Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
06/05/2005 | 08/09/2004 | 5 / 5 | 5 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
156 minuto(s) |
Dirigido por Oliver Hirschbiegel. Com: Bruno Ganz, Alexandra Maria Lara, Ulrich Matthes, Corinna Harfouch, Juliane Köhler, Heino Ferch, Christian Berkel, Thomas Kretschmann, Matthias Habich, Michael Mendl, Ulrich Noethen, Birgit Minichmayr.
É fácil pensar em Adolf Hitler como a pura encarnação do `Mal`, do Anti-Cristo católico. Enxergando-o como um monstro unidimensional, podemos sufocar o medo de que algo impensável como o Holocausto possa acontecer novamente, já que a Solução Final não teria saído da mente de um homem (ou mesmo de um grupo deles), mas de uma `criatura`. Além disso, fugimos da constatação óbvia de que o ser humano é, sim, capaz de patrocinar atrocidades indizíveis.
No entanto, a concepção de Hitler como Demônio é uma simplificação não apenas infantil, mas perigosa: é fundamental que eliminemos esta aura `sobrenatural` do ditador nazista e que o encaremos não como um indivíduo singular, único, mas como um homem comum que, abençoado com um carisma imenso e com uma capacidade de liderança admirável, desperdiçou estes dons ao permitir que sua visão preconceituosa e distorcida do mundo guiasse suas iniciativas. Filmes como A Queda, Eu Fui a Secretária de Hitler e Max buscam, portanto, cumprir o importante papel de desvendar como alguém com uma ideologia tão mesquinha pode ter conseguido influenciar uma nação – e, conseqüentemente, nos levam a compreender a possibilidade trágica de que a História venha a se repetir (e o fato é que, até certo grau, já vem se repetindo).
Empregando, como âncora da narrativa, a secretária particular de Hitler durante os últimos dois anos da vida do Führer alemão, A Queda começa justamente com um depoimento de Traudl Junge retirado do fascinante documentário citado no parágrafo acima. A partir daí, voltamos a 1943 para `testemunhar` a contratação da garota por um Hitler afável e paciente – cena que é seguida por um salto de dois anos e meio no tempo, quando, então, reencontramos os personagens durante o cerco russo a Berlim. Mergulhados no caos que antecipou a derrota nazista, os soldados alemães e oficiais da temida SS entregam-se ao ritual desesperado de queimar documentos que possam incriminar os chefões do Partido Nazista no cenário pós-Guerra. Doente e psicologicamente fragilizado, Adolf Hitler refugia-se ao lado de Eva Braun e de seus generais mais importantes em bunkers situados sob a capital alemã enquanto dispara ordens de contra-ataque para suas tropas espalhadas pelo país.
Ao mesmo tempo, o roteiro de Bernd Eichinger acompanha diversos outros personagens afetados pelo conflito, como o pai que tenta convencer o filho a abandonar a Juventude Hitlerista; o general que, depois de ser condenado à morte por traição, apresenta-se a Hitler para se defender e acaba ganhando a tarefa ingrata de defender Berlim (o que o leva a questionar se não teria sido melhor ser executado); e o médico que, horrorizado com o sofrimento dos civis, arrisca a própria vida para buscar medicamentos em uma parte da cidade que já foi tomada pelos soldados russos. Desta maneira, A Queda ilustra um paradoxo fascinante: mesmo entre os oficiais nazistas havia indivíduos capazes de gestos nobres e altruístas.
É verdade que o filme praticamente não cita o extermínio de judeus orquestrado por Hitler (ou mesmo seu anti-semitismo, que é invocado duas ou três vezes ao longo da narrativa), mas isto não era realmente necessário para a proposta do longa; já conhecemos a tragédia da Solução Final. Mais importante do que isto, para o cineasta Oliver Hirschbiegel, é retratar a decadência do Führer, evidenciando, por exemplo, sua retórica vazia – que, se convencia os alemães quando enunciada em discursos fortes e repletos de autoridade, torna-se absolutamente transparente ao sair da boca de um velho alquebrado e confuso. Além disso, o diretor faz questão de ilustrar que não foram apenas os judeus que sofreram em função dos delírios de Hitler (embora tenham sido indiscutivelmente as maiores vítimas): o próprio povo germânico pagou caro por colocar os nazistas no poder (em certo momento, o repulsivo Goebbels diz: `O povo nos deu um mandato. E agora está pagando por isto!`). Aliás, o próprio conceito de `Juventude Hitlerista` pode ser considerado como um dos maiores crimes do ditador.
Outra preocupação admirável de A Queda é representar a quase inexplicável fascinação que Hitler exercia sobre seus comandados; mesmo sofrendo de uma demência clara e de uma paranóia inegável, o Führer conta com a fidelidade irrestrita de seus generais, que encaram como justas suas constantes explosões de raiva e suas recriminações infindáveis (e aqui devo abrir um parênteses para dizer que a performance do veterano Bruno Ganz neste longa é uma das melhores de sua já brilhante carreira). Sim, Hitler dispara ordens para tropas que já não existem e delira sobre a ressurreição impossível da Luftwaffe, mas, ainda assim, a possibilidade de vê-lo derrotado apavora aqueles experientes militares.
Revelando uma coragem admirável, o cineasta alemão Oliver Hirschbiegel demonstra não temer críticas vazias sobre o retrato tridimensional que faz de Adolf Hitler e dedica-se totalmente à análise do colapso moral, humano e psicológico do ditador – e, simultaneamente, estabelece com talento e segurança a situação opressiva e desesperadora que todas aquelas pessoas viveram nos bunkers (muitas delas merecendo o destino cruel que tiveram; algumas – como Traudl Junge – simplesmente pagando pelo pecado da omissão). Aliás, não fiquei surpreso ao constatar que Hirschbiegel dirigiu também o interessante A Experiência, sobre um grupo de homens que se submete a um experimento psicológico que simula as condições de uma prisão e que logo revela os aspectos mais cruéis da natureza humana: temática e narrativamente, os dois filmes têm muito em comum. Para finalizar, é fundamental reconhecer o impressionante trabalho de direção de arte do filme, que recria a Berlim totalmente destruída do pós-Guerra – e o maior elogio que posso fazer neste sentido é dizer que seus cenários não ficam nada a desejar com relação à cidade vista em Alemanha, Ano Zero, de Roberto Rossellini – que foi realmente rodado nos escombros da capital alemã.
Como já expliquei, um dos maiores méritos de A Queda diz respeito à inteligência com que estabelece o fascínio e a fidelidade que Adolf Hitler despertava em seus seguidores – um encantamento capaz de levar uma mãe a atos extremos para evitar que seus filhos vivam em um mundo sem a influência do ditador. E a prova maior da sensibilidade de Hirschbiegel reside em sua capacidade de levar o espectador a chorar pelos filhos de ninguém menos do que Goebbels – algo que reafirma nossa própria humanidade.
Afinal, ao despertar nossa compaixão pela prole de um casal tão detestável, o cineasta nos `força` a praticar uma das maiores virtudes do ser humano: a compaixão. E esta é uma das grandes lições de A Queda: a compreensão de que o ódio cego nos diminui tanto quanto ao inimigo.
05 de Maio de 2005