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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
19/06/2015 19/06/2015 5 / 5 5 / 5
Distribuidora
Disney
Duração do filme
102 minuto(s)

Divertida Mente
Inside Out

Dirigido por Pete Docter. Roteiro de Docter, Meg LeFauve e Josh Cooley. Com as vozes de Amy Poehler, Lewis Black, Mindy Kaling, Bill Hader, Phyllis Smith, Richard Kind, Kyle MacLachlan, Kaitlyn Dias e Diane Lane.

Há muito tempo a Pixar não presenteava o público com um filme tão imaginativo como Divertida Mente. E não, não estou falando apenas de esforços medíocres como Carros 2 e Universidade Monstros, já que mesmo o bom Valente, o ótimo Up e o excepcional Toy Story 3 não traziam universos realmente novos para as telas, já que a última vez que o estúdio de John Lasseter fez isso foi há longos 7 anos, com Wall-E. Aqui, porém, o diretor Pete Docter e seus dois co-roteiristas concebem um longa repleto de imaginação, energia e ideias complexas, resultando naquela que talvez seja a produção tematicamente mais ambiciosa da filmografia da Pixar.


Remetendo ao episódio “Woody Allen-em-roupa-de-espermatozoide” contido em Tudo o que Você Sempre quis Saber Sobre Sexo e Tinha Medo de Perguntar, o filme tem início com o nascimento de Riley (Dias), com a qual surgem também os elementos principais que atuam em sua consciência: a Alegria (Poehler), a Tristeza (Smith), o Medo (Hader), a Repulsa (Kaling) e a raiva (Black). Usando a sequência de introdução para explicar ao espectador a lógica do mundo interno da menina, Divertida Mente é fascinante ao representar visualmente conceitos como imaginação, personalidade, memórias e até mesmo pensamentos abstratos – e este prólogo é tão eficiente que, a partir dali, somos capazes até mesmo de extrapolar como seria a Central Emocional de uma pessoa tomada pela depressão ou com distúrbio bipolar (embora a história não trate disso).

Dando seguimento aos esforços da Pixar para criar personagens femininas fortes, o roteiro não só representa o sentimento-protagonista, Alegria, como sendo uma mulher, mas também ancora todos os demais personagens no núcleo emocional de uma garotinha que foge do estereótipo “frágil” ou “princesinha”, já que Riley gosta de jogar hóquei, é relativamente independente apesar de ter apenas 11 anos e demonstra uma maturidade admirável. Aliás, se torcemos para que as coisas se resolvam com suas emoções, que são obrigadas a fazer uma jornada interna (metafórica e literal, o que transforma o projeto também em uma espécie de road movie psicológico), é porque nos importamos com Riley e com seus sentimentos (como conceitos abstratos e também personagens). E se um dos prazeres do longa é ver as Emoções reagindo aos estímulos externos, não menos instigante é testemunhar como o excelente design de produção encontra maneiras criativas de representar visualmente o temperamento da personagem.

No entanto, Divertida Mente não é simplesmente um espetáculo visual; é, também, um filme de ideias – e complexas. Assim, quando vemos a Alegria tentando argumentar com a Tristeza, é impossível não perceber que a cena na tela é uma projeção externa de diálogos internos que todos já protagonizamos em momentos de melancolia, quando tentamos nos erguer através de uma racionalização muitas vezes fadada ao fracasso (“Por que estou tão triste se tenho filhos saudáveis e felizes, um emprego que amo e etc, etc, etc.?”). Da mesma forma, ver a Tristeza contagiando memórias até então felizes mesmo sendo alertada para não fazê-lo é constatar como a Tristeza não se controla, numa observação madura para um título supostamente infantil e que, de quebra, ainda cria uma representação esteticamente deliciosa ao trazer globos de memórias que assumem as cores dos sentimentos que as inspiraram.

Igualmente brilhante é notar como Pete Docter enfoca as mudanças de paradigma que surgem com o amadurecimento (e particularmente com a adolescência), o que obriga as Emoções a uma readaptação rápida e confusa enquanto os sentimentos se descontrolam. Neste sentido, algumas das sequências mais divertidas do filme são aquelas que trazem os Centros Emocionais de Riley e de seus pais reagindo uns aos outros, sendo também curioso (e revelador) reparar como, nos adultos, a líder não é a Alegria e como suas Emoções trabalham de maneira bem mais organizada do que numa criança que está aprendendo a reagir ao mundo (algo representado também pela complexidade cada vez maior da mesa de operações). Finalmente, os roteiristas demonstram com humor como a Raiva descontrolada é algo essencialmente destrutivo – e a escalação de Lewis Black para dor voz a esta é uma decisão absolutamente genial.

Funcionando até mesmo em suas piadas que poderiam ser consideradas mais óbvias (como o trocadilho envolvendo a “linha de pensamento”/”train of thought” – descartada na fraca dublagem em português, por sinal), Divertida Mente chega a se dar ao luxo de investir em sequências que beiram o surreal (ao retratar os pensamentos abstratos, por exemplo), conseguindo provocar risos no público mais infantil ao mesmo tempo em que encanta os adultos com as gags que exigem um grau maior de sofisticação e/ou conhecimento.

Ainda assim, apesar de todas as muitas virtudes da produção, a maior e mais importante talvez seja sua insistência em destacar que a tristeza é um elemento tão importante da condição humana quanto o êxtase. Pois a verdade é que vivemos numa sociedade cada vez mais obcecada com a alegria colossal e constante – e a base da Publicidade, grande incentivadora desta filosofia perversa, é a venda eterna de um ideal inalcançável de felicidade (uma condição que só poderia ser conquistada se comprássemos este ou aquele produto). Com isso, passou-se a temer a melancolia e qualquer sentimento que não seja o de (auto)satisfação irrefreável, como se precisássemos experimentar alegria o tempo inteiro.

E o que Divertida Mente demonstra para seu público (pequeno e grande) é que a beleza da vida reside precisamente na natureza multicolorida e complexa de nossas experiências, memórias e sentimentos.

Crítica originalmente publicada como parte da cobertura do Festival de Cannes 2015.

18 de Maio de 2015

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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