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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
26/11/2015 26/11/2015 5 / 5 5 / 5
Distribuidora
Sony
Duração do filme
115 minuto(s)

Chico - Artista Brasileiro
Chico - Artista Brasileiro

Dirigido por Miguel Faria Jr.

Aos 71 anos de idade (e mais de 50 de carreira), Chico Buarque de Hollanda é uma instituição - tão instituição, aliás, que, num país repleto de Franciscos, é ele “o Chico”. É o autor que criou a alegre “A Banda”, a triste “Construção” (cujo título remetia não só ao trabalho e modo de vida aprisionador do protagonista, mas à própria construção estética da música e da letra que contavam sua história), a melancólica “O Que Será (À Flor da Terra)” e à romântica... ora, escolha sua favorita. Assim, realizar um documentário sobre um criador desta dimensão é obviamente um desafio imenso, mas que o diretor Miguel Faria Jr. assume com segurança, inteligência e sensibilidade, mostrando-se menos interessado na cronologia da carreira do personagem-título e mais em sua identidade como artista, seu processo criativo e seu particular estilo Chico de ser.


Trazendo apresentações de várias composições do músico feitas por diversos intérpretes exclusivamente para o projeto, Chico – Artista Brasileiro intercala estas performances com entrevistas que surpreendem por fugir das perguntas óbvias, cujas respostas já são conhecidas por qualquer um com um mínimo de conhecimento sobre Buarque, e se dedicar a questões que buscam explorar mais sua personalidade do que os fatos de sua carreira. Sim, o longa aborda seu estouro com “A Banda”, seu casamento com Marieta Severo, a amizade com Gilberto Gil e Caetano Veloso, o exílio e as batalhas contra a censura no período da ditadura, mas ainda assim sem exibir propósitos puramente biográficos e mais humanos.

E no quesito “humanidade”, Chico Buarque não desaponta: sempre disposto a rir de si mesmo e dos absurdos da vida, o sujeito revela uma humildade adorável para alguém tão bem-sucedido. Ao falar sobre suas apresentações mais recentes e que, claro, acontecem num ponto de sua carreira que já conta com uma multidão de fãs cativos, ele observa: “Eles me aplaudem mais quando entro (no palco) do que quando saio”. Revelando também que sua famosa timidez é mais mito do que realidade, Buarque explica como boa parte de sua quase aversão ao palco é fruto de um trauma nos estágios iniciais de sua trajetória, demonstrando um claro prazer ao poder assumir apenas o papel de “contador de causo” diante da câmera de Faria Jr.

Isto, porém, não o impede de demonstrar uma capacidade notável de observar e interpretar o mundo à sua volta – algo que muitos, depois de décadas de fama, sentiriam dificuldade em fazer, já que a celebridade costuma funcionar como uma bolha impermeável à realidade cotidiana. Ao comentar o cenário musical contemporâneo, por exemplo, Chico faz uma leitura instigante ao apontar o preconceito com que gêneros populares costumam ser vistos pelos “formadores de opinião” e que o remete ao sucesso da Bossa Nova, que, mesmo apreciando, ele identifica como “(algo) de elite, que costumava mandar no gosto popular”. E é precisamente o “costumava”, seu tom sugere, que surge como causa do ranço atual que esta mesma elite exibe.

Mas talvez a sensibilidade do músico não devesse surgir como surpresa, já que, filho de um casal com clara consciência social, desde cedo ele se apresentou como criatura política, mesmo que sem a intenção racional de assumir a condição de “ativista”. É encantador, por exemplo, testemunhar uma entrevista que Buarque concedeu para uma emissora de TV em 1980 e durante a qual alguém pergunta se ele é homossexual. “Eu poderia ser”, ele responde, numa postura que, ainda em 2015, despertaria o ódio de um sem-número de intolerantes e que apenas ressalta sua humanidade e a capacidade de empatia tão fundamental a um artista.

Nostálgico ao falar sobre lembranças da infância (que ele assume não saber se foram contaminadas por sua imaginação), Buarque chega a analisar o princípio de seu amor pela música, que, de certa forma, se associa às memórias que mantém sobre a mãe (“Quando ela estava cantando, é porque estava tudo bem em casa.”) – e, da mesma maneira, não demora até que percebamos como detalhes de sua biografia acabaram se transformando em matéria-prima não apenas para suas composições, mas para seus livros, que têm alguns de seus trechos lidos durante a projeção por Marília Pêra.

Envolvente e intimista, Chico – Artista Brasileiro acaba por despertar no espectador um profundo carinho pelo homem que retrata – e quando o vemos tocando violão ao lado dos netos igualmente interessados por música, a sensação é a de estarmos diante de um homem cuja clara felicidade se mostra mais do que merecida. Como consequência, a vontade que tive, ao sair da sala, foi a de dizer “Dê cá um abraço, Chico!”.

E filmes que inspiram vontade de abraçar são raros e, portanto, merecem ser tratados com carinho.

26 de Novembro de 2015

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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