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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
28/07/2015 30/07/2015 1 / 5 / 5
Distribuidora
Columbia
Duração do filme
112 minuto(s)

Não Pare na Pista: A Melhor História de Paulo Coelho
Paulo Coelho's Best Story

Dirigido por Daniel Augusto. Roteiro de Carolina Kotscho. Com: Júlio Andrade, Ravel Andrade, Fabiana Gugli, Fabiula Nascimento, Lucci Ferreira, Nancho Novo, Paz Vega, Luis Carlos Miele e Enrique Diaz.

É sintomático que a única cena realmente memorável de Não Pare na Pista, um longa com duração de 112 minutos, dure cerca de 60 segundos e seja protagonizada não pelo personagem que inspirou a produção, mas por seu pai. Ambientada em um carro enquanto Pedro Coelho (Diaz) ouve uma música co-escrita pelo filho Paulo (Andrade) e, percebendo ser o inspirador de sua cruel letra, luta para conter as lágrimas, esta passagem representa um raríssimo momento de sensibilidade, autenticidade e beleza em um filme terrivelmente carente de inspiração.


Escrito por Carolina Kotscho, o roteiro busca recontar a trajetória do escritor Paulo Coelho que, antes de se tornar “o único autor vivo mais traduzido do que Shakespeare” (segundo o letreiro final), foi um adolescente problemático e um jovem adulto problemático antes de se tornar, pelo que podemos julgar por este filme, um idoso idem. Mantendo uma relação conturbada com o pai supostamente rigoroso (e digo “supostamente” porque frequentemente me vi concordando mais com este do que com seu filho), Coelho enfrenta a depressão, o complexo de feiura (sim) e a rejeição aos seus textos antes de finalmente se tornar o autor cujo O Alquimista se transformaria num fenômeno mundial ao combinar a autoajuda e o esoterismo em um pacote com imenso apelo comercial independentemente de seus méritos literários. (Não, não sou um fã, embora aprecie algumas passagens de O Diário de um Mago.)

Adotando uma cronologia quebrada que claramente busca disfarçar a falta de estrutura e o fato de a narrativa ser construída através de cenas que invariavelmente trazem algum drama ou conflito artificial, Não Pare na Pista é o tipo de filme que sente a necessidade de sempre incluir um letreiro indicando a época em que suas cenas se passam ao fazer algum salto no tempo – mesmo que os figurinos, a direção de arte e, ora, o fato de já estarmos vendo o longa há uma hora já tenham deixado claros os períodos que estamos visitando, o que, convenhamos, é um pouco ofensivo à inteligência do espectador. No entanto, martelar o público com exposição desnecessária parece ser um hobby da produção e, assim, não é surpresa quando um personagem diz “O Paulo é meu neto” ao se dirigir... aos pais do garoto, que, suponho, provavelmente já tinham conhecimento do parentesco. Da mesma maneira, caso já não tivéssemos reparado que o jovem Coelho sentia-se complexado em relação à sua aparência, certamente ficaríamos cientes ao vê-lo convidar uma garota para dançar apenas para ouvir a mãe da menina dizer “Mas logo com o garoto mais esquisito e feio da festa?”, numa reação bastante natural caso você seja uma caricatura em uma obra que trata a unidimensionalidade de seus personagens como uma regra.

O curioso é que, em outros momentos que mereceriam ao menos alguma explicação, Não Pare na Pista simplesmente espera que aceitemos certos incidentes sem questioná-los – como na cena em que o protagonista aceita apresentar-se em uma peça infantil quando o ator que viveria o palhaço convenientemente falta e, depois de se atirar no chão, recitar “Batatinha Quando Nasce” e jogar um bombom para a plateia, é ovacionado pelas crianças, que repetem seu nome numa adoração inexplicável. E, claro, quando sua parceria musical com Raul Seixas (Ferreira, perfeito) é retratada, os dois surgem criando algumas de suas canções mais icônicas através de diálogos que rapidamente se convertem em citações das letras sem que qualquer insight sobre o processo criativo da dupla seja apresentado.

