

Outro tropeço clássico de estreante cometido por Cody é confundir sua própria personalidade e sua experiência de vida com a de sua protagonista: Juno freqüentemente faz referências a elementos que não são de sua época (Diana Ross, Thundercats), mas sim contemporâneos da roteirista, o que a impede de se transformar numa pessoa real e a mantém apenas como a personagem de um filme. Aliás, este é o verdadeiro grande problema de Juno: quase ninguém ali se comporta como uma figura tridimensional, mas como simples bonecos programados para repetirem as falas afiadas de Cody – e isto prejudica o filme especialmente em seu primeiro ato, quando a calma e a ironia de Juno diante de sua gravidez soam implausíveis demais, sendo rivalizadas apenas pela reação absurda de seu pai diante da notícia, quando imediatamente faz uma piadinha em vez de se mostrar minimamente preocupado com o que aquilo significa para a vida de sua filha adolescente.

 

Felizmente para o filme e para o espectador, Juno conta com um trunfo na figura da pequena e adorável Ellen Page, que eu já havia elogiado fartamente ao escrever sobre MeninaMá.com, em 2006: entregando os diálogos auto-congratulatórios de Diablo Cody da maneira mais natural possível, ela encarna a natureza excessivamente crítica da personagem-título (algo comum à maioria dos adolescentes), mas nos convence de aquela garota em particular consegue manifestar este seu descaso pelos adultos de forma incrivelmente articulada. Porém, o fator mais importante na composição de Page reside nos indícios sutis de imaturidade da personagem: Juno pode se julgar sofisticada e precoce, mas está longe de ser tão madura quanto gosta de acreditar – e, assim, o roteiro acerta ao mostrar que boa parte das previsões feitas pela madrasta da garota vem a se confirmar, já que a menina não apenas sofre como também magoa outras pessoas em função de sua incapacidade de perceber a complexidade das situações nas quais se envolve. (E quando ela escreve um bilhete em seu carro, confesso que temi se tratar de mais uma tirada sarcástica, sendo agradavelmente surpreendido ao constatar se tratar de algo que uma criança escreveria.)

 

Em contrapartida, para quem se julga tão criativa, Cody se entrega freqüentemente a recursos terrivelmente formulaicos ou simplesmente mal desenvolvidos, como a paixão de Juno por Paulie ou – ainda pior – a crise vivida pelo casal Loring, que parece ter sido introduzida no roteiro depois que a autora percebeu a ausência de qualquer conflito em sua história. Porém, mais uma vez um desastre é evitado graças ao elenco, já que Jason Bateman e Jennifer Garner (especialmente esta última) criam os únicos personagens tridimensionais da narrativa. Surgindo inicialmente tensa e metódica, Vanessa é uma adulta responsável (a única em todo o filme) que não usa falas repletas de sarcasmo como escudo contra o mundo: ela sofre, faz auto-questionamentos e compreende plenamente as dificuldades da situação na qual mergulha – e Garner se mostra tocante ao criar coragem para pedir para tocar na barriga de Juno ou ao demonstrar uma tristeza quase imperceptível quando a menina faz um comentário cruel (sem perceber) sobre sua “sorte” por não estar grávida. Além disso, é aqui que Diablo Cody realmente acerta como roteirista ao criar um arco dramático sutil que talvez nem seja percebido por boa parte dos espectadores: inicialmente obcecada com a disciplina e a organização, Vanessa só parece realmente feliz quando finalmente a vemos em meio a uma bagunça gigantesca que denuncia sua nova condição como mulher (e ser humano).

 

Enquanto isso, Bateman também surpreende com a riqueza de sua performance: observem, por exemplo, o momento em que Juno pergunta se ele está entusiasmado com a idéia de ser pai e Mark responde positivamente sem conseguir ocultar uma clara insegurança em seu olhar. Da mesma maneira, sua fragilidade emocional e sua imaturidade o contrapõem de maneira inteligente à esposa – e sua paixonite por Juno funciona dramaticamente justamente por expor sua incapacidade de perceber que esta é praticamente uma criança, já que ele se deixa confundir pelos interesses que dividem. Por outro lado, o filme peca por não ilustrar com clareza o peso que sua relação com Vanessa representa, o que é uma pena.

 

Enriquecido por uma trilha tremendamente doce e evocativa que investe em canções que exibem uma infantilidade reveladora em suas letras e melodias (especialmente aquelas interpretadas pelo Moldy Peaches), Juno finalmente supera seu primeiro ato artificial e incômodo, tornando-se gradualmente mais natural em seu desenvolvimento, quando finalmente nos acostumamos à artificialidade de seus diálogos. E se a direção de Jason Reitman não compromete, tampouco se revela inspirada (a câmera lenta no momento do parto é embaraçosa) – e sua indicação ao Oscar é um dos poucos absurdos realmente ofensivos da cerimônia de 2008.

 

Divertido e relativamente tocante (graças, principalmente, a Page e Garner), Juno é um filme que jamais alcança a força dramática de Pequena Miss Sunshine, com o qual vem sendo insistente e equivocadamente comparado, mas que consegue encantar ao seu próprio modo. Isto não justifica sua inclusão entre os supostos cinco melhores filmes do ano, mas o fato de ter inspirado reações exageradas por parte da Academia também não deve ser usado contra este longa que, se encarado de maneira objetiva, tem mais acertos do que erros.

 

22 de Fevereiro de 2008

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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