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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
11/05/2016 29/07/2016 2 / 5 4 / 5
Distribuidora
Imagem
Duração do filme
96 minuto(s)

Café Society
Café Society

Dirigido e roteirizado por Woody Allen. Com: Jesse Eisenberg, Kristen Stewart, Steve Carell, Blake Lively, Corey Stoll, Judy Davis, Ken Stott, Parker Posey, Paul Schneider, Tony Sirico e a voz de Woody Allen.

É um sinal das mudanças no sistema de produção e distribuição em Hollywood que o filme de abertura do Festival de Cannes de 2016 tenha sido produzido não por um estúdio tradicional, mas pela Amazon, que, de forma inteligente, percebeu que esta sua nova etapa ganharia legitimidade imediata caso envolvesse um dos realizadores mais estabelecidos do Cinema contemporâneo: Woody Allen. O resultado é um dos longas mais ambiciosos da carreira do diretor em seus aspectos estéticos e técnicos – e é realmente uma pena que o roteiro jamais faça jus aos demais elementos da narrativa.


Como sempre escrito pelo próprio Allen, o roteiro tem início em uma mansão luxuosa que está sediando uma festa para um grupo de executivos poderosos da Hollywood da década de 30. Servindo como centro do evento, o influente agente Phil (Carell) recebe um telefonema de sua irmã (Davis) avisando que seu sobrinho Bobby (Eisenberg) está se mudando para Los Angeles. Sem tempo para o rapaz, Phil encarrega sua secretária Vonnie (Stewart) de apresentá-lo à cidade e, claro, o jovem, vivendo o clichê do “ingênuo-na-cidade-do-pecado”, logo se apaixona pela garota, frustrando-se ao saber que ela já tem namorado, mas sem imaginar que este é seu tio, que vem tentando criar coragem para abandonar a esposa e se casar com a moça.

Apenas a descrição acima já sugere que Café Society é um amontado de convenções românticas – e é -, mas a triste surpresa é que também é absurdamente previsível: quando Bobby se prepara para receber a amada em um jantar em sua casa e o telefone toca, sabemos imediatamente quem é; quando Vonnie diz que presenteou o namorado com uma foto autografada por Rodolfo Valentino, prevemos exatamente que papel o presente desempenhará; quando um vizinho briguento é mencionado, imaginamos sem dificuldade qual será seu destino; e assim por diante. Para piorar, a narrativa é repleta daquelas elipses que surgem aparentemente do nada e que obrigam o espectador a aceitar acontecimentos importantes que não testemunhou e que mudam a direção da trama artificialmente – e a estrutura do filme é tão sem foco que apela para narrações de cartas trocadas pelos personagens, para flashbacks incluídos sem necessidade e para um off (feito pelo próprio Allen com uma voz grave e sem vida) que, quando não está apenas descrevendo o que estamos vendo na tela, tenta preencher buracos da história.

Além disso, o roteiro se mostra constantemente inchado, como se o cineasta houvesse cedido a todos os seus impulsos criativos sem qualquer disciplina e incluído personagens e subtramas que desviam a atenção da história principal e jamais justificam suas inclusões – e praticamente tudo que envolve o irmão de Bobby, o gângster Ben (Stoll), se comprova dispensável no esquema geral do filme, parecendo estar presente apenas para que Allen pudesse brincar com o gênero (algo que havia feito de maneira muito melhor em Tiros na Broadway). Para completar a bagunça, Café Society frequentemente mergulha em tangentes que nos apresentam a personagens irrelevantes e às suas trajetórias particulares, pecando também por se entregar a discussões repetitivas – e, considerando a filmografia do diretor, pouco inspiradas – sobre morte, culpa, religião e por aí afora.

Já de um ponto de vista puramente plástico, a obra é impecável: o design de produção de Santo Loquasto, colaborador habitual de Allen, recria com vigor o período e suas particularidades, abusando também das cores vivas e da suntuosidade daquele universo, enquanto o veterano diretor de fotografia Vittorio Storaro, trabalhando pela primeira vez com o cineasta, comprova por que é um dos profissionais mais respeitados do ramo ao colocar Café Society ao lado de Manhattan como um das obras mais evocativas da filmografia do realizador (e lembrem-se de que Manhattan foi fotografado por outro gênio: Gordon Willis). Equilibrando-se entre o sépia tradicional dos filmes de época (mas não menos belo por isso) e as cores quentes e intensas que sugerem a força dos sentimentos do protagonista, Storaro ainda retrata Kristen Stewart com o glamour e a idealização projetados por Bobby, com direito até mesmo ao soft focus que já trouxe um ar de beleza etérea a tantas estrelas de Hollywood. E se o plano que traz Nova York ao por do sol não for incluído em todos os tributos ao mestre, confesso que ficarei surpreso.

O elenco, por sua vez, faz exatamente aquilo que poderíamos esperar: Jesse Eisenberg se transforma em um avatar do diretor, copiando bem todos os seus maneirismos característicos, e Kristen Stewart retrata Vonnie como uma jovem cuja beleza é apenas um dos elementos que a tornam atraente, já que também se mostra sensível, inteligente e culta. Em contrapartida, o roteiro problemático obriga ambos os personagens a passarem por mudanças radicais de personalidade e comportamento que nem mesmo os talentosos intérpretes conseguem compensar – e, como se não bastasse, um dos principais elementos do filme, o romance entre eles, jamais convence, não fazendo a menor diferença para o público se ficarão juntos ou não. Fechando o núcleo principal, Steve Carell faz um pequeno milagre ao humanizar Phil, tornando-o querido para o espectador mesmo quando age de forma egoísta e impensada.

Falhando também no quesito “humor”, já que a maior parte de suas piadas soa reciclada das velhas anotações de Allen (uma das exceções é certa reclamação de Judy Davis sobre o filho gângster), Café Society não justifica nem mesmo seu título, já que o estabelecimento que o batiza pouco importa à história.

Referenciando Casablanca ao buscar conferir um ar de Rick Blaine ao personagem de Jesse Eisenberg, o filme empalidece diante do clássico por falar muito sobre sentimentos intensos – geralmente na narração em off – que, infelizmente, jamais parecem encontrar reflexo naquilo que vemos na tela. E é este o pecado que finalmente o condena a ficar de fora da lista das várias grandes obras de Woody Allen.

Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival de Cannes 2016.

11 de Maio de 2016

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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