Aliás, o tratamento que o filme reserva a esta parceria é absolutamente desprezível: além de sugerir uma atitude canalha por parte de Seixas, que aparece roubando o crédito de “Gita” e lançando Paulo Coelho em uma intensa crise depressiva, a obra praticamente ignora a relação do protagonista com as drogas (e o fato de ter apresentado várias delas ao parceiro), trazendo-o ainda como uma espécie de, acreditem ou não, astro do rock ao enfocá-lo cantando com talento e energia ao lado de Raul quando se encontravam no auge do sucesso.

Com isso, logo fica claro que o propósito de Não Pare na Pista é atirar todo tipo de humilhação sobre seu herói para que sua eventual vitória surja como uma lição de persistência; e, portanto, não basta que, na adolescência, o rapaz ouça um médico dizendo que ninguém jamais irá querer ler o que ele escreve: mais tarde, um editor e amigo praticamente repete a afirmação a fim de ressaltar a ironia. (“HA! Viram? Eles nem podiam imaginar como ele seria bem sucedido! Que idiotas sem visão!”, parece gritar o filme, que também se mostra tolo o bastante para abrir a narrativa tentando criar suspense enquanto vemos o jovem Paulo preparando-se para cometer suicídio – algo que sabemos que não irá se concretizar por... estarmos vendo um filme sobre sua vida.)

O pior, no entanto, é constatar como o Paulo Coelho retratado em Não Pare na Pista é um sujeito egoísta, inconsequente, imaturo, birrento e profundamente chato. Se na adolescência ele atropela um jovem ao dirigir irresponsavelmente (protestando ao ser punido pelo pai!), pouco parece mudar quando o reencontramos já aos 65 anos, quando, irritado com o falatório do motorista contratado para transportá-lo, simplesmente rouba o carro do sujeito, deixando-o no meio do nada e praticamente garantindo sua demissão. (“Coitado do motorista!”, uma amiga comenta divertida ao descobrir o que ele fez, no único reconhecimento que a narrativa oferece para a natureza escrota do ato, que parece ser visto pelos realizadores como uma prova do “espírito livre” do biografado.)

Por outro lado, nem um segundo é investido no processo artístico que o tornou célebre: a partir de certo instante, Coelho simplesmente aceita seguir os ensinamentos de um estranho que o direciona à peregrinação no caminho de Santiago de Compostela, ao passo que seu trabalho como escritor é retratado ou trazendo-o bloqueado diante de uma página em branco ou datilografando febrilmente ao ser inspirado pelas frases de efeito vazias do “mestre” e da experiência.

Competente ao menos em seu design de produção, que faz um ótimo trabalho de recriação de épocas, Não Pare na Pista ainda impressiona com um trabalho de maquiagem que transforma Júlio Andrade em um clone de Paulo Coelho na terceira idade – ao menos quando o vemos à distância, já que os planos mais fechados expõem a artificialidade das próteses (e é claro que o diretor Daniel Augusto inclui, então, vários closes).

Interrompendo a narrativa subitamente depois de quase duas horas e contando seu desfecho através de letreiros como se houvesse simplesmente se cansado de contar aquela história, Não Pare na Pista acaba revelando por seu protagonista a mesma falta de respeito demonstrada pelas caricaturas que retrata fazendo pouco de seus talentos como escritor – e ao abrir a projeção apresentando-o como um cantor que nunca foi, o filme praticamente nega a Paulo Coelho o respeito de ser reconhecido por seus livros, como se isto não fosse suficiente para homenageá-lo. E mesmo não apreciando sua obra, tenho plena consciência de que seu sucesso deveria ter rendido uma cinebiografia no mínimo aceitável.

E o fato de ter o subtítulo A Melhor História de Paulo Coelho acaba apenas por refletir pessimamente sobre sua literatura.

28 de Julho de 2015

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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