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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
18/07/2003 01/01/1970 5 / 5 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
125 minuto(s)

A Viagem de Chihiro
Sen to Chihiro no kamikakushi

Dirigido por Hayao Miyazaki. Com as vozes (no original) de Rumi Hîragi, Miyu Irino, Mari Natsuki, Takashi Naitô, Yasuko Sawaguchi, Yumi Tamai; e (em português) de Ana Lúcia Granjeiro, Selma Lopes, Felipe Drummond, Jomeri Pozzolli, Iara Riça, Clécio Souto e Priscila Amorim.

Há tantos seres mágicos em A Viagem de Chihiro, mais recente animação do mestre japonês Hayao Miyazaki, que, em determinados momentos, até mesmo as criaturas vistas na história se espantam umas com as outras. Porém, não se enganem: apesar de se passar em um universo fantasioso e contar com uma galeria de personagens fantásticos, o filme dificilmente poderia ser considerado como um trabalho voltado para o público infantil. Ao contrário: repleta de pausas na ação e de silêncios contemplativos, esta produção certamente será muito mais apreciada pelos adultos do que pelo público mais jovem, que pode, inclusive, se assustar com certas passagens mais sombrias da projeção.

Roteirizado pelo próprio Miyazaki, A Viagem de Chihiro gira em torno de uma garotinha (sim, a Chihiro do título) cujos pais decidem mudar de cidade. Durante a viagem em direção ao seu novo lar, no entanto, a família da menina se perde e acaba encontrando um túnel no meio da floresta. Curiosos, os dois adultos resolvem descobrir o que há do outro lado, para desespero de sua filha, que pressente algo de errado no ar. Convencidos de que acharam as ruínas (bem conservadas) de um parque temático desativado, os pais de Chihiro se surpreendem quando avistam uma mesa repleta de guloseimas – e decidem experimentar a comida. Recusando-se a participar da refeição, a pequena Chihiro se afasta dali e encontra um misterioso garoto, Haku, que a alerta sobre o perigo de permanecer naquele local depois do pôr-do-sol. Infelizmente, o aviso chega tarde demais, e a garota se apavora ao descobrir que seus pais se transformaram em porcos e que o tal `parque temático` é, na realidade, uma casa de banhos freqüentada por deuses. Agora, ela precisará se adaptar àquele mundo assustador enquanto tenta encontrar, com a ajuda de Haku, uma forma de salvar os adultos.

Como se pode notar, a trama de A Viagem de Chihiro representa um verdadeiro pesadelo de criança: sozinha no mundo e sem poder contar com a ajuda dos pais, a protagonista mergulha em um lugar estranho e habitado por fantasmas. Determinado a transformar a jornada da menina em um verdadeiro terror, Miyazaki cria cenários grandiosos e assustadores, como a longa escadaria de madeira que, sem possuir corrimãos, situa-se a quilômetros de altura do chão – o que obriga Chihiro a percorrê-la sentada, degrau por degrau. Não foi à toa que, ao longo dos 125 minutos de projeção, escrevi a palavra `assustador` em meu bloco de anotações nada menos do que 9 vezes, sempre em relação a elementos diferentes da história – e minha observação final foi a seguinte: `É como se David Lynch tivesse dirigido sua própria versão de Alice no País das Maravilhas`. Mais sombrio e assustador, impossível.

Não que A Viagem de Chihiro não tenha seus momentos de humor; porém, quando os risos chegam, são provocados, em sua maioria, por um sentimento de estranheza ou por alívio depois de um acontecimento mais tenso. Esta tendência, aliás, se reflete no visual dos próprios personagens, que, ao contrário de boa parte das animações, nada têm de `engraçadinhos` (excetuando-se, é claro, o ratinho e a pequena ave que passam a acompanhar Chihiro no terceiro ato do filme, e que são as únicas criaturas da história que podem ser descritas como `adoráveis`). Tomemos, como exemplo, a assustadora (olha aí o adjetivo novamente!) Yubaba: enrugada, rouca e dona de uma cabeça descomunal, a dona da casa de banhos entra em cena de forma marcante, fumando e exalando uma densa fumaça pelo imenso nariz. Em contrapartida, Miyazaki dá uma bela lição sobre o erro de se julgar alguém pela aparência ao apresentar Kamajii, um personagem cujos vários braços o fazem lembrar uma aranha, mas que, na realidade, possui um grande coração.

Possuindo um tom claramente episódico, o roteiro de A Viagem de Chihiro apresenta vários desafios diferentes para sua heroína, o que, em certos instantes, compromete o foco da história: uma importante personagem (Zeniba), por exemplo, só é apresentada ao espectador depois da metade da projeção, o que geralmente configura um grave erro narrativo. Além disso, nem todos os `episódios` são igualmente interessantes: embora a visita do enlameado espírito do rio (uma outra bela lição do diretor) seja fascinante, o mesmo não pode ser dito sobre os incidentes relacionados a outro personagem, o Sem-Rosto – cujas motivações jamais são esclarecidas, apesar de seu destaque na trama (por que seu caráter varia de acordo com o lugar em que se encontra? E qual foi seu destino, afinal de contas?).

Por outro lado, Chihiro é uma protagonista admirável: inicialmente retratada como uma criança aborrecida, a garota se torna gradualmente mais madura e corajosa, crescendo (emocionalmente) diante de nossos olhos. Além disso, a cuidadosa animação de Miyazaki acrescenta detalhes que enriquecem a caracterização da personagem: observe, por exemplo, a forma com que a garota cruza os braços e aperta-os contra o corpo em um momento de maior ansiedade (ou como dá saltinhos de aflição diante da teimosia dos pais; e perceba, também, a sutileza com que ela calça os sapatos, dando um chutinho no chão para ajustá-los aos pés – são particularidades como estas que fazem do cineasta um dos mais respeitados em seu campo de atuação.

Apesar de um pouco longo, A Viagem de Chihiro é uma das animações mais interessantes dos últimos anos, sendo igualada somente pelas produções da Pixar. Aliás, é curioso observar que, assim como os projetos da própria Pixar, este filme também foi distribuído nos Estados Unidos pela Disney, cujo departamento de animação vem decepcionando em seus trabalhos mais recentes. Ao que parece, a empresa simbolizada por Mickey Mouse está seguindo o velho ditado: se não pode vencê-los, junte-se a eles.
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30 de Junho de 2003

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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