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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
12/09/2003 11/07/2003 1 / 5 3 / 5
Distribuidora
Duração do filme
110 minuto(s)

A Liga Extraordinária
The League of Extraordinary Gentlemen

Dirigido por Stephen Norrington. Com: Sean Connery, Peta Wilson, Naseeruddin Shah, Tony Curran, Stuart Townsend, Shane West, Jason Flemyng e Richard Roxburgh.

A idéia é genial: se Superman, Batman e a Mulher-Maravilha podiam fazer parte de uma `Liga da Justiça`, por que alguns dos grandes heróis (e anti-heróis) da literatura não poderiam fazer o mesmo? Foi com este conceito em mente que Alan Moore e Kevin O’Neill produziram As Aventuras da Liga Extraordinária, uma série em quadrinhos que apresentava ao mundo um curioso grupo formado pelo aventureiro Allan Quatermain (criado por H. Rider Haggard), pela vampira Mina Harker (interessante liberdade tomada com a personagem de Bram Stoker), pelo bravo Capitão Nemo (de Júlio Verne), pelo instável Dr. Henry Jekyll e seu alter-ego Mr. Hyde (de Robert Louis Stevenson) e pelo Homem Invisível (de H.G. Wells), que teve seu nome alterado de Hawley Griffin para Rodney Skinner em função de problemas envolvendo os direitos do personagem para o Cinema. Além destes, que já apareciam na série original, a versão cinematográfica traz o narcisista Dorian Gray (de Oscar Wilde) e também Tom Sawyer (que aparece sem Huckleberry Finn, seu companheiro no livro de Mark Twain).

Infelizmente, o ego de Sean Connery (que também é produtor executivo do projeto) e a falta de talento do roteirista James Dale Robinson acabaram desperdiçando uma premissa que poderia gerar uma série de filmes interessantes, protagonizados por diferentes Ligas. Para início de conversa, o roteiro é uma bagunça: apesar de encontrar uma trama até mais curiosa do que a dos quadrinhos (que girava em torno de uma certa `carvorita`), Robinson mostra-se incapaz de aproveitar o que a série ilustrada tinha de melhor: a conflituosa relação entre os personagens e seu quase anárquico senso de humor. Se o texto de Alan Moore tratava os heróis como pessoas com defeitos e virtudes, o filme limita-se a resumi-los às suas características principais: o `aventureiro`, a `vampira`, e assim por diante.

Composta por indivíduos com fortes personalidades e sujeitos a cometer falhas, a Liga dos quadrinhos era vulnerável e, por isso, fascinante – afinal, que confiança poderíamos ter em um plano que contasse com a participação de um psicótico (o Homem Invisível) e de um sujeito que, de uma hora para outra, poderia perder o controle e se transformar em uma besta irracional (Dr. Jekyll)? Pois, no filme, esta tensão é completamente dissipada: Skinner nada tem de psicótico e o Dr. Jekyll é capaz de controlar suas transformações, que só ocorrem quando ele (até dói, escrever isso) toma sua poção. Enquanto isso, Mina, que era a figura mais enigmática dos quadrinhos, funcionando como líder do grupo, torna-se uma personagem secundária, e sua natureza `vampiresca` (jamais revelada claramente no original) ganha destaque.

Mas a maior modificação diz respeito a Quatermain, vivido por Sean Connery - que, de viciado em ópio, transformou-se em um homem traumatizado pelas perdas pessoais (aliás, eu deveria colocar `traumatizado` entre aspas, já que este traço de seu comportamento só é enfocado quando interessa ao roteiro). E o que é pior: onde está a fragilidade de um homem já idoso e corroído pelas drogas? Aliás, mesmo que ignoremos o ópio, Quatermain (e Connery) não tem mais idade para combater simultaneamente vários inimigos (cujas idades, somadas, provavelmente não ultrapassam a do herói). Em certo momento, o filme chega a dar sinais de que irá abordar o envelhecimento do personagem, somente para ignorar o assunto no restante da história, o que é uma pena.

Por outro lado, confesso que gostei da adição de Dorian Gray à Liga – embora sua invulnerabilidade provavelmente irrite os fãs de Oscar Wilde. Presunçoso e cínico, Gray apresenta justamente as características ambíguas que enriqueciam os demais integrantes do grupo na versão em quadrinhos. Já Tom Sawyer, que foi acrescentado apenas para agradar ao público americano (que, aparentemente, não gostaria de ver um filme estrelado apenas por figuras britânicas), representa bem seu `público-alvo`: é medíocre, pedante e metido a herói. Como se não bastasse, sua idade é a única que não corresponde à retratada no livro que o originou, já que ele deveria ser décadas mais velho.

Porém, até agora analisei A Liga Extraordinária apenas em comparação à série em quadrinhos. Fica a pergunta: quem não leu o trabalho de Moore e O’Neill vai gostar do filme? Minha resposta: acredito que não, já que o péssimo roteiro, que se transforma em uma verdadeira bagunça a partir da metade da projeção, jamais consegue tornar a trama envolvente – ou mesmo lógica. Em certo momento, por exemplo, os vilões tentam destruir Veneza ao provocar a queda de um prédio – que, em um `efeito dominó`, derrubaria toda a cidade. Para evitar que isso aconteça, Tom Sawyer, dirigindo um carro extremamente veloz (algo incrível, já que o automóvel ainda não havia sido inventado), procura ultrapassar a `onda de destruição` e enviar um sinal para que um míssil interrompa o ciclo. Faço apenas dois comentários: 1) imaginem se o desabamento daquele hotel no centro do Rio de Janeiro provocasse o fim de toda a cidade? 2) É curioso que Sawyer tenha conseguido percorrer as ruas de Veneza em seu carro, já que... a cidade não possui ruas! Mas esperar um mínimo de lógica de uma produção como A Liga Extraordinária é pedir demais, creio eu.

Já esperar bons efeitos visuais é algo natural, considerando-se que o projeto custou quase 80 milhões de dólares. Porém, até mesmo sob este aspecto A Liga Extraordinária decepciona: das ondas provocadas pelo submarino Nautilus aos braços de Mr. Hyde, o filme impressiona pela falta de competência das quase vinte empresas (!) responsáveis pelo trabalho.

E se você acha que não há como o filme ficar pior, tenho uma triste notícia: você se lembra da `capa mágica` que permitia que Demi Moore voasse, em As Panteras – Detonando? Pois é... ao que parece, estas capas estão na moda. Preciso dizer algo mais?
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12 de Setembro de 2003

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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