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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
10/11/2006 01/01/1970 4 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
121 minuto(s)

Volver
Volver

Dirigido por Pedro Almodóvar. Com: Penélope Cruz, Carmen Maura, Lola Dueñas, Blanca Portillo, Yohana Cobo, Chus Lampreave, Antonio de la Torre, Carlos Blanco, María Isabel Díaz.

Depois de construir sua incrivelmente bem-sucedida carreira através de produções focadas basicamente no universo feminino, o cineasta espanhol Pedro Almodóvar concentrou-se, em seus dois últimos longas, em narrativas que se centraram em um olhar mais masculino, resultando no ótimo Fale com Ela e no excepcional Má Educação – que, particularmente, considero o melhor trabalho do diretor. Em Volver, no entanto, Almodóvar retorna ao mundo das mulheres com seu talento e sensibilidade particulares – e, no processo, retoma também sua habitual paleta de cores, cuja intensidade é proporcional à dos sentimentos que representa.

Em um mundo no qual os homens são geralmente vistos – com razão – sob uma luz negativa, Raimunda (Cruz) é uma mulher trabalhadora que se esforça para cuidar da família formada pela filha adolescente, Paula (Cobo), e pelo marido inútil, que parece encarar a menina com um pouco mais de interesse do que o desejável. Enquanto isso, a irmã de Raimunda, a solitária Sole (Dueñas), sobrevive graças ao seu salão de beleza ilegal, montado em sua própria casa, e faz freqüentes visitas à cidade natal de ambas a fim de visitar o túmulo da mãe, Irene (Maura), morta há alguns anos em um incêndio que também tirou a vida do pai das duas irmãs. Quando a velha tia de Raimunda e Sole morre, porém, esta última é surpreendida com a visita do fantasma de Irene, que se muda para sua casa enquanto tenta resolver alguns assuntos “pendentes” – entre os quais, reaproximar-se de Raimunda, que já havia se afastado da mãe anos antes desta falecer. Isto, porém, poderá não ser tão simples, já que Raimunda está suficientemente preocupada com a tarefa de ocultar o corpo do marido, morto por Paula depois de tentar violentar a garota.

Ao ler o parágrafo acima, é possível que alguns leitores tenham ficado com a impressão de que Volver é um filme pesado e profundamente dramático – mas isto indicaria, é claro, falta de familiaridade com o universo de Almodóvar, que se especializou justamente em extrair humor (muitas vezes absurdo) de situações que outros cineastas explorariam pela dor e pelo sofrimento. Sempre mais interessado nos relacionamentos entre seus personagens, o espanhol demonstra uma quase obsessão pelos fortes laços de amizade (e ocasionais rivalidades) formados entre as mulheres, cuja proximidade umas das outras estabelece verdadeiras irmandades que servem de proteção – ou, no mínimo, como grupo de apoio – contra os atos brutais dos homens. Quando retrata um semi-círculo formado por mulheres vestidas de preto, Almodóvar está, ao mesmo tempo, expondo a graça da curiosa situação e reforçando sua visão de que há algo intangível ligando todas elas, seja o sofrimento, a sensibilidade ou a interpretação em comum de que a vida é constantemente dura e injusta. Da mesma forma, quando um conhecido de Raimunda pergunta que mancha de sangue é aquela em seu rosto, a moça responde quase sem pensar que se trata de “problemas de mulher” – uma resposta que, sob sua superfície engraçada, oculta uma realidade bem mais triste, já que, afinal de contas, o sangue pertence ao marido canalha. Finalmente, é importante observar que o diretor também não ignora a sensual feminilidade de suas personagens, já que constantemente enfoca, em planos fechados, partes do corpo sempre associadas à natureza sedutora das mulheres: seios, bundas, coxas e assim por diante (há um plano plongé do decote de Penélope Cruz, em especial, que merecia ser emoldurado e pendurado na parede). Aliás, não é à toa que a atriz italiana Anna Magnani, símbolo indiscutível da força e da beleza naturais da mulher, surja numa tela de tevê, em determinado instante da projeção.

Navegando com segurança entre os mais diferentes gêneros, Almodóvar mantém o espectador sempre surpreso graças às súbitas mudanças de tom da narrativa, que, apesar disso, mantém-se belissimamente coesa, numa prova do talento do cineasta e de seu colaborador habitual, o montador José Salcedo: em um momento, acompanhamos o choque de uma garota ao matar o próprio pai; em outro, ficamos tensos ao perceber que, na falta de um carro, Raimunda e a filha são obrigadas a transportar o corpo desajeitadamente pela rua; e, finalmente, rimos da calma absurda com que a protagonista aceita preparar uma farta refeição para uma equipe de cinema enquanto mantém o corpo do marido escondido nas proximidades.

E há, é claro, o clima verdadeiramente nonsense da subtrama sobrenatural envolvendo o fantasma de Irene, uma aparição que surpreendentemente se preocupa em tingir os cabelos e age como se fosse absolutamente normal ressurgir na vida de suas filhas depois de cinco anos de sua morte – e é mais do que apropriado que a personagem seja interpretada pela brilhante Carmen Maura, que retorna ao universo de Almodóvar depois de quase vinte anos de ausência (eles trabalharam juntos pela última vez em 1988, em Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos). Da mesma forma, Lola Dueñas confere carisma a Sole, levando o público a identificar-se com suas fragilidades e aspirações, enquanto a jovem Yohanna Cobo demonstra não se intimidar ao atuar ao lado de tantas profissionais experientes. E se Blanca Portillo traz uma melancolia necessária ao filme, Penélope Cruz surge, em Volver, como uma verdadeira força da natureza (mais uma vez, a comparação com Anna Magnani se justifica): além de belíssima, a atriz espanhola finalmente volta a oferecer um desempenho admirável depois de suas péssimas aparições em longas como Bandidas, Na Companhia do Medo e Vanilla Sky (ela estava bem melhor no pouco visto Não se Mova, o que talvez indique sua insegurança ao atuar em inglês). Apesar de amargurada em função de traumas do passado, Raimunda é uma mulher decidida que não perde muito tempo chorando suas mágoas, tomando sempre a iniciativa de corrigir o que julga estar errado – e a cena em que a mulher se comove ao soltar a própria voz em uma canção depois de anos é comovente (mesmo que a dublagem seja tão óbvia em função da escolha equivocada da cantora, cujo timbre difere muito daquele empregado por Cruz).

Incluindo ainda uma crítica apropriada à exploração costumeira que os programas de televisão fazem de dramas pessoais, apelando para a baixaria em busca de audiência, Volver conta com um roteiro (escrito pelo próprio Almodóvar) bem amarrado que consegue, com habilidade, resolver satisfatoriamente todas as suas diversas subtramas – e mesmo que suas revelações finais não sejam exatamente surpreendentes, ao menos não são apresentadas como se assim o fossem, surgindo com naturalidade e suficiente verossimilhança.

Volver se estabelece, desta maneira, como um trabalho que exibe a segurança de um cineasta cada vez mais maduro e no pleno domínio da linguagem que ajudou a desenvolver nos últimos 30 anos.

10 de Novembro de 2006

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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