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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
08/09/2003 25/10/2002 1 / 5 2 / 5
Distribuidora
Duração do filme
87 minuto(s)

Jackass - Cara-de-pau: O Filme
Jackass: The Movie

Dirigido por Jeff Tremaine. Com: Johnny Knoxville, Chris Pontius, Steve-O, Ryan Dunn, Bam Margera, Jason ‘Wee Man’ Acuña, Preston Lacy e Spike Jonze.

Antes de mais nada, permitam-me esclarecer algo: apesar de ter sido traduzida para o português como `cara-de-pau`, a palavra `jackass` significa, na verdade, `estúpido`, `idiota` – termos, aliás, que expressam muito melhor a natureza dos protagonistas de Jackass – Cara-de-pau: O Filme. Além disso, confesso não entender o aviso que, no início da projeção, afirma que a produção foi `protagonizada por profissionais`, e que as `façanhas` vistas ali não devem ser imitadas por ninguém. Que habilidade especial é necessária para que alguém possa defecar em um lugar público ou ter seus mamilos abocanhados por um filhote de jacaré? Não seria melhor substituir a palavra `profissionais` por outra mais apropriada, como `imbecis`?

E continuando no campo das indagações: como posso escrever uma análise sobre algo como Jackass: O Filme? Resumindo-se a um episódio de 87 minutos de duração do programa homônimo no qual se inspirou (e que foi exibido pela MTV americana em 2000 e 2001), este longa-metragem é composto por uma série de quadros que oscilam entre o ingênuo (como aquele em que um anão, escondido em um grande cone, interrompe o fluxo de pessoas em uma escada rolante) e o grotesco (como o já citado momento em que um rapaz entra em um depósito de materiais de construção e defeca em um vaso sanitário do mostruário – algo que é comprovado pelo operador de câmera, que faz questão de mostrar para o espectador o `presente` deixado pelo sujeito). Independentemente da natureza de cada quadro, as `proezas` são sempre acompanhadas dos risos de seus autores, que se divertem imensamente com as `peças` que pregam. Em certo instante, por exemplo, Johnny Knoxville (o `astro` do projeto) aluga um carro e promete ao atendente que irá tomar cuidado com o veículo, mas sai da loja rindo, já que sabe que irá destruí-lo em seguida. A pergunta é: ele está rindo de quem? De si mesmo? Não creio. Do dono da locadora? Improvável, já que este certamente irá ganhar um carro novo dos produtores. Sobramos, portanto, nós, os pobres espectadores.

Sem ter como avaliar o roteiro (inexistente), as atuações (inexistentes) ou os aspectos técnicos da produção (aparentemente inexistentes), resta-me somente a opção de tentar analisar o significado social de Jackass – se é que há algum. Por que seus jovens protagonistas se entregam a atividades não apenas humilhantes, mas potencialmente auto-destrutivas? Será este um sintoma das mesmas inquietações e frustrações que citei ao escrever sobre o excepcional Clube da Luta? Será que, ao castigar o próprio corpo, Knoxville estaria se `punindo` por sua passividade frente aos impossíveis ideais de realização estabelecidos pela sociedade moderna? Ou o auto-flagelo seria um grito de socorro, um pedido de atenção? Há, ainda, a possibilidade de que Knoxville e seus companheiros estejam apenas buscando seus 15 minutos de fama – o que não os diferencia muito dos integrantes de programas como Big Brother, Casa dos Artistas, Acorrentados e afins, que se submetem a qualquer absurdo para aparecerem na televisão.

Infelizmente, ao contrário de Big Brother, que pode até funcionar como um passatempo ocasional, Jackass: O Filme é cansativo e nada engraçado – ao contrário de sua versão para televisão, que, vez por outra, trazia algum momento relativamente inspirado. Qual é a graça, por exemplo, em ver os protagonistas raspando as cabeças uns dos outros? E o que dizer das várias cenas, incrivelmente monótonas, em que três rapazes, maquiados como idosos, dirigem pequenos carros elétricos pelas ruas de Miami? E qual deveria ser nossa reação ao vermos Knoxville levando um tiro de bala de borracha no abdômen? Particularmente, fiz exatamente o mesmo que outros dois indivíduos que aparecem no longa: balancei minha cabeça com incredulidade.

Johnny Knoxville, diga-se de passagem, foi um dos criadores do programa e tem, como característica, submeter-se a atividades dolorosas: em certo momento, por exemplo, ele pede que um de seus amigos faça pequenos cortes entre os dedos de seu pé, utilizando apenas folhas de papel. Da mesma forma, cada jackass tem sua especialidade: Bam Margera gosta de bater nos amigos e de assustar seus pais, chegando a trazer um crocodilo para dentro de casa; Steve-O parece detestar o próprio corpo, entregando-se a atividades potencialmente danosas, como saltar em esgotos, aspirar comidas apimentadas e fazer tatuagens dentro de carros em movimento; e Jason ‘Wee Man’ Acunã e Preston Lacy são, respectivamente, um anão e um obeso que transformam suas características físicas em objeto de humilhação. Completando o grupo vem Chris Pontius, o jackass mais inofensivo: seu passatempo é, simplesmente, ficar nu em público (na realidade, usando apenas um tapa-sexo) e dançar.

Eu não mencionei, no parágrafo anterior, um certo Ryan Dunn, que protagoniza o quadro final – e, supostamente, o `melhor` – de Jackass: O Filme: depois de introduzir um carro de brinquedo em seu ânus, o rapaz vai até o hospital a fim de tirar uma radiografia e assustar o médico de plantão. O que Dunn não percebe, no entanto, é que ele é o único alvo real de sua `piada`. Aliás, outro que se torna vítima da própria `brincadeira` é Ehren McGhehey: em uma das cenas do longa, o sujeito faz um `sorvete amarelo` ao urinar em cima de uma bola de neve – que ele imediatamente come. Enojado com o próprio ato, ele vomita, enquanto um de seus `amigos` o chuta várias vezes.

Como você já deve ter constatado, Jackass serve para satisfazer aquela curiosidade mórbida que, infelizmente, faz parte da natureza humana e transforma em sucesso personalidades como Ratinho e João Kléber. Ah, sim: ao contrário do que costumo fazer, revelei boa parte do que acontece ao longo da projeção, mas não creio que isso fará a menor diferença: o público-alvo de Jackass: O Filme só ficará ainda mais interessado em assistir ao longa depois de ler os parágrafos acima.

Para finalizar, peço que observem que, em nenhum momento, utilizei a palavra `filme` para descrever este projeto (a não ser, obviamente, ao citar o título, que contém o termo). O motivo é simples: em nenhum momento, ao longo da projeção de Jackass, vi algo que pudesse qualificá-lo como tal. Como já disse, este é apenas mais um (longo) episódio do programa da MTV. A única diferença é que, desta vez, a Paramount teve o mau gosto de exibi-lo nos cinemas.

13 de Maio de 2003

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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