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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
06/03/2009 10/10/1984 4 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
113 minuto(s)

1984
Nineteen Eight-Four

Dirigido por Michael Radford. Com: John Hurt, Richard Burton, Suzanna Hamilton, Cyril Cusack, Gregor Fisher, James Walker, Andrew Wilde, John Boswall e Bob Flag.

1984 é o tipo de filme que Hollywood nunca conseguirá fazer. É profundo, instigante, inteligente e bem-realizado. Mesmo quando a `capital do cinema` (como eles gostam de se chamar) tenta produzir um filme como esse, algo acaba comprometendo o resultado final (geralmente a ganância dos estúdios). Não é de se espantar, então, que mesmo cineastas americanos busquem apoio estrangeiro para realizar projetos mais `densos` (como Orson Welles fez em O Processo, de 63).

Aqui, tudo funciona: 1984, o filme, nada deixa a dever a 1984, o clássico de George Orwell. E esta é uma das grandes virtudes tanto do roteiro como da direção de Michael Radford. Diante da grandiosidade do livro, seria extremamente fácil que o filme soasse vazio, medíocre. Mas, ao contrário, a adaptação de Radford é provocante.

Winston Smith (Hurt) é um funcionário do governo totalitarista liderado pelo `Grande Irmão` (Flag), uma `entidade` que, através de telões, controla a privacidade de todos os cidadãos do país. Certo dia, ele recebe um bilhete de uma bela garota, Julia (Hamilton), a quem conhecia de vista: `Eu Te Amo`, lê, espantado.

A partir daí, Winston passa a sair com a garota, desafiando as leis do país, que aboliram o orgasmo e incentivam a inseminação artificial. Winston e Julia desafiam, com seu amor, o próprio Sistema, que prega o ódio como maneira de subjugar seus oponentes. Prazeres simples (porém ilegais), tais como provar geléia com pão e beber café `de verdade`, passam a fazer parte da rotina do casal, que redescobre o valor da fidelidade e do calor humano.

Normalmente, o cinema não vê o futuro com bons olhos. De Metropolis a O Exterminador do Futuro, passando por Laranja Mecânica, a humanidade quase sempre se vê subjugada por um `Sistema` organizado e ditatorial que oprime os cidadãos. A visão de George Orwell não é diferente. A única `curiosidade`, aqui, é que seu `futuro` refletia com exatidão o mundo pós Segunda Guerra no qual ele vivia enquanto escrevia seu livro. Quanto ao autoritarismo vigente, Orwell sempre foi prodigioso ao descrever o Poder instituído (sempre com uma visão crítica aguçada), como é o caso de outro brilhante livro seu, A Revolução dos Bichos.

Outro ponto forte de 1984 é sua competente direção de arte/cenografia, que me lembrou, em alguns momentos, O Processo - que tem uma temática que se assemelha à deste filme. Em ambos os casos, a opressão é magnificamente representada pela grandiosidade dos cenários em comparação com a `pequenez` das personagens.

As atuações são inspiradas: Hurt, com seu rosto sempre expressivo, transmite com perfeição a luta de seu personagem para não permitir que o Sistema lhe tome aquilo que tem de mais puro: a certeza de seus sentimentos por Julia. Seu `herói` é um homem simples, mas não totalmente apático frente à lavagem cerebral imposta pelo Grande Irmão (em certo momento, ele escreve em seu caderno: `Liberdade é ter a liberdade de dizer que 2 mais 2 são 4.`). Já Richard Burton (indicado 7 vezes ao Oscar - nunca levou nenhum) nos brinda com uma de suas atuações mais inspiradas: é incrível como ele consegue parecer humano mesmo enquanto submete Winston às mais terríveis torturas. É como se ele só conseguisse entrar em sintonia com outro homem enquanto o tortura, como se o ato da violência fosse capaz de lhe trazer algum tipo de redenção, de proximidade com a humanidade.

1984 é, obviamente, um filme denso e, portanto, o espectador tem que estar preparado para o que vai assistir. Em alguns momentos a narrativa é lenta e os diálogos, propositadamente incompreensíveis. Mas nada disso importa. É bom ver o cinema cumprindo uma velha função que, às vezes, é esquecida: levar o espectador a refletir sobre si mesmo e sobre a sociedade em que vive.
``

13 de Outubro de 1998

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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