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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
23/07/2015 01/01/1970 4 / 5 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
60 minuto(s)

O Dia do Galo
O Dia do Galo

Dirigido por Cris Azzi e Luiz Felipe Fernandes.

Nunca pensei que um dia fosse dar início a uma crítica com este tipo de esclarecimento, mas vamos lá: sou cruzeirense. O único de minha família. Minha mãe, meus irmãos, meu tio favorito e boa parte de meus primos torcem para o principal rival de meu time, o Clube Atlético Mineiro. (Sim, sou o único sensato de todo o clã.) Assim, quando descobri que havia um documentário sobre o título conquistado pelo Atlético na Libertadores da América de 2013, imediatamente pensei “Passo!”, brinquei que seria o primeiro filme ao qual daria “zero estrelas sem nem mesmo vê-lo” e, satisfeito com minha própria piadinha tola, me preparei para esquecer sua existência. Até que descobri que um dos diretores, Cris Azzi, era um velho amigo de minha irmã que vi crescer e decidi que precisaria conferir seu trabalho no mínimo para lhe dar um cascudo pelo mau gosto do tópico escolhido.


Ao terminar o filme, lembrei-me dos motivos que sempre me levam a dizer que um bom crítico jamais deve prejulgar uma obra – mesmo que esta trate de um assunto tão lamentável quanto um rival futebolístico: acompanhando alguns torcedores do Galo apenas durante o dia da final da Libertadores, o documentário constrói, a partir de recortes daquelas poucas horas, um retrato envolvente sobre a paixão que um time (qualquer time) pode despertar em seus seguidores, o que torna a narrativa universal apesar da especificidade aparente de sua abordagem.

Contando com imagens registradas pelos próprios personagens, por pessoas próximas a estes e também pelos cineastas, O Dia do Galo se beneficia imensamente da intimidade criada com aquelas pessoas, que surgem saindo do banho, dormindo, passando desodorante ou comentando problemas triviais – e quando um sujeito se prepara para sair de casa e ouve a esposa pedindo para que deixe o celular ligado, reconhecemos naquela pequena interação um pouco de nós mesmos e de nossas próprias preocupações tolas com quem amamos, o que serve para que, rivalidades esportivas à parte, nos percebamos na tela. Da mesma maneira, como Azzi e o co-diretor Luiz Felipe Fernandes selecionam personagens de perfis radicalmente diferentes, a natureza irracional do amor inspirado pelo time de escolha se torna inequívoca: padre, radialista, dono de bar, músico ou aposentado, os homens e mulheres vistos durante a projeção se unem nas cores do uniforme que amam e que são defendidas por onze atletas correndo atrás de uma esfera em um retângulo verde.

Assim, não importa se a torcida parte de uma velhinha fragilizada, de uma adolescente com rosto liso ou de um bebê que, ainda incapaz de verbalizar a própria fome, é incentivado pelo pai a dizer “Galo”; o que interessa de fato é que o sentimento que compartilham é intenso, real e inegável, mesmo que disparado por e direcionado a algo teoricamente tão inconsequente quando uma equipe de milionários (ou quase) tentando lançar uma bola para dentro de um gol.

Aliás, é por isto que a primeira parte de O Dia do Galo é também a mais irregular: embora funcione para nos apresentar àquelas pessoas e para estabelecer sua fidelidade ao Atlético, as cenas que lidam com as horas que antecedem a partida acabam parecendo repetitivas e menos relevantes do que parecem acreditar ser – mesmo tendo sido costuradas com eficiência pela montadora Natacha Vassou, que, por outro lado, consegue resultados infinitamente mais interessantes quando tem a chance de se concentrar no jogo em si.

E é justamente ali que O Dia do Galo me conquistou de vez: ao revelar um torcedor chorando de ansiedade mesmo antes de a partida ter início, ao acompanhar as caretas hilárias de um atleticano quase em transe diante das jogadas que testemunhava no Mineirão e ao trazer um radialista cuja efervescência sugere um homem prestes a ter um AVC. Ao optar por se concentrar nas reações da torcida em vez de no jogo ao qual assistiam, o filme consegue sugerir muito mais a tensão da disputa do que se houvesse incluído os lances mais intensos, os quase gols ou as faltas que aconteciam no campo. Ao mesmo tempo, o longa é hábil ao retratar as diversas formas de se torcer: solitariamente em um quarto, ao lado de parentes ou em meio a uma multidão frenética, os torcedores retratados em O Dia do Galo gritam mais para si mesmos do que para quem quer que seja, xingam diante de qualquer jogada frustrada e imploram a Deus por um gol (ignorando um mandamento mesmo torcendo ao lado de um padre – que, desconfio, provavelmente também o ignorava naquele momento). Não é à toa que, em certo instante, o filme traz um rapaz tentando chamar a atenção do dono de um bar que, mais preocupado com o time na televisão, ignora o importuno cliente que insiste em pedir uma cerveja quando algo tão mais importante acontece na telinha acima do balcão.

E, assim, foi com surpresa que me vi não só emocionado diante do sofrimento apaixonado daqueles torcedores, mas também sorrindo ao testemunhar sua alegria com o desfecho da partida. Naquele instante, não me interessava que estivessem celebrando o rival de meu time; vi ali apenas indivíduos com uma felicidade tão contagiante que o mistério por trás do fascínio exercido pelo futebol se desfazia numa revelação óbvia, mas não menos verdadeira, sendo o resultado da catarse ímpar que uma vitória importante pode provocar. Em seu clímax, O Dia do Galo é menos sobre o Atlético em si do que sobre o próprio ato de torcer.

O que garante a universalidade do que ilustra com tanta paixão.

Dito isso, agora já posso voltar a torcer contra o time que minha tola família ama tanto. Afinal, meu Cruzeiro tem mais títulos na Libertadores, não é mesmo?

24 de Julho de 2015

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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