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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
17/03/2006 16/09/2005 3 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
108 minuto(s)

Um Lugar Para Recomeçar
An Unfinished Life

Dirigido por Lasse Hallström. Com: Robert Redford, Morgan Freeman, Jennifer Lopez, Becca Gardner, Josh Lucas, Damian Lewis, Camryn Manheim, Bart the Bear.

 

O segredo para compreender o que se passa na mente dos personagens de Um Lugar para Recomeçar não reside em observar suas ações ou mesmo suas conversas, mas sim seus olhares e, principalmente, seus silêncios. Dominado por indivíduos essencialmente introspectivos, o filme dedica grande atenção à forma com que eles procuram ocultar seus sentimentos – e mesmo quando se manifestam acerca de algo ou alguém, é perfeitamente possível (até mesmo freqüente) que estejam dizendo algo que não pensam de fato.

           

Centrado na relação conturbada entre o rancheiro Einar Gilkyson (Redford) e sua nora Jean (Lopez), o roteiro escrito pelo casal Mark e Virginia Spragg não perde tempo em nos apresentar aos personagens antes de confrontá-los: já aos dez minutos de projeção, Jean é obrigada a fugir do namorado que a espanca e, sem outro lugar para levar a filha Griff, de 11 anos de idade, decide pedir abrigo ao sogro, que a culpa pela morte do filho em um acidente de carro ocorrido 12 anos antes. Porém, ao descobrir que tem uma neta (Jean abandonara a cidade depois do funeral), Einar resolve permitir que elas se hospedem em seu rancho e, aos poucos, torna-se próximo da garota. Enquanto isso, seu velho assistente Mitch (Freeman), que foi desfigurado por um urso há cerca de um ano, deve lidar com as seqüelas do ataque e com o retorno do animal, aprisionado em um pequeno zoológico nas proximidades.

           

Investindo apenas em alguns esboços de subtramas, Um Lugar para Recomeçar tem consciência de estar narrando uma história previsível e não procura reinventar a roda: sabemos que Einar eventualmente se deixará encantar pela neta, sabemos que irá atingir algum tipo de entendimento com a nora, sabemos que o namorado violento de Jean aparecerá em algum momento para gerar algum tipo de conflito, sabemos que Mitch servirá como conselheiro do ex-patrão (mesmo porque é vivido por Morgan Freeman, especialista nestes papéis), e assim por diante. Assim, o casal Spragg procura – sem muito sucesso – adicionar um ou outro elemento gerador de tensão ao longo da projeção: será que os dois bêbados agredidos por Einar tentarão se vingar? Será que o urso voltará para “finalizar” o serviço que começou há um ano? De fato, nada disso importa muito: o roteiro sempre se sai melhor quando observa incidentes que, apesar de nada “cinematográficos”, são suficientemente impactantes para seus personagens: quando Griff é obrigada a aplicar uma injeção em Mitch, por exemplo, isto se torna relevante não porque envolve ação ou suspense, mas porque sabemos como algo assim pode ser traumatizante para uma criança daquela idade. Infelizmente, os roteiristas não demonstram muita confiança em si próprios, freqüentemente apelando para recursos que consideram potencialmente mais “dramáticos”.

           

Ora, se eu quisesse assistir a um filme sobre confrontos entre ursos e homens, veria No Limite ou Irmão Urso; a presença do animal em Um Lugar para Recomeçar não deveria ter o propósito de gerar tensão, mas sim de servir à metáfora na qual o próprio longa se esforça tanto em investir e que, apesar de óbvia, é suficientemente bem estabelecida para exercer seu propósito narrativo: ver aquele urso violento e imprevisível subjugado e trancafiado em uma pequena cela é um espetáculo tão triste quanto testemunhar os esforços dos demais personagens para que seus sentimentos jamais aflorem. Para Einar, Jean, Griff e Mitch, a jaula na qual vivem é o próprio mundo – e quando este último pede que o amigo liberte o animal que o atacou, está dizendo, em seu próprio modo, que abandone suas mágoas e ressentimentos, libertando-se de uma prisão emocional auto-imposta e voltando ao convívio dos vivos.

 

Esta leitura simbólica, que poderia se tornar patética em função de sua obviedade, sobrevive principalmente graças à bela atuação de Robert Redford, que encarna Einar sem o menor esforço para ocultar a própria idade: despenteado, com a barba sempre por fazer e o hábito de resmungar para si mesmo, Einar é um homem amargurado que acredita ter sido injustiçado pela vida – sem perceber que, bem ao seu lado, o velho amigo Mitch talvez tenha motivos bem mais palpáveis para reclamar e para atribuir a responsabilidade sobre seu acidente a outra pessoa, mas sem jamais fazê-lo. Enquanto isso, Jennifer Lopez comprova ser bem mais eficiente como atriz quando vive uma personagem secundária (Reviravolta, Dança Comigo?), conferindo dimensão dramática a Jean através de sua voz fragilizada e da vulnerabilidade que demonstra frente ao ex-namorado. Porém, a grande revelação de Um Lugar para Recomeçar é a jovem Becca Gardner, que transforma Griff em uma garota real, fugindo do irritante estereótipo da “criança precoce” e transformando-a em uma menina reservada e triste que foi obviamente afetada por todos os atos de violência que foi obrigada a testemunhar ao longo dos anos. É uma performance econômica que jamais deixa de soar real.

 

Embalado por uma bela trilha sonora composta por Deborah Lurie e fotografado com o talento costumeiro por Oliver Stapleton (colaborador habitual do diretor Lasse Hallström), Um Lugar para Recomeçar não se afasta muito do tipo de produção que o cineasta sueco vem comandando nos últimos anos: melodramas supostamente intimistas que freqüentemente descambam para o água-com-açúcar. Aliás, até mesmo o caráter de Einar divide elementos óbvios com os personagens vividos por Michael Caine e Juliette Binoche em Regras da Vida e Chocolate, respectivamente, trazendo uma introspecção e um ar solitário como frutos de tragédias passadas.

 

E, assim como aqueles dois filmes, este seu novo trabalho se revela um esforço bonitinho e com alguns aspectos narrativos interessantes, mas só.
``

 

17 de Março de 2006

 

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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