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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
16/10/2009 01/01/1970 3 / 5 4 / 5
Distribuidora
Duração do filme
108 minuto(s)

O Desinformante
The Informant

Dirigido por Steven Soderbergh. Com: Matt Damon, Melanie Lynskey, Scott Bakula, Thomas F. Wilson, Rick Overton, Joel McHale, Patton Oswalt.

Já nos créditos iniciais de O Desinformante, que adotam um estilo setentista nas fontes empregadas e também na ótima trilha do veterano Marvin Hamlisch, percebemos que o cineasta Steven Soderbergh não tem a menor intenção de narrar a história – baseada em fatos reais – de maneira dramática ou mesmo sóbria. Enxergando na trajetória do bioquímico e alto executivo da megacorporação ADM Mark Whitacre (Damon) elementos ideais para uma narrativa farsesca, Soderbergh cria, aqui, algo que poderíamos encarar como uma versão de O Informante caso esta fosse dirigida por Blake Edwards e trouxesse Peter Sellers no papel interpretado por Russell Crowe.

Escrito por Scott Z. Burns a partir do livro do jornalista Kurt Eichenwald, o roteiro gira em torno de Whitacre, que, pressionado por seus superiores para descobrir o que há de errado com a produção do aminoácido lisina em sua fábrica, acaba informando-os de que estão sendo vítimas de sabotagem. No entanto, quando um agente do FBI (Bakula) é chamado para cuidar do caso, o executivo acaba fazendo uma surpreendente confissão: há vários anos, sua empresa vem encabeçando um cartel internacional para controlar o preço da lisina. A partir daí, o sujeito aceita se tornar informante do FBI e, nos anos seguintes, acaba gravando várias conversas que comprometeriam irremediavelmente seus patrões. O que ninguém sabia, porém, era que o próprio Whitacre escondia graves segredos.

Embora ambientada nos anos 90, época na qual os incidentes narrados pelo filme transcorreram, a narrativa de O Desinformante é desenvolvida por Soderbergh seguindo uma lógica visual que remete diretamente à década de 70: assinando a fotografia com seu pseudônimo habitual (Peter Andrews), o diretor adota uma paleta freqüentemente superexposta que, em conjunto com a direção de arte e o figurino que privilegiam tons sépia, estabelece aquele mundo como um lugar sem vida e deprimente – algo curioso se considerarmos que, afinal, o filme é principalmente uma comédia. Da mesma forma, a trilha de Hamlisch oscila entre a ironia, ao alfinetar a realidade dos personagens através de temas claramente cômicos, e a sátira descarada ao remeter, aqui e ali, aos clássicos filmes de espionagem das décadas de 60 e 70 (Hamlisch foi, vale lembrar, o compositor de 007 – O Espião que me Amava).

Enquanto isso, Matt Damon encarna Whitacre como um homem sempre ansioso (quase paranóico, na realidade) que, por trás da fachada convencional de pai de família e executivo bem sucedido, esconde uma personalidade difícil de decifrar. Com um andar sempre rígido que denuncia seu desconforto consigo mesmo, o sujeito parece se esconder por trás dos imensos óculos, do bigode e das roupas de estilo rígido – e é só quase ao final da projeção, quando Damon ajeita um detalhe de sua aparência de maneira quase casual (é possível que alguns espectadores nem percebam o gesto), é que ganhamos acesso a uma surpreendente revelação sobre seu caráter e percebemos que Mark Whitacre é um indivíduo bem mais complexo do que imaginávamos.

É claro que, ao longo da narrativa, o roteiro de Burns nos oferece pequenas dicas sobre isto – especialmente através do excelente recurso de trazer uma narração em off através da qual acompanhamos os pensamentos do protagonista em várias circunstâncias e constatamos que Whitacre tem uma tendência alarmante de se perder em um fluxo de divagações que raramente tem a ver com aquilo que está acontecendo ao seu redor. Ainda assim, porém, as razões por trás destas viagens não ficam totalmente claras: seria o sujeito vítima de um problema crônico de déficit de atenção? Ou teria apenas uma imaginação vívida? Ou, quem sabe, ele seria apenas irremediavelmente estúpido?

Figura fascinante ao seu próprio modo justamente em função de sua natureza atípica, Whitacre é, acima de tudo, um ingênuo – embora provavelmente se julgue terrivelmente esperto. Aliás, se há uma coisa em comum entre praticamente todos os personagens de O Desinformante é a forma infantilizada com que são retratados por Soderbergh: do executivo que freqüentemente manifesta a necessidade de “contar tudo para o papai” até o agente do FBI que anda com a foto da família de seu informante na carteira por ter se apegado àquelas pessoas, os habitantes deste universo são criaturas geralmente tolas que, levadas pela ganância, arruínam as próprias vidas.

Um pouco mais longo do que o ideal (a partir da segunda hora de projeção a narrativa começa a se arrastar e a se repetir), O Desinformante não é um grande exemplar da carreira de Steven Soderbergh, mas é curioso o bastante para merecer nossa atenção – especialmente quando consideramos as diferenças entre este projeto e seus trabalhos imediatamente anteriores, como Che e Confissões de uma Garota de Programa.

Soderbergh pode até não ser o mais regular dos diretores, mas é certamente um dos mais interessantes.

16 de Outubro de 2009

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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