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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
26/10/2001 28/09/2001 2 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
113 minuto(s)

Refém do Silêncio
Don`t Say a Word

Dirigido por Gary Fleder. Com: Michael Douglas, Sean Bean, Brittany Murphy, Skye McCole Bartusiak, Famke Janssen, Jennifer Esposito, Guy Torry, Victor Argo e Oliver Platt.

Não há nada que provoque mais tensão do que um bom suspense psicológico. Quando bem construído, este tipo de filme é capaz não apenas de mergulhar o espectador em um incrível estado de nervosismo, mas também funciona como envolvente estudo de personagens. (Veja, por exemplo, O Silêncio dos Inocentes, Um Corpo Que Cai e Se7en). Em contrapartida, quando mal conduzidas, estas produções geralmente evidenciam os pontos fracos de seus realizadores e tornam-se simplesmente patéticas (como Testemunha do Silêncio e Dragão Vermelho - versão de 1986).

Lamentavelmente, em seu mais recente trabalho, o diretor Gary Fleder torna-se vítima do péssimo roteiro de Anthony Peckham e Patrick Smith Kelly, que, por sua vez, foi adaptado a partir do livro de Andrew Klavan (cujo trabalho já havia rendido o também fraco Crime Verdadeiro). Aqui, Michael Douglas interpreta Nathan Conrad, um renomado psiquiatra que é convocado por um colega (Platt) para assumir o caso de uma jovem garota que passou os dez últimos anos em manicômios (Murphy). No dia seguinte ao de seu primeiro encontro com a moça, o médico descobre que sua única filha foi raptada – e os seqüestradores exigem, como resgate, que ele consiga fazer com que sua nova paciente revele, até o fim do dia, um misterioso número guardado em sua confusa memória.

A princípio, esta trama poderia render um bom filme. Infelizmente, em vez de centralizar o roteiro na batalha psicológica travada entre o médico e sua paciente, Peckham e Kelly optaram por criar um suspense convencional em que mocinhos e bandidos dizem frases de efeito enquanto pulam de uma cena de ação para outra. Assim, apesar do promissor primeiro encontro com a garota (no qual demonstra sua competência profissional), o psiquiatra acaba assumindo a postura de herói de uma aventura, envolvendo-se em fugas espetaculares, confrontos físicos com o vilão e assim por diante.

Aliás, Patrick (o tal vilão) é justamente um dos pontos mais fracos de Refém do Silêncio: por mais que o talentoso Sean Bean procure criar um malfeitor brilhante, ele acaba sendo derrotado pelo roteiro do filme, que obriga seu personagem a cometer algumas das maiores imbecilidades já realizadas por um bandido de Hollywood. Logo no início da história, por exemplo, ele lidera um assalto que só rende frutos em função de sua natureza fictícia: além de entrar e sair do banco de forma espalhafatosa, atraindo a atenção dos transeuntes, Patrick não procura esconder o rosto, o que é inexplicável. Além disso, mais tarde ele mata a única pessoa que poderia lhe fornecer uma informação importante – e novamente na frente de várias testemunhas (não é à toa que o personagem passou dez anos na prisão). Como seus capangas também não primam pela inteligência, o filme fica desprovido de antagonistas interessantes.

Já Michael Douglas repete, pela enésima vez, o tipo que vem aperfeiçoando ao longo de sua carreira: o de homem racional e comedido que, diante de várias adversidades, torna-se gradualmente explosivo e perigoso (ver Atração Fatal, A Guerra dos Roses, Assédio Sexual e Vidas em Jogo). Até aí, tudo bem: mesmo no piloto automático, ele é sempre um ator interessante. No entanto, é frustrante vê-lo iniciar a trama como um profissional brilhante e chegar ao fim como psiquiatra de botequim (sua técnica para obrigar Elizabeth a se abrir é risível). Enquanto isso, Brittany Murphy faz um trabalho lamentável como a perturbada paciente de Douglas (embora seu histrionismo provavelmente consiga convencer os espectadores mais influenciáveis). Seu comportamento, por exemplo, varia de cena para cena: em alguns momentos, ela aparece em estado catatônico; em outro, canta freneticamente; e, às vezes, age como uma pessoa completamente saudável. Parte destas contradições deve-se ao roteiro, é verdade – mas a própria atriz demonstra sua falta de concentração em algumas cenas em que Michael Douglas domina a ação (ela parece simplesmente observar o que ocorre, `esquecendo-se` de sua personagem). Além disso, seus maneirismos e tiques soam de maneira falsa, fragilizando ainda mais sua composição. Isto não deixa de ser curioso, já que a moça realizou um trabalho competente em um papel similar a este em Garota, Interrompida.

Completando o elenco, temos Famke Janssen protagonizando algumas cenas que parecem utilizar, de maneira inversa, o conceito de Janela Indiscreta (e que funcionam até certo ponto; Jennifer Esposito como uma policial pouco convincente e completamente descartável; e Oliver Platt no papel de um psiquiatra que, depois de um tempo, é totalmente esquecido pelo filme.

Para aumentar a bagunça, o roteiro contém vários buracos colossais que tornam a trama ainda mais inverossímil. Para citar apenas alguns exemplos (que não revelam nada de relevante sobre a história): como os bandidos conseguiram instalar câmeras no quarto do casal de protagonistas sem que estes percebessem? Por que o personagem de Sean Bean obriga o psiquiatra a descobrir o tal número em apenas um dia? Aliás, como ele ficou sabendo da existência do tal número? Como Elizabeth pôde descobrir o `paradeiro` do pai? Por que Aggie permanece imobilizada no início do filme se é capaz de andar com a ajuda de muletas?

Como se não bastasse, Refém do Silêncio conta com um desfecho convencional e previsível. Mas, pensando bem, este não chega a ser tão decepcionante assim – principalmente quando comparado à lógica caótica do restante do filme.
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20 de Outubro de 2001

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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