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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
17/03/2006 09/09/2005 4 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
106 minuto(s)

Garota da Vitrine
Shopgirl

Dirigido por Anand Tucker. Com: Claire Danes, Steve Martin, Jason Schartzman, Bridgette Wilson, Sam Bottoms, Frances Conroy, Rebecca Pidgeon.

 

Roteirizado por Steve Martin a partir de seu livro homônimo, Garota da Vitrine divide com L.A. Story, outro projeto escrito pelo ator, um caráter contemplativo que, num clima docemente triste, se propõe a observar seus personagens com um olhar sempre carinhoso, disposto a perdoar todos os seus tropeços e erros de julgamento. Para Martin, estar vivo é um fato suficientemente digno de júbilo e estabelecer conexões emocionais e psicológicas com outras pessoas é algo que merece celebração, mesmo quando resulta em sofrimento. Esta visão, como não poderia deixar de ser, resulta em um filme que desperta no espectador um sentimento de agradável melancolia, como aquele que experimentamos quando ouvimos uma melodia triste da qual gostamos muito.

           

A história gira em torno de Mirabelle Buttersfield (Danes), balconista da seção de luvas de uma refinada loja de departamentos. Morando em Los Angeles depois de crescer em uma família assustadoramente triste e introspectiva, a moça leva uma existência solitária (até mesmo seu gato se ausenta por longos períodos) até conhecer o estranho Jeremy Kraft (Schwartzman), um artista pobre que parece não fazer a menor idéia de como se comportar apropriadamente em um encontro romântico. Ainda assim, Mirabelle parece disposta a dar uma chance ao rapaz, mas logo muda de idéia ao ser assediada pelo charmoso Ray Porter (Martin), um milionário que, apesar de muito mais velho do que a garota, a atrai de forma inegável.

           

Conferindo humanidade e dimensão a Mirabelle, Claire Danes representa o centro inegável de Garota da Vitrine, numa atuação sensível que deveria ter sido indicada ao Oscar (espaço não faltava: Charlize Theron e Judi Dench foram parar na lista sabe-se lá por quê). Triste e carente, a protagonista passa os dias observando a passagem dos clientes da loja, que raramente param em seu balcão, sem nem sequer poder se sentar ou mesmo reclinar sobre o mostruário, o que feriria as regras de etiqueta do estabelecimento. Constantemente posicionada bem no centro do quadro (o que ressalta sua solidão), Mirabelle evidencia sua necessidade desesperadora de contato físico ao insistir em entregar-se a Jeremy depois de um primeiro encontro absolutamente desastroso. Sentindo-se deprimida e fragilizada, a moça considera-se um rosto perdido no meio da multidão (não somos todos?) – um sentimento que o cineasta tailandês Anand Tucker simboliza de maneira belíssima em um plano no qual, depois de enfocar Mirabelle na cama, recua a câmera (com auxílio de efeitos visuais, claro) por milhares de quilômetros até transformá-la em apenas uma estrela de uma constelação. Mais tarde, Tucker faz o movimento inverso, que se mostra igualmente revelador.

           

Porém, ainda que seja uma mulher obviamente inteligente e independente, Mirabelle acaba parecendo dramaticamente jovem e ingênua ao conhecer Ray, cuja maior experiência de vida se traduz em uma expressão constantemente serena e segura. No entanto, embora seja rico, simpático e interessante, o sujeito é inegavelmente solitário – e sua insistência em cobrir Mirabelle de presentes denota sua incapacidade de se entregar a um relacionamento, como se oferecesse objetos no lugar de seu afeto. Aliás, a existência de Ray é, de certo modo, ainda mais isolada do que a da moça, que, ao menos, preenche seu cotidiano com Arte – para constatar este fato, basta observar como a casa do milionário é impessoal e friamente decorada, enquanto o pequeno apartamento de Mirabelle surge em cores mais intensas e exala personalidade (um belo trabalho de direção de arte, diga-se de passagem). Até mesmo as confidências de Ray acabam sendo feitas ao seu terapeuta, enquanto a protagonista ao menos tem colegas de trabalho com as quais pode dividir algumas de suas experiências.

