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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
22/09/2006 30/06/2006 3 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
109 minuto(s)

O Diabo Veste Prada
The Devil Wears Prada

Dirigido por David Frankel. Com: Meryl Streep, Anne Hathaway, Emily Blunt, Stanley Tucci, Simon Baker, Adrian Grenier, Tracie Thoms, Rich Sommer, Daniel Sunjata, Stephanie Szostak, Gisele Bündchen.

Entre as atividades profissionais que representam, para mim, verdadeiros mistérios, a indústria da moda, assim como a física quântica, abriga as maiores dúvidas: por que, afinal de contas, tantas pessoas demonstram interesse gigantesco em assistir a desfiles protagonizados por moças anoréxicas vestindo roupas absurdas que, se usadas na rua, provocariam risos? Qual a relevância da chamada “alta costura”? Infelizmente, assim como o “pseudomentário” Quem Somos Nós? desperdiçou a oportunidade de tornar a física quântica mais acessível ao público leigo, preferindo se entregar a desvarios de charlatões do misticismo, a comédia O Diabo Veste Prada praticamente abre mão de mergulhar nos mistérios da moda a fim de se concentrar em romancezinhos bobos e a lições clichês de auto-ajuda do tipo “seja íntegro consigo mesmo”, salvando-se apenas em função do talento de seu elenco.


Baseado em livro de Lauren Weisberger, o roteiro de Aline Brosh McKenna (responsável pelos fracos Um Caso a Três e Leis da Atração) gira em torno de Andrea Sachs (Hathaway), jornalista recém-formada que consegue emprego como segunda assistente da renomada Miranda Priestly (Streep), editora da principal revista especializada em moda do país. Sem enxergar muito valor naquela indústria, Andy pretende permanecer na função apenas até conseguir estabelecer contatos que lhe garantam trabalhos mais ambiciosos intelectualmente – e seu estilo “casual” (para dizer o mínimo) de se vestir freqüentemente leva seus colegas da revista à loucura. Enquanto tenta suportar as exigências de sua rigorosa chefe (“Onde está aquele pedaço de papel que eu estava segurando ontem de manhã?”), a moça descobre a própria vaidade e o prazer que sente ao vestir roupas de grife – e se inicialmente era incapaz até mesmo de soletrar “Gabbana”, aos poucos ela desenvolve um olhar invejável para...

Hein? Eu estava mesmo prestes a dizer que “entender de moda” é algo invejável e que há algum valor “artístico” numa indústria governada pela arrogância daqueles que se julgam no direito de ditar o que todos devem ou não vestir? Sim, estava. E este é um dos méritos de O Diabo Veste Prada: sempre que revela um pouco sobre os bastidores do mundo da moda e a lógica por trás daquela indústria, o filme se torna fascinante: em certo momento, por exemplo, Miranda retribui o escárnio velado de sua assistente com uma verdadeira (e excelente) aula sobre a origem do estilo do casaco que a moça está usando – e, no processo, deixa claro que até mesmo aqueles que compram roupas apenas em lojas de departamento estão absorvendo tendências criadas por algum grande estilista (e mais: que toda a “trajetória” daquele simples casaco representou milhões de dólares em empregos para inúmeras pessoas). Isto não quer dizer, no entanto, que o longa ignore os absurdos de uma indústria repleta de excessos e auto-adoração: para constatar estas sutis alfinetadas, basta observar como o célebre Valentino (numa ponta como si mesmo) pergunta para Andy se esta “amou” (não se gostou, mas se amou) seu desfile ou – para citar outro exemplo – como uma das funcionárias de Miranda apresenta dois cintos aparentemente idênticos para a chefe e argumenta que estes são “tão diferentes!”.

Ainda assim, acabamos levando tudo aquilo a sério graças, em grande parte, à atuação impecável de Meryl Streep, que confere um ar de competência e autoridade a Miranda que acaba exigindo nossa atenção. Aliás, a própria entrada em cena da personagem manipula o espectador neste sentido, já que testemunhamos o pânico que sua presença desperta em sua equipe – um temor justificado, já que, com apenas um olhar ou menear de cabeça, Miranda é capaz de demolir seus interlocutores (sua intensidade é tamanha que, sem esforço, ela praticamente convence Andy a responder sob outro nome). Mantendo a voz em um tom sempre baixo, suave, controlado e elegante, a personagem é incorrigivelmente arrogante e presunçosa, claro, mas chega a nos convencer de que tem este direito, já que, de fato, demonstra ser uma profissional espetacular.

Por outro lado, seus modos contidos também parecem servir como disfarce para um temperamento deprimido: Miranda quase nunca sorri – e, mesmo quando o faz, parece estar apenas cumprindo uma formalidade. É justamente este subtexto de tristeza que evita que o espectador a odeie, levando-nos a considerar sua crueldade mais como um elemento divertido do que propriamente algo desprezível. Neste sentido, a performance de Streep é brilhante como de hábito; a autoridade exalada por Miranda é tamanha que, quando Andy surpreende a chefe durante uma discussão com o marido, percebemos a gravidade da situação não porque ela descumpriu a ordem de manter-se “invisível”, mas porque finalmente alguém viu a poderosa editora em um raro momento de vulnerabilidade. É claro que, no processo, O Diabo Veste Prada comete o mesmo equívoco moral de tantas outras produções de Hollywood, demonizando (desta vez, até mesmo no título!) as mulheres “de carreira”, aquelas que priorizam suas profissões em vez de suas vidas pessoais. Em certo instante, Andy até ensaia uma defesa ao perguntar se todos enxergariam Miranda da mesma forma caso ela fosse um homem, mas isto é insuficiente diante do retrato que o filme insiste em pintar no restante do tempo.

Como Andy, aliás, Anne Hathaway (Uma Garota Encantada, O Segredo de Brokeback Mountain) oferece um desempenho suficientemente carismático para evitar que ela se apague diante de Streep, que, ainda assim, rouba o filme sempre que aparece. Da mesma maneira, o elenco secundário se mostra competente, criando personagens que prendem nosso interesse, como a pedante Emily (Blunt) e o divertidamente cínico Nigel (Tucci). Na realidade, o único elo fraco do elenco é representado por Gisele Bündchen, que, em duas breves cenas, prova não ter o menor talento como atriz, mostrando-se artificial e pouco à vontade mesmo tendo tão pouco a fazer ou dizer.

De modo geral, O Diabo Veste Prada decepciona por deixar de lado o mundo da moda (quando obviamente tinha muito a dizer sobre o tema) a fim de contar uma historinha boba que repete sem imaginação a velha estrutura narrativa do aprendiz que, depois de se “perder” ao perseguir os próprios sonhos, decepcionando seus amigos e familiares, acaba superando moralmente seu tutor – algo explorado com muito mais talento em obras como Wall Street – Poder e Cobiça, O Advogado do Diabo e Tudo por Dinheiro, entre outras. E se nestes filmes acabávamos admirando o amadurecimento do “jovem aprendiz”, desta vez torcemos para que Andy não seja estúpida a ponto de desperdiçar a oportunidade de trabalhar com alguém como Miranda, que “demoníaca” ou não, certamente lhe proporcionará um futuro infinitamente melhor do que trabalhar em uma empoeirada e romanticamente decadente redação de jornal.

Infelizmente, duvido muito que os realizadores desta produção estivessem buscando este tipo de reação por parte do espectador.
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22 de Setembro de 2006

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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