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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
20/02/2004 31/08/2003 4 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
100 minuto(s)

Moça com Brinco de Pérola
Girl with a Pearl Earring

Dirigido por Peter Webber. Com: Scarlett Johansson, Colin Firth, Tom Wilkinson, Essie Davis, Judy Parfitt, Cillian Murphy, Joanna Scanlan, Alakina Mann.

Em algum momento da década de 1660, o holandês Johannes Vermeer pintou aquele que se tornaria seu quadro mais famoso, Moça com Brinco de Pérola. Classificado por alguns teóricos como `a Mona Lisa holandesa`, o quadro ficou desaparecido por cerca de 220 anos, sendo redescoberto em 1882. Desde então, estudiosos do assunto vêm tentando decifrar quem era a moça retratada por Vermeer e (a exemplo da Mona Lisa) qual é o sentimento expressado por seu rosto enigmático. Tristeza? Amor? Desdém?

Escrito por Olivia Hetreed a partir do livro de Tracy Chevalier, este novo filme protagonizado por Colin Firth (como o pintor) e Scarlett Johansson (como Griet) advoga a teoria de que a modelo era, na realidade, uma jovem humilde que trabalhava na casa dos Vermeer – e por quem o artista nutria uma paixão secreta, jamais manifestada em palavras. Dominado pela sogra, que agia como uma autêntica empresária ao negociar seus trabalhos com possíveis mecenas (em especial, o grosseiro Van Ruijven), Vermeer descobre na criada, Griet, uma curiosidade natural sobre cores e texturas, o que o deixa fascinado, já que sua própria esposa parece ter medo até mesmo de entrar em seu ateliê. E quando a sra. Vermeer ordena que a moça limpe as janelas do estúdio do marido, a resposta da jovem denota sua compreensão superior sobre a arte: `A luz pode ser alterada`.

Impressionando já nesta sua estréia em longas-metragens, o diretor Peter Webber supera o difícil obstáculo criado pelo estilo introspectivo do Johannes Vermeer retratado pelo roteiro: lacônico, o pintor raramente manifesta suas opiniões acerca do que ocorre em sua volta, mesmo quando irritado com o que vê – e Colin Firth faz um trabalho magnífico ao deixar que o espectador perceba, por exemplo, o descontentamento de seu personagem enquanto a sogra tenta convencer Van Ruijven a encomendar um novo quadro (apenas por seu olhar, podemos observar o desprezo que Vermeer está sentindo por si mesmo ao tomar consciência de que seu talento está à venda). Aliás, alguns dos conflitos mais intensos de Moça com Brinco de Pérola se destacam pela economia de palavras, como na cena em que a sogra do pintor diz para Griet: `(Johannes) já voltou a trabalhar. Normalmente, ele demora mais tempo`. Imediatamente, constatamos a grave acusação implícita em sua fala aparentemente inofensiva – e Webber merece aplausos por conseguir transmitir tantos sentimentos através, principalmente, de gestos e luzes.

Da mesma forma, algumas das melhores seqüências do longa são aquelas em que vemos Vermeer e Griet trabalhando no estúdio, em silêncio: concentrados na preparação das tintas ou na elaboração de uma `cena` a ser pintada pelo artista, os dois demonstram uma compreensão muda sobre o prazer que sentem com a presença um do outro – e a tensão sexual existente entre o casal dificilmente poderia causar maior impressão caso fosse colocada em palavras. Além disso, a recriação do quadro Moça com Brinco de Pérola é de tirar o fôlego – e Peter Webber demonstra ter consciência disto ao exibir Scarlett Johansson em uma longa tomada, permitindo que o espectador perceba a incrível semelhança entre a atriz e a modelo original que posou para Vermeer.

Aliás, a reconstituição de época também é maravilhosa: dos figurinos aos cenários, o filme realmente leva o espectador para a Holanda do século 17. Porém, até mesmo estes aspectos técnicos da produção empalidecem frente à fotografia espetacular do português Eduardo Serra, que se inspirou na obra de Vermeer ao conceber o belíssimo esquema de luzes e cores do projeto. Criando enquadramentos extremamente elegantes, Serra e Webber tomam grande cuidado com os detalhes: veja, por exemplo, a cena em que Griet observa a camera obscura no ateliê do patrão e perceba a disposição impecável dos objetos de cena, a incidência da luz e o equilíbrio do plano: o resultado é tão maravilhoso que poderíamos perfeitamente imprimir aquela tomada em uma tela e pendurá-la em qualquer museu do mundo. E o melhor: este não é um exemplo isolado; não há um só plano em Moça com Brinco de Pérola que não pareça ter sido exaustivamente preparado por Eduardo Serra.

Trazendo duas fortes interpretações de Firth e Johansson, o projeto envolve o público ao desenvolver sua trama de forte teor sexual sem precisar recorrer ao gráfico: quando vemos Vermeer furando a orelha de Griet, sabemos que aquele é um gesto repleto de sensualidade. Felizmente, Peter Webber percebeu algo importante sobre a história: por baixo de sua superfície aparentemente plácida, aqueles personagens vivem uma paixão absurdamente intensa. Como o próprio quadro que dá título ao filme.
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3 de Fevereiro de 2004

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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