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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
25/07/2008 24/07/2008 2 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
104 minuto(s)

Arquivo X: Eu Quero Acreditar
The X Files: I Want to Believe

Dirigido por Chris Carter. Com: David Duchovny, Gillian Anderson, Amanda Peet, Billy Connolly, Xzibit, Callum Keith Rennie, Fagin Woodcock, Mitch Pileggi, Alex Diakun, Nicki Aycox.

 

Embora saiba o suficiente sobre a série Arquivo X para compreender as motivações principais dos protagonistas (o desaparecimento da irmã de Mulder, a natureza do bebê William, etc), devo confessar que minha familiaridade com os personagens não é o bastante para que a simples nostalgia em revê-los sirva para equilibrar as diversas falhas que, como longa-metragem, este Eu Quero Acreditar exibe. E ainda que os fãs da série sejam capazes de perceber referências que certamente ignorei, o fato é que minha obrigação é avaliar o filme como elemento isolado ou associado ao longa de 98, que acho razoável.

 

Escrito pelo criador da série, Chris Carter, ao lado de outro veterano roteirista de Arquivo X, Frank Spotnitz, este novo projeto reencontra Fox Mulder (Duchovny) e Dana Scully (Anderson) anos depois da saída de ambos do FBI. Convocado pela agência para auxiliar nas buscas de uma agente desaparecida, Mulder é apresentado ao ex-padre Joseph (Connolly), que alega ter visões que podem indicar o paradeiro da moça. Scully, porém, acaba enfrentando dificuldades para aceitar a presença do sujeito, condenado no passado por pedofilia, e mais uma vez se vê irritada diante da insistência do parceiro em acreditar tão facilmente no sobrenatural.

 

Marcando a estréia de Carter na direção de longas (o anterior foi comandado por Rob Bowman), Eu Quero Acreditar conta com uma introdução bastante eficaz em seu propósito de mergulhar o espectador imediatamente num forte estado de tensão: construindo o ataque à agente Bannan de maneira inteligente, o cineasta e o montador Richard Harris (colaborador antigo de James Cameron) introduzem gradualmente os elementos da seqüência, como os latidos insistentes de um cão, uma sombra que atravessa rapidamente a tela e o rastro gelado da respiração de um bandido que se encontra posicionado para o ataque. Além disso, ao optar por uma montagem paralela que revela também a ação dos agentes do FBI no dia seguinte, Carter aumenta nossa inquietação – e não é à toa que, ao longo da projeção, este recurso da montagem paralela voltará a ser utilizado fartamente. Assim, não deixa de ser decepcionante que, em certo momento, o diretor apele também para o terrível clichê da mão que, surgindo subitamente na tela acompanhada de um alto acorde na trilha, revela-se inofensiva, escancarando sua natureza artificial de truque barato para assustar o espectador.

 

Por outro lado, não há nada de decepcionante na impecável fotografia de Bill Roe, que, embora mais habituado à TV, uma mídia que claramente favorece quadros mais fechados, demonstra talento nos ótimos planos gerais que exploram bem as frias paisagens canadenses. Aliás, a brancura opressiva criada pelas tempestades de neve representa um fator determinante na construção da tensão de Eu Quero Acreditar, criando, também, um sentimento de isolamento similar àquele concebido por Kubrick em seu O Iluminado. Da mesma forma, a escuridão constante na qual os personagens vivem – e que, esteticamente, compõe um contraste belíssimo com a neve farta – faz eco temático com o estado de espírito daquelas pessoas (e não é por acaso que Scully, que declara seu propósito de fugir daquilo, é a única a ser vista com freqüência em ambientes mais claros - como o hospital no qual faz um trabalho do qual se orgulha).

 

Já a dinâmica entre Mulder e Scully, que deveria servir como fio condutor da narrativa, é sabotada, curiosamente, pelo excesso de familiaridade com que é desenvolvida pelo roteiro: acostumados a retratar Mulder como o intuitivo e Scully como a cética, Carter e Spotnitz permitem que estas características sejam o bastante para defini-los, perdendo a oportunidade de torná-los mais complexos. Além disso, a própria natureza da relação mantida pelos dois soa artificial: em primeiro lugar, é estranho que, naquelas circunstâncias, eles continuem a se tratar apenas pelos sobrenomes; e, em segundo, é simplesmente inacreditável que decidam se afastar um do outro de forma tão abrupta, ignorando os anos e anos de convivência e evitando até mesmo discutir mais cuidadosamente a questão (e não, não revelei nada importante; até mesmo os roteiristas tratam esta subtrama como um mero recurso para criar algum conflito que mantenha a história andando).

 

Em contrapartida, o ex-padre vivido por Billy Connelly confere certa complexidade ao filme em função de sua própria natureza contraditória: condenado por pedofilia, ele parece sinceramente arrependido (mais: horrorizado) com relação ao seu passado – e, assim, encara suas visões como uma oportunidade única de fazer a vontade de Deus (já Scully acredita que, ao forjar sua paranormalidade, o sujeito quer apenas fazer com que todos esqueçam o que fez, o que não deixa de ser uma leitura plausível e interessante). Da mesma maneira, Eu Quero Acreditar (como o próprio subtítulo indica) busca discutir a necessidade do ser humano de acreditar em algo além do mundano; algo que indique um propósito maior para nossa existência – e se Mulder mostra-se receptivo à idéia do sobrenatural e do fantástico, isso se deve não apenas à sua compreensão acerca da própria mortalidade, mas também ao seu desejo de acreditar na possibilidade de que sua irmã ainda possa retornar – e, em boa parte das vezes, não nos forçamos a acreditar em algo maior justamente quando mais precisamos de um conforto que só o desconhecido pode nos oferecer?

 

É lamentável, portanto, que o roteiro deixe estas interessantes questões de lado para se concentrar numa trama ridícula que se torna cada vez mais embaraçosa à medida que se aproxima de seu desfecho: apelando para um número excessivo de coincidências, a história acaba parecendo ter sido reciclada de um pavoroso filme de “terrir” (não digitei errado; é “terrir” mesmo) protagonizado por Ray Milland em 1972 e cujo título não posso citar, já que isto escancararia a idéia estúpida por trás do mistério de Eu Quero Acreditar (mas estou falando deste longa). Aliás, é curioso: por mais absurdos que sejam os incidentes “sobrenaturais” vistos neste novo Arquivo X, o fato é que, de uma forma ou de outra, estes acabam funcionando muito bem dentro do contexto da narrativa; são os aspectos científicos (ou melhor: “científicos”) que comprometem o filme.

 

Interessantes como o próprio conceito por trás dos tais “arquivos X”, Mulder e Scully certamente merecem um filme melhor do que este fraco Eu Quero Acreditar – e espero que tenham a oportunidade de protagonizar uma nova aventura, já que seria triste ter que admitir que os agentes acabaram se despedindo dos fãs de forma tão profundamente decepcionante.

 

Observação: durante os créditos finais, Mulder e Scully fazem uma última aparição.

 

25nde Julho de 2008

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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