Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
02/02/2007 | 01/01/1970 | 4 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
100 minuto(s) |
Em 1977, o fabuloso Philip K. Dick lançou o fascinante livro A Scanner Darkly, que, baseado em suas próprias experiências com as drogas, era dedicado aos vários amigos do autor que morreram ou se tornaram debilitados em função do vício. Não é surpresa, portanto, que o cineasta Terry Gilliam tenha demonstrado tanto interesse em adaptar o texto de Dick para as telas – e, de certa forma, é possível que tenha finalmente encontrado uma forma de fazê-lo através do tematicamente similar Medo e Delírio, de 1998, também baseado nas experiências pessoais de um talentoso escritor (no caso, Hunter S. Thompson).
Pois coube a Richard Linklater a tarefa de conduzir A Scanner Darkly (no Brasil, O Homem Duplo) aos cinemas. Trabalhando a partir de seu próprio roteiro, o cineasta reconta a história de Bob Arctor (Reeves), um policial disfarçado que, num futuro não muito distante, se torna amigo de um grupo de drogados com o objetivo de descobrir a origem da poderosa “substância D”, novo narcótico de preferência dos viciados. Em um mundo vigiado por câmeras escondidas, Bob aos poucos vai perdendo a própria identidade em função das drogas que é obrigado a usar – e percebe que terá pouco tempo para concluir suas investigações antes de ser completamente destruído pela substância D.
Voltando a trabalhar com a rotoscopia, técnica de animação empregada em seu maravilhoso Waking Life e que consiste em utilizar a ação rodada com atores de carne-e-osso como base para os desenhos, Linklater demonstra ter feito a escolha acertada por ganhar imensa liberdade para criar um universo fluido que faça jus à degradação psíquica de seu protagonista – além de fazer uma imensa economia, já que os efeitos visuais exigidos pela história de Philip K. Dick certamente elevariam o orçamento à faixa das dezenas de milhões de dólares. Observem, por exemplo, os “disfarces” empregados pelos agentes secretos em seus contatos uns com os outros: além de extremamente complexos (imaginem o esforço que seria necessário para criar uma versão “real”), eles se mostram integrais à narrativa por funcionarem como um símbolo da própria fragmentação de Bob, que, assim como as partes em constante rotação dos “disfarces”, parece cada vez mais ser formado por pedaços de personalidade que jamais se encaixam.
Mas não é só isso: a rotoscopia permite, também, que Linklater crie uma sensação extremamente incômoda no espectador, já que a animação constrói cenários que o ajudam a simular o estado alucinatório dos personagens – e jamais temos completa certeza de que o que estamos vendo em determinado instante é real ou uma projeção das fantasias do protagonista e seus amigos. Além disso, o contraste entre os indivíduos e a fluidez dos cenários que os cercam altera nossa perspectiva, tornando a percepção de profundidade pouco confiável e gerando a impressão de que os personagens estão flutuando contra o fundo – o que, mais uma vez, funciona como metáfora da própria condição social daquelas pessoas, que realmente não se encaixam na Sociedade.
Também como conseqüência do constante uso de drogas, as discussões entre Bob, James Barris (Downey Jr.) e Ernie Luckman (Harrelson) soam ilógicas e vazias, embora geralmente divertidas – e, em vez de representar uma deficiência do filme, a natureza inconseqüente destes diálogos é importante ao revelar muito sobre a natureza e o comportamento destes indivíduos, da paranóia constante de James à personalidade influenciável de Ernie, que constantemente se deixa levar pelos delírios do amigo. Enquanto isso, a pílula vermelha representada pela substância D e ingerida com freqüência pelo personagem de Reeves acaba estabelecendo um irônico paralelo com Matrix, que também contava com uma outra cápsula de cor semelhante para manter o protagonista distante da realidade.
Acabando por revelar-se bem mais complexa do que poderíamos supor a princípio, a trama de O Homem Duplo nos apresenta a um mundo sombrio e ameaçador no qual a máxima “os fins justificam os meios” acaba atingindo dimensões assustadoras. Assim, saímos da sala de projeção angustiados, mas também aliviados por finalmente podermos voltar à nossa realidade deficiente, mas comparativamente aconchegante.
03 de Fevereiro de 2007
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