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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
23/01/2004 19/12/2003 2 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
117 minuto(s)

O Sorriso de Mona Lisa
Mona Lisa Smile

Dirigido por Mike Newell. Com: Julia Roberts, Kirsten Dunst, Maggie Gyllenhaal, Marcia Gay Harden, Julia Stiles, Topher Grace, Ginnifer Goodwin, Dominic West.

 

`O Sorriso de Mona Lisa é uma película que apresenta, caro leitor, uma mensagem relevante sobre a posição das mulheres em nossa sociedade: condicionadas a aceitarem o papel de lavadeiras, cozinheiras e arrumadeiras de sua própria família, nossas garotas têm seus potenciais produtivos desperdiçados, já que abandonam quaisquer ambições profissionais em prol de seu destino de donas-de-casa. Parabéns à Sra. Julia Roberts, que utiliza sua influência como grande estrela do firmamento de Hollywood para viabilizar uma fita como esta, que traz uma denúncia importante e polêmica`.

Textos bastante parecidos com o que aparece logo acima provavelmente serviriam de introdução a muitas análises sobre O Sorriso de Mona Lisa caso estivéssemos na década de 40 ou 50 (aliás, é a primeira – e última - vez, nestes quase 10 anos como crítico de cinema, que utilizo a palavra `fita` como sinônimo de `filme`). Infelizmente, este novo trabalho de Julia Roberts foi produzido em 2003 – e, portanto, é um pouco difícil levá-lo a sério, já que sua postura de `filme-denúncia` soa, no mínimo, anacrônica. É claro que, ainda hoje, as mulheres são discriminadas em muitos meios profissionais, chegando a receber menos do que os colegas do sexo masculino que exercem funções semelhantes, mas o roteiro de Lawrence Konner e Mark Rosenthal (dois homens, vale notar), em sua tentativa desesperada de emocionar através da coragem de sua protagonista (uma pseudo-feminista), soa simplista e ultrapassado.

Quando escrevi sobre As Loucas Aventuras de James West, propus que imaginássemos como havia sido a conversa entre os executivos que aprovaram o projeto; agora, sugiro darmos uma espiada no primeiro tratamento do roteiro de O Sorriso de Mona Lisa – ou, pelo menos, em uma hipotética versão do mesmo*:

 

INT. SALA DE AULA (ESCOLA WELLESLEY) – DIA

 

JULIA ROBERTS
Bom dia, turma. Meu nome é Julia Roberts.
Desde que ganhei o Oscar por Erin Brockovich,
não protagonizei filme algum, preferindo dividir
a cena com outros astros ou mesmo fazer pontas
em algumas produções. Já estava passando da hora
de voltar a ser estrela de algum longa.

 

TURMA
(em coro)
Bom dia, sra. Roberts!

 

JULIA ROBERTS
Pois bem. Aceitei participar deste filme por julgar
que ele terá um grande impacto dramático, contando
com várias cenas emocionantes. Afinal, sou uma professora
moderna em uma escola tradicional – e é uma honra lecionar
na Welton Academy.

 

TURMA
(em coro)
Mas este é o Colégio Wellesley!

 

JULIA ROBERTS
(confusa)
Hein? Ora, de onde tirei o nome Welton Academy?

 

TURMA
(em coro)
Este era o nome da escola de Sociedade dos Poetas Mortos!

 

JULIA ROBERTS
Errrr...
Mudando de assunto: por que não se apresentam?

 

KIRSTEN DUNST
Bom dia. Eu sou o estereótipo da burguesa que só
pensa em se casar e ter filhos. Inicialmente, o nome da
minha personagem seria Susanita, mas o cartunista
Quino ameaçou processar o estúdio caso copiássemos o nome
da fútil amiga de Mafalda. Ah, sim: sou a vilã da história.

 

DONNA MITCHELL
E eu sou a mãe de Kirsten Dunst, e também sou vilã.
Com isso, não me limito apenas a desejar sua demissão,
Julia Roberts, mas também acho que as mulheres devem
ficar em casa, cuidando do marido e dos filhos. Ah, sim:
mais tarde, vou revelar que também sou anti-semita, embora
isso não tenha nada a ver com a história, servindo apenas
para frisar o quanto sou má.

 

JULIA ROBERTS
O quê? Todas as minhas alunas só pensam em se casar?
Nenhuma delas possui maiores ambições?

 

Revoltada, Julia Roberts invade a sala de aula do professor de italiano, DOMINIC WEST:

 

JULIA ROBERTS
Eu achei que fosse dar aula para futuros líderes
do país, e não para as esposas destes! (Puxa, esta fala tem
que ir para o trailer, pois é muito boa!)

 

 

Ela fica constrangida ao perceber a sala está cheia de alunos.

