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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
03/12/2015 30/05/2015 4 / 5 4 / 5
Distribuidora
California Filmes
Duração do filme
113 minuto(s)

Sabor da Vida
An

Dirigido e roteirizado por Naomi Kawase. Com: Nagase Masatoshi, Kirin Kiki e Uchida Kyara.

Assim como comentei ao escrever sobre Mad Max: Estrada da Fúria (que vi imediatamente antes deste filme no segundo dia do Festival de Cannes), o Cinema é uma arte capaz de transformar a mais prosaica ou convencional das histórias em algo envolvente e memorável. Este Sabor da Vida, novo longa da cineasta japonesa Naomi Kawase, é mais um exemplo disto: a princípio, é fácil descartar sua trama como uma coleção de clichês, já que acompanha um homem que reaprende, graças ao encontro inesperado com uma idosa, a valorizar a vida e a beleza do cotidiano – o tipo de trama que já vimos centenas de vezes. Porém, Kawase retrata a dinâmica da dupla com tamanha sensibilidade e delicadeza que isto suplanta qualquer familiaridade excessiva que poderíamos ter com a história em si.


Baseado em um livro de Durian Sukegawa e roteirizado pela própria diretora, o longa gira em torno de Sentaro (Masatoshi), gerente de uma pequena confeitaria especializada em dorayakis – uma espécie de panqueca recheada com pasta de feijão vermelho doce (o “an” do título). Homem triste e solitário cuja rotina vazia já é ilustrada no plano inicial da narrativa, que o acompanha enquanto desperta, caminha arrastando os pés desanimado até a cobertura do prédio e fuma sozinho em uma vizinhança ainda deserta, Sentaro chega a subornar seus poucos clientes para que saiam logo da loja, demonstrando apenas alguma atenção para com a jovem Wakana (Kyara) – talvez por pressentir que esta é tão solitária quanto ele. É então que, certa manhã, uma senhorinha chamada Tokue (Kiki) pede emprego ao sujeito, que, ao provar sua receita de an, decide contratá-la, imediatamente atraindo fregueses encantados com a mudança na qualidade das iguarias ali vendidas.

Construído a partir da dinâmica formada pelas personalidades opostas de Sentaro e Tokue, o filme traz uma performance encantadora por parte de Kirin Kiki (que, diga-se de passagem, também aparece em Our Little Sister, que participa da mostra competitiva de Cannes): encarnando a personagem como uma velhinha vivaz e feliz que enxerga beleza em tudo que vê (manifestando sua alegria com uma risadinha infantil), a atriz ilustra o encantamento de Tokue até mesmo com os feijões que cozinha – e o processo de preparo do doce é acompanhado em detalhes por Kasawe, que aproveita a sequência para aproximar a dupla através da tarefa que compartilham.

Já Sentaro é vivido por Nagase Masatoshi como um homem que não gosta sequer de doces, embora dependa destes para sobreviver (um descaso que, claro, choca Tokue). Vestindo sempre roupas cinzas que refletem sua melancolia constante, o protagonista aos poucos demonstra os efeitos da convivência com a nova funcionária – e o ator é hábil ao conduzir as mudanças com sutileza, como ao exibir um rápido sorriso de satisfação ao ouvir seus dorayakis elogiados e ao finalmente parecer prestar atenção no que lhe diz a jovem Wakana.

Este arco ganha também representação visual através da boa fotografia de Akiyama Shigeki, que frequentemente traz Sentaro sob uma luz fria enquanto a alegria de Tokue se mostra tão contagiante que chega a provocar flares na lente em função do sol agradável que a envolve – e que acaba por cercar também Sentaro enquanto este ouve um recado da amiga. Por outro lado, o filme acaba se revelando bem óbvio em sua mensagenzinha sobre como contratempos não devem determinar nossa felicidade, usando, para isso, uma comunidade de vítimas de hanseníase e, claro, a própria Tokue.

Mais: a própria ideia de trazer um confeiteiro que redescobre a doçura metafórica e literal da vida é excessivamente convencional. Ainda assim, não há como negar que, graças ao toque gentil de Kawase, o longa se mostra doce e gentil como a encantadora velhinha que enfoca, o que faz uma imensa diferença.

Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival de Cannes 2015.

14 de Maio de 2015

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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