Seja bem-vindx!
Acessar - Registrar

Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
15/12/2006 01/01/1970 4 / 5 4 / 5
Distribuidora

Por Água Abaixo
Flushed Away

Dirigido por David Bowers, Sam Fell. Com as vozes de Hugh Jackman, Kate Winslet, Bill Nighy, Jean Reno, Ian McKellen, Andy Serkis, Shane Richie.

 Depois de quase 30 anos dedicados à animação em stop motion, o estúdio britânico Aardman fez, em 2006, sua primeira incursão aos longas criados em computador com este Por Água Abaixo, aproveitando técnicas desenvolvidas para gerar os coelhos flutuantes de Wallace e Gromit: A Batalha dos Vegetais – mas para quem temia que a adoção de novas técnicas de produção pudesse comprometer o estilo e o senso de humor típicos dos realizadores (e confesso que eu tinha este receio), a notícia não poderia ser melhor: embora animados digitalmente, os personagens deste novo longa trazem, em seus designs e personalidades, as características que fizeram dos filmes da Aardman um repositório constante de histórias engraçadas e envolventes.

Dirigido pelos estreantes David Bowers e Sam Fell, Por Água Abaixo acompanha as aventuras do rato domesticado Roddy, que vive uma existência de luxo e solidão em sua imensa gaiola em um apartamento da classe alta, em Londres. Certo dia, depois que seus donos viajam, Roddy recebe a indesejada visita de um rato de esgoto – e, ao tentar expulsá-lo, acaba sendo despejado através do vaso sanitário. Para sua surpresa, no entanto, o inseguro rato descobre a existência de uma mini-metrópole (infinitamente mais impressionante do que aquela de Vida de Inseto) no subterrâneo londrino habitada por ratos, sapos e lesmas. Ao tentar voltar para casa, ele se envolve com a corajosa Rita, que está sendo perseguida pelo cruel Sapo, cujos planos malignos exigem a utilização de um cabo de força que está em poder da ratinha.

Ágil desde a primeira cena, o filme mantém um ritmo acelerado durante toda a narrativa: em menos de dez minutos de projeção, já fomos apresentados ao cotidiano solitário de Roddy e acompanhamos sua descida pelo cano da descarga. Isto, aliás, contribui para o tom de diversão quase histérica de Por Água Abaixo, que é beneficiado pelo pleno domínio de timing cômico da equipe da Aardman, que utiliza praticamente todo tipo de humor para levar o espectador às gargalhadas: gags físicas; sátira (a câmera lenta, acompanhada de trilha melosa, que ilustra os olhares apaixonados entre Roddy e Rita; paródia (“Para o ratomóvel!”; e, é claro, a metalinguagem (em vários momentos, sons que seriam intervenções da montagem, como narrações em off ou acordes sombrios, são originados por personagens que se encontram em cena). Além disso, os comentários musicais feitos pelas lesmas cantoras jamais deixam de surpreender e divertir.

Há, também, instantes em que Por Água Abaixo se entrega a alusões culturais e regionais que geralmente acertam seus alvos com um cinismo hilário: se o esnobismo britânico e a desilusão dos ingleses com sua seleção de futebol são alfinetadas auto-depreciativas da equipe de Peter Lord (realizador que também é chefão da Aardman, ao lado de Nick Park), os norte-americanos também sofrem a acusação habitual de falta de cultura através da figura de dois ratos turistas texanos. E, como não poderia deixar de ser, é claro que também sobra para os franceses: primeiro, através de um sapo mímico apropriadamente chamado de Marcel (só faltou o sobrenome Marceau) e, em seguida, com uma provocação que se tornou comum nos Estados Unidos pós-11 de Setembro - e o filme é um co-produção de Hollywood: aquela que acusa a França de “covardia”, já que o país se recusou a apoiar a invasão ao Iraque (os filhotes de republicanos adoram lembrar que libertaram – sozinhos, pelo jeito! - os franceses na Segunda Guerra Mundial, esquecendo-se convenientemente de que a França foi determinante na batalha contra a Inglaterra, quando os norte-americanos lutavam por sua independência do Império Britânico).

Enquanto isso, em seu design de produção (o que inclui, obviamente, o visual dos personagens), Por Água Abaixo é extremamente fiel ao estilo característico da Aardman, com suas figuras de bocas largas e supercílios marcados e expressivos. Além disso, os movimentos dos personagens evitam sempre a fluidez típica da animação digital, optando por simular os pequenos saltos entre posições característicos do stop motion – e a única diferença realmente marcante entre as duas técnicas diz respeito às cenas envolvendo água, algo que o stop motion evidentemente encontra maior dificuldade em simular (e foi este o motivo, diga-se de passagem, que levou a Aardman a optar pelos computadores nesta produção). O mais curioso, no entanto, é que os responsáveis pela criação dos personagens de Por Água Abaixo fizeram questão de incluir, nos rostos das criaturas, as pequenas imperfeições tão comuns nos bonecos de plasticina, estreitando ainda mais a relação entre Roddy, Rita e companhia e os protagonistas de produções como Wallace e Gromit e A Fuga das Galinhas: observem, por exemplo, os pequenos furinhos na sobrancelha do rato albino Whitey ou as marcas de “manipulação” (!) no imenso papo do Sapo e poderá constatar este preciosismo divertido dos realizadores deste filme.

Leve e divertido, Por Água Abaixo é a comprovação definitiva de que a sensibilidade e o senso de humor particulares da Aardman não se encontram em suas técnicas de produção, mas nos corações e mentes de seus integrantes – e, através do stop motion ou da animação digital, os esforços do estúdio provavelmente continuarão a nos divertir por muito tempo.

14 de Dezembro de 2006

Comente esta crítica em nosso fórum e troque idéias com outros leitores! Clique aqui!

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

Para dar uma nota para este filme, você precisa estar logado!