Seja bem-vindx!
Acessar - Registrar

Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
27/05/2016 27/05/2016 1 / 5 1 / 5
Distribuidora
Netflix
Duração do filme
108 minuto(s)

Zerando a Vida
The Do-Over

Dirigido por Steven Brill. Roteiro de Kevin Barnett e Chris Pappas. Com: David Spade, Adam Sandler, Paula Patton, Kathryn Hahn, Matt Walsh, Nick Swardson, Renée Taylor, Natasha Leggero, Catherine Bell, Michael Chiklis, Torsten Voges, Stan Ellsworth, Luis Guzmán e Sean Astin.

Se existisse um super-herói chamado Capitão Cinema, seu Lex Luthor seria Adam Sandler. Quando não está protagonizando ou roteirizando alguma estupidez baseada na única voz que sabe fazer além da própria, o sujeito dedica seu tempo a produzir barbaridades baseadas nos talentos limitadíssimos de seu grupo de amigos, que inclui Rob Schneider (também conhecido como “Lúcifer”), David Spade e Kevin James. São filmes que, além de não terem a menor graça, são esteticamente medíocres e nulos como linguagem – e, como se não bastasse, que apelam para o tipo de “humor” que depende do preconceito e do ataque a minorias para existir.


Donald Trump deve ter todos os seus filmes carregados no celular.

Zerando a Vida não é diferente: “escrito” por Kevin Barnett e Chris Pappas e representando o segundo dos quatro longas que Sandler produzirá para a Netflix (por quê??? Por quê???), esta “comédia” traz David Spade como Charlie, que trabalha como gerente de uma filial de banco localizada dentro de um supermercado e é casado com uma mulher (Leggero) que prefere passar mais tempo com o ex-marido (Astin) do que com ele. Depois de reencontrar Max (Sandler), um amigo de infância que não via há anos, o sujeito se descobre envolvido na simulação da própria morte, assumindo uma nova identidade ao lado do velho companheiro. Porém, quando a dupla passa a ser perseguida por um assassino misterioso (Voges), a única saída é descobrir qual é a motivação deste e, assim, eles buscam a ajuda de Heather (Patton), viúva de um dos indivíduos cujas identidades roubaram.

Embora eu tenha usado a palavra “comédia” para descrever o gênero ao qual esta abominação pertence, não estou certo de que é a mais apropriada, já que, aparentemente, nem tentar fazer alguma graça os realizadores tentam ao longo dos 108 minutos de duração. Por outro lado, Adam Sandler tem a oportunidade de se retratar como um autêntico Bruce Willis (caso estivéssemos em 1990), já que posa como herói de ação e é visto por todas as mulheres como um sedutor irresistível. Aliás, considerando as locações maravilhosas vistas durante a trama, não é absurdo supor que Sandler esteja usando a Netflix para pagar suas viagens de turismo e satisfazer seu narcisismo.

O roteiro, nem preciso dizer, é quase amador: repleto de diálogos expositivos, ainda inclui uma “revelação” ao fim do segundo ato que, mesmo óbvia desde o princípio, é apresentada como uma reviravolta digna de M. Night Shyamalan (caso estivéssemos em 2000), com direito a vários flashbacks “explicando” tudo e que ainda são seguidos por uma fala que repete a incrível conclusão. Mas isto é besteira perto da falta de lógica da história em si – e notem como, por exemplo, a identidade assumida pelo personagem de Sandler encontra-se na lista de “mais procurados” do FBI sem que isto o impeça de entrar e sair livremente do país. Enquanto isso, o diretor Steven Brill (que já havia feito parceria com Sandler no torturante Little Nicky – Um Diabo Diferente) faz jus ao trabalho dos roteiristas ao criar sequências de ação coreografadas com o refinamento de um Michael Bay bêbado, não se saindo muito melhor ao apenas rodar cenas que se limitam a acompanhar trocas de diálogos e que começam a se perder sempre que há mais de dois personagens envolvidos.

Ainda assim, Brill demonstra disciