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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
12/08/2011 01/01/1970 5 / 5 5 / 5
Distribuidora
Imagem Filmes
Duração do filme
139 minuto(s)

A Árvore da Vida
The Tree of Life

Dirigidopor Terrence Malick. Com: Brad Pitt, Sean Penn, Jessica Chastain, HunterMcCracken, Laramie Eppler, Tye Sheridan, Fiona Shaw.

Eu me lembro do rosto de meu pai, mas não de sua voz. Se fecho os olhos, consigo enxergar perfeitamente sua expressão de reprovação, em certa ocasião aos meus cinco anos de idade, e outra de profundo afeto, mais ou menos na mesma época, mas não sou capaz de recordar o que ele disse – ou mesmo se disse algo – em cada um daqueles momentos. O que sei, acima de qualquer dúvida, é que A Árvore da Vida, obra-prima máxima do cineasta Terrence Malick, me conduziu com gentileza e doçura a estas reminiscências através de sua própria reflexão filosófica sobre a natureza humana e nossa trajetória neste planeta. Neste sentido, o filme não deixa de representar uma experiência profundamente religiosa para ateus, humanistas e, principalmente, cinéfilos.


Escrito e dirigido por Malick, o longa é construído sem qualquer cronologia óbvia ou mesmo uma trama específica, conduzindo sua narrativa através de recortes e fragmentos de memórias, sentimentos, impressões e pensamentos de seus personagens – especialmente de Jack O’Brien (Penn quando adulto; McCracken na adolescência), filho mais velho do Sr. O’Brien (Pitt) e sua esposa (Chastain). Criado numa cidadezinha do Texas durante a década de 50 (como o próprio cineasta, diga-se de passagem), Jack experimenta as descobertas da juventude, sente-se reprimido pela rigidez do pai, encanta-se com a espontaneidade da mãe e passa os dias investigando os arredores ao lado dos irmãos R.L. (Eppler) e Steve (Sheridan), formando uma aliança especialmente forte com o primeiro – cuja morte, aos 19 anos, dá início de certa forma ao filme.

Com um tom contemplativo, calmo, que encontra beleza no verde da grama molhada, na cara inexpressiva de uma vaca e na brisa que provoca arrepios na versão infantil da sra. O’Brien, A Árvore da Vida logo estabelece uma de suas preocupações temáticas ao discutir a diferença entre “Graça” e “Natureza”, salientando o altruísmo humanista da primeira em contraponto à indiferença impiedosa da segunda. Ao mesmo tempo, é curioso como Malick se detém frequentemente em longos planos que expõem a grandeza de rochedos, a força do mar ou a imponência de uma imensa árvore enquanto ouvimos o protagonista lamentando a distância surgida entre ele e um “Você” que pode representar a Mãe, a própria essência da Natureza ou mesmo o “Deus” constantemente cobrado/invocado pelos personagens diante de suas dúvidas e obstáculos pessoais (um conceito que discutirei mais adiante) – um contraste, diga-se de passagem, manifestado nas diferenças com que o sr. e a sra. O’Brien lidam com os filhos e com a vida.

Vivida por Jessica Chastain (uma revelação) como uma criatura quase etérea cuja placidez constante ganha contornos quase angelicais graças à sua pele abundantemente iluminada pela fotografia de Emmanuel Lubezki, a sra. O’Brien parece comungar intensamente com a Natureza, surgindo frequentemente descalça sobre a grama, estendendo as mãos para abraçar o vento ou brincando alegremente com a água – e sua harmonia com o mundo ao seu redor se manifesta no carinho com que trata as crianças. Enquanto isso, Brad Pitt confere ao seu personagem uma dureza cuidadosamente calculada através de seu corte de cabelo militar, de seu prognatismo e dos modos severos. Ainda assim, mesmo que Jack pareça ressentir a disciplina imposta pelo pai, Pitt jamais permite que este se torne uma caricatura, suavizando-o pontualmente através de gestos de carinho deslocados e da convicção de que suas várias regras têm, como objetivo, fortalecer os filhos – e é sintomático que, em certo ponto da narrativa, ele incentive o garoto a jamais abandonar os sonhos, repetindo seu próprio erro de trocar a música pelo exército. No entanto, embora ambos claramente amem as crianças, o fato é que o sr. O’Brien se preocupa em condicioná-las através da disciplina, ao passo que a esposa busca essencialmente ensiná-las a amar.

Mas são mesmo os olhos de Jack que conduzem A Árvore da Vida – e não é à toa que, durante a maior parte da projeção, Malick e Lubezki mantêm a câmera sempre baixa, forçando uma perspectiva infantil ao espectador enquanto o garoto observa o mundo, descobre a própria sexualidade, experimenta a culpa e se entrega ao ciúme por ver a sensibilidade do irmão mais jovem aproximando-o do pai que (vejam só) ele tanto ressente. Aliás, a relação entre Jack e R.L. e a dinâmica da família O’Brien são retratadas de forma sensível e complexa pelo filme, que, através de instantâneos daquelas vidas, nos aproxima dos personagens de uma forma muito mais eficaz do que a maior parte das narrativas estruturadas de forma cronológica, tradicional.

Contudo, o brilhantismo da produção reside não só na maneira empregada para retratar aquela família, mas também na contextualização de suas relações dentro de um panorama infinitamente maior: o do surgimento do próprio planeta. Concebida com a ajuda dos efeitos visuais supervisionados pelo veterano Douglas Trumbull (sim, de 2001), a sequência que retrata a origem da vida é fundamental ao estabelecer os O’Brien (e toda a Humanidade) como um ponto minúsculo, insignificante e solitário em meio ao universo, o que, por si só, já confere uma resposta imediata à indagação de um dos personagens dirigida a “Deus”,  “Quem somos nós para você?” – uma questão recebida com a mesma indiferença com que a Natureza atenderia ao questionamento de uma mosca ou de um pedregulho. Ora, como esperar que o “Universo” ou “Deus” (representado no filme por uma chama que de certa forma representa a “essência da vida”) se importe de fato com a morte de uma criança em meio a bilhões de anos de evolução e História, mesmo que, para seus pais, esta tragédia não encontre rival? “Ele está nas mãos de Deus agora”, tenta consolar a avó de R.L., ouvindo em retorno uma pergunta implacável: “Ele não esteve sempre nas mãos de Deus?”.

Neste aspecto, a visão divina apresentada por Terrence Malick é de um inquestionável secularismo – e, assim, é perfeitamente natural que a sequência que ilustra o início da vida na Terra seja acompanhada por uma trilha repleta de corais que remetem ao sacro, como se o ótimo compositor Alexandre Desplat estivesse perguntando se aquilo já não seria belo o suficiente para que ainda exigíssemos uma suposta intervenção sobrenatural. Porque se há algo inegável em A Árvore da Vida é a opressiva ausência de Deus: constantemente questionado e clamado pelos personagens, o “criador” surge apenas em representações religiosas como vitrais que sobem em espiral (o que não deixa de remeter ao DNA à sua própria maneira) ou uma igreja vista ao longe – e equilibrada no quadro por uma árvore em primeiro plano, mais uma vez remetendo ao “natural”. Aliás, a religião em si e sua visão paternalista/autoritária de “Deus” é simbolizada pelo próprio sr. O’Brien, um sujeito que impõe regras, dogmas, manifesta preconceitos, ameaça punições e, no fim, ainda exige devoção e manifestações de amor incondicional dos filhos. (E reparem como Malick contrapõe esta postura com a da própria Natureza, que, mesmo impiedosa, mostra-se infinitamente mais generosa na figura de um dinossauro que, ainda que irracional e primitivo, exibe uma surpreendente compaixão diante de um semelhante ferido.)

Plasticamente soberbo, já que o diretor de fotografia Emmanuel Lubezki parece pintar com as estrelas e com a própria Natureza, A Árvore da Vida é um filme que provoca reações mesmo que seus símbolos possam não encontrar abrigo na mente do espectador, já que a experiência puramente sensorial despertada pelas imagens é o bastante para nos mover, desde a sensualidade do corpo feminino marcado por um leve vestido de cetim até o sépia nostálgico que se contrapõe ao cinza metálico do mundo futurista vivido pela versão adulta de Jack - e Lubezki merece créditos também por não tentar diferenciar, através da fotografia, os incidentes “reais” das cenas que trazem representações simbólicas de memórias ou sentimentos, já que, para todos os efeitos, todas são igualmente relevantes.

Pois a verdade é que nossas lembranças não residem de fato no passado, já que continuamente nos moldam, nos fazem sentir dor e ditam nossas reações no presente. É isto, aliás, que Malick demonstra compreender tão bem neste seu poema humanista: cada momento que vivemos é precioso, desde os inúmeros beijos que damos em nossos filhos na hora de dormir até as incontáveis vezes em que seguramos suas mãos antes de atravessar a rua. Cada folha flutuante, cada brincadeira, cada sorriso, por mais fugazes que sejam estes instantes, ajudam a construir nossas histórias e nossas relações uns com os outros – e, por retratar isto, A Árvore da Vida é, acima de tudo, uma celebração fabulosa da vida e da espécie humana, que, mesmo sabendo que caminha rumo ao fim, segue disposta a encontrar sorriso no toque e no amor do próximo.

E é por esta razão que, ao se reconciliar com seu passado, Jack finalmente se permite um levíssimo sorriso pela primeira vez em sua versão adulta. Sim, o mundo pode ter se formado ao longo de 4,5 bilhões de anos e podemos ser ínfimos nesta escala, mas ainda assim somos otimistas e mágicos o suficiente (ou arrogantes, por que não?) para acreditar que este palco maravilhoso foi construído, no fim das contas, para abrigar uma espécie que, mesmo figurante numa dimensão universal, é única o bastante para se julgar protagonista desta longa e magnífica História.

09 de Agosto de 2011

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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