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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
28/01/2005 16/06/2004 1 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
120 minuto(s)

A Volta ao Mundo em 80 Dias - Uma Aposta Muito Louca
Around the World in Eighty Days

Dirigido por Frank Coraci. Com: Jackie Chan, Steve Coogan, Jim Broadbent, Karen Mok, Cécile De France, Macy Gray, Arnold Schwarzenegger, Sammo Hung, Rob Schneider, Daniel Wu, Luke Wilson, Owen Wilson, Mark Addy, John Cleese, Kathy Bates.

Se eu fosse descendente de Júlio Verne, certamente processaria os produtores desta adaptação pavorosa de A Volta ao Mundo em 80 Dias – não por desrespeitarem a obra original, já que esta agora é de domínio público, mas simplesmente por mancharem o nome da família ao incluí-lo nos créditos iniciais. E, afinal de contas, por que os responsáveis por esta... coisa... julgaram necessário citar o livro de Verne como inspiração, já que, aparentemente, não o consideravam bom o bastante para originar um longa-metragem? A falta de confiança no material original é tamanha que o trio de roteiristas bolou uma forma `genial` de enriquecer a história: recheá-la de gags físicas ao melhor estilo Adam Sandler. Aliás, parabéns à distribuidora brasileira por acrescentar o subtítulo Uma Aposta Muito Louca ao nome do filme: óbvio, genérico e tolo, ele é mais do que apropriado ao material.

Co-produzida por Jackie Chan, esta nova versão do clássico de Júlio Verne mantém apenas o enredo básico do livro: um inventor fascinado pelas conquistas modernas da Humanidade aposta com seus pedantes colegas acadêmicos que, graças aos novos meios de transporte, tornou-se possível dar a volta ao mundo em apenas 80 dias – um feito fabuloso para a época, o final do século 19. Em suas viagens, Phileas Fogg, sempre acompanhado de seu valete Passepartout, vive perigosas aventuras enquanto tenta cumprir o prazo estipulado. A diferença é que, no filme, o foco se desvia de Phileas para Passepartout, já que este é interpretado por Chan, que, além de produtor do projeto, é um astro bem mais famoso do que Steve Coogan, escalado para viver o inventor. Como resultado, o longa traz várias seqüências de luta nas quais vemos o ator protagonizando suas amalucadas coreografias habituais (aqui, bem menos inspiradas do que de costume), utilizando todos os objetos de cena que surgem em seu caminho.

Além disso, como já apontei, o roteiro subestima o produto da imaginação de Verne e, para prender o espectador, investe em um humor rasteiro e previsível: quando alguém percorre as ruas de Londres em alta velocidade, por exemplo, é certo que irá se deparar com uma dupla de carregadores transportando algum objeto cujo único propósito é ser destruído em uma das gags mais velhas do Cinema. E o que seria de uma `comédia` como esta se os realizadores não incluíssem diversas piadinhas que mostram seus personagens sendo repetidamente atingidos nos genitais? Ah, e é claro que não há nada mais engraçado do que fazer alguém falar mal de uma pessoa que se encontra nas proximidades apenas para encerrar o discurso ofensivo com um hilário: `Ela está atrás de mim, não está?`. Melhor do que isso, só mesmo ver os heróis fazendo caretas enquanto tomam uma bebida forte...

Comandado por Frank Coraci, o sujeito responsável por O Rei da Água, A Volta ao Mundo em 80 Dias – Uma Aposta Muito Louca (gargalhadas) conta com uma direção em que o histerismo tenta se passar (sem sucesso) por timing cômico. Provando sua total falta de talento, Coraci demonstra não ter idéia sequer da geografia de suas seqüências: quando Monique (De France) atira uma bolsa de um balão, por exemplo, o objeto cai ao lado de uma velhinha que já ficara a centenas de metros de distância. Já para ilustrar a decisão de Passepartout em se tornar criado de Phileas, o cineasta – subestimando o espectador – inclui inúmeros planos em que o personagem de Chan vê policiais que o estão perseguindo, numa falta de sutileza que faria Jerry Bruckheimer se orgulhar.

Mas não é só isso: considerando-se que estamos tratando de um filme cujo título é A Volta ao Mundo em 80 Dias, é impressionante constatar que o espectador jamais tem a oportunidade de compreender o trajeto da jornada empreendida pelos heróis e nem mesmo de perceber sua magnitude – e as péssimas vinhetas digitais que tentam situar o público falham miseravelmente em seu objetivo.

Como se não bastasse, Coraci obriga seu elenco a criar performances tão histéricas e inverossímeis quanto o restante do filme (pelo menos, ele é coerente em sua mediocridade), levando o geralmente talentoso Jim Broadbent a atravessar a projeção gritando e atirando elementos do cenário para todos os lados. Enquanto isso, Steve Coogan, um comediante genial que já brilhara em A Festa Nunca Termina e no médio Um Agente em Apuros, aqui se apaga diante da necessidade de servir de escada para Jackie Chan – que, por sua vez, não sai do tipo básico que vem interpretando em todos os seus projetos realizados em Hollywood. Já Cécile De France apenas aborrece como o enjoado interesse amoroso de Phileas Fogg.

O fato é que, mais do que uma adaptação de um livro de Júlio Verne, esta refilmagem de A Volta ao Mundo em 80 Dias é um veículo para Jackie Chan, aproximando-se mais dos projetos de ação do astro do que da aventura concebida pelo escritor francês. E, ainda que a versão estrelada por David Niven e Cantinflas em 1956 estivesse longe de ser perfeita (seu Oscar de Melhor Filme é um embaraço até hoje), ao menos sua fotografia era belíssima e sua escala, grandiosa. Além disso, foi aquele longa que inventou o conceito de `ponta`, incluindo participações brevíssimas de astros como Frank Sinatra, Buster Keaton, Marlene Dietrich e John Gielgud – um contraste revelador com os convidados `especiais` desta refilmagem: Arnold Schwarzenegger, Macy Gray e Rob Schneider, entre outros.

Ainda assim, devo confessar que me identifiquei bastante com um dos personagens vistos ao longo da projeção – aquele chinês que, preso em uma caixa de madeira como punição por urinar em público, protesta: `Deixem-me sair daqui! Estou entediado!`.

A diferença é que eu não havia cometido crime algum.
``

23 de Janeiro de 2005

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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