           

Fechando o trio principal, Jason Schwarztman, que vem se especializando em criar personagens excêntricos (como nos excelentes Três é Demais e Huckabees – A Vida é uma Comédia), adiciona mais um tipo curioso à sua galeria ao encarnar Jeremy como um jovem cujos tiques e gestos excessivos revelam uma imensa inquietação interna. Inegavelmente a figura mais divertida de Garota da Vitrine (ele se envolve em uma troca de identidades hilária), Jeremy encontra, em Mirabelle, o impulso para perseguir as próprias aspirações – e, no processo, aprende (através de CDs de auto-ajuda) que um pouco de suavidade é fundamental ao lidar com as mulheres.  

           

Desta forma, Garota da Vitrine apresenta o público a um triângulo amoroso complicado, já que nossas identificações flutuam de um para outro constantemente – e é inevitável que as experiências particulares de cada espectador o levem a torcer por um ou outro pretendente de Mirabelle. Por um lado, Ray oferece à moça estabilidade e maturidade; por outro, Jeremy oferta seus sentimentos e a intensidade de sua juventude (esta diferença se manifesta até mesmo no conteúdo das caixas vermelhas que a moça recebe em dois momentos: aquela enviada por Ray traz um caríssimo par de luvas; a de Jeremy, uma rosa.). No entanto, o personagem de Steve Martin, provavelmente marcado por experiências românticas mal-sucedidas, nega a Mirabelle o que ela mais deseja: ele próprio. E quando ela indaga, sofrida, “Por que você não me ama?”, a frase assume um caráter mais de apelo do que de pergunta. Sim, Ray supre a carência física da garota (o filme ilustra de forma sensível o prazer do toque, de se sentir o calor da pessoa amada, em um plano-detalhe que traz os rostos de Ray e Mirabelle se roçando), mas não suas necessidades emocionais, igualmente importantes.

           

Sem dirigir um longa-metragem desde o ótimo Hilary e Jackie, de 1998, Anand Tucker volta ao Cinema de maneira promissora em Garota da Vitrine, impressionando já desde o plano inicial do filme, no qual a câmera desliza por batons e vidros de perfume, percorrendo vários andares até encontrar Mirabelle atrás de seu balcão. Além disso, seus quadros procuram sempre transmitir idéias e emoções – e quando Ray substitui Mirabelle no centro absoluto do enquadramento, a mudança não ocorre por acaso. Da mesma forma, Tucker (ao lado do diretor de fotografia Peter Suschitzky) utiliza o céu de Los Angeles de maneira sempre evocativa: quando a protagonista encontra-se feliz, o firmamento surge repleto de cores e a luz do sol brilha sobre os prédios; quando se entristece, nuvens e relâmpagos surgem sobre a cidade. (Apesar de soar óbvio, isto é feito de maneira sutil e delicada, acreditem.)

           

Apesar de tudo, Garota da Vitrine incorre em um ou outro erro que compromete pontualmente a experiência, a começar pela narração totalmente dispensável que se limita a frisar idéias e sentimentos já transmitidos com eficiência pela história, soando ofensivamente explicativa. Da mesma maneira, a resolução encontrada pelo roteiro (que não vou revelar, obviamente) é decepcionantemente maniqueísta, renegando a complexidade do restante do filme, que até então se encarregara de ilustrar que, por mais que entremos em um relacionamento estabelecendo regras e limites para nosso próprio envolvimento, estas “condições” voam pela janela assim que aceitamos nos encontrar com a outra pessoa pela segunda vez.

 

Pois até mesmo a decisão de se manter distante para evitar a dor de um possível rompimento traz riscos inevitáveis para quem a toma: entre outras coisas, a terrível frustração de não se permitir amar.
``

 

17 de Março de 2006

 

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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