 

JULIA ROBERTS
Estou constrangida por perceber que a sala
está cheia de alunos!

 

DOMINIC WEST
É mesmo? Então por que entrou correndo em minha sala
durante o período de aulas? Não dava para imaginar que
isto aconteceria?

 

JULIA ROBERTS
Errrr...
Mudando de assunto: preciso que me console! Estou muito
decepcionada com a postura submissa de minhas alunas!

 

DOMINIC WEST
Tudo bem. Mas... não é meio estranho que você procure
justamente o sujeito que, numa total falta de postura ética,
costuma transar com as alunas, numa indicação clara
de que as considera como meros objetos sexuais?

 

JULIA ROBERTS
Errrr...

 

DOMINIC WEST
Aliás, você não acha nosso envolvimento meio forçado?
E por que trocar seu antigo namorado, um sujeito sensível
e liberal, por um cara machista e mulherengo como eu?
Será que os espectadores vão entender isso?

 

JULIA ROBERTS
Errrr...

 

MIKE NEWELL
Deixa que eu respondo essa, Julia! Como diretor, tive o cuidado
de escalar um ator bem mais velho (e feio) para o papel do
ex-namorado, enquanto o professor de italiano ganhou o
rosto de um ator jovem e bonitão.

 

DOMINIC WEST
Uau! Muito inteligente!
E obrigado por me chamar de bonitão.

 

MIKE NEWELL
Sem problemas. Agora, com licença. Tenho que
rodar uma cena entre um casal de namorados e tive uma
idéia bem original: vou mostrá-los correndo na praia e
chutando a água do mar.

 

MARCIA GAY HARDEN
Vou aproveitar que o diretor deu uma saída e me
apresentar: sou uma caricatura. Represento a típica mulher
dos anos 50. Aliás, sou tão estereotipada que converso e
me comporto como uma avó, e não como uma mulher solteira
de cerca de 40 anos. Observem meus óculos, minhas roupas e
a decoração de minha casa.
E pensar que ganhei um Oscar recentemente...

 

KIRSTEN DUNST
Chega de conversa! É hora de bancar a vilã e
escrever um artigo contundente que vai
desmoralizar a heroína do filme! Aliás, é o que faço
com qualquer professor que não se comporte apropriadamente!

 

MAGGIE GYLLENHAAL
Estranho... então por que você jamais denuncia o
professor de italiano, já que sabe que ele
dorme com as alunas?

 

KIRSTEN DUNST
Errrr...

 

JULIA ROBERTS
Ei! Essa fala é minha! Aliás, vou aproveitar
para dar início à cena que vai me render uma
indicação ao Oscar e emocionar o público:
Carpe diem! Carpe diem!

 

TURMA
(em coro)
Isso é de Sociedade dos Poetas Mortos!

 

JULIA ROBERTS
Hã? Bom, então vou fazer um discurso bobo
sobre o papel da mulher na sociedade dos anos 50.

 

KIRSTEN DUNST
E, para provar que você está certa, vou ver
meu casamento desmoronar. Para isso, meu marido
vai se transformar em uma caricatura do machão:
vai fumar cachimbo, conversar com impaciência,
me beijar na testa e arrumar uma amante.

 

JORDAN BRIDGES
Ei, mas eu tenho pouco mais de 20 anos e nós nos casamos
há menos de 3 meses. Não vai ficar um pouco falso?

 

JULIA ROBERTS
Não interessa. Para os roteiristas, não basta que eu
esteja certa; meus inimigos têm que estar totalmente errados.

 

KIRSTEN DUNST
(chorando)
Você tem razão, Julia Roberts! Você me convenceu!
Obrigada por me mostrar a luz!

 

MAGGIE GYLLENHAAL
Por que você está chorando como se fosse a
melhor amiga dela? Não é um pouco de exagero?

 

KIRSTEN DUNST
Não! Nós sempre tivemos uma ligação especial,
embora ninguém visse isso!

 

JULIA ROBERTS
É mesmo?

 

KIRSTEN DUNST
Errrr....

 

JULIA ROBERTS
Eu já disse que esta fala é minha!

 

FIM

 

É claro que, depois disso, o roteiro passou por algumas revisões, mas pouca coisa mudou. Aliás, se você quiser assistir a um filme realmente interessante (embora melodramático) sobre o conservadorismo da sociedade americana na década de 50, uma boa opção é A Caldeira do Diabo, de 1957, que, por incrível que pareça, é bem mais corajoso e instigante do que esta bobagem inócua estrelada por Julia Roberts – que, depois de ver o resultado de O Sorriso de Mona Lisa, deve estar dizendo algo como `Errr...`.

* A idéia de escrever este `roteiro` foi inspirada no interessante site The Editing Room.

24 de Janeiro de 2004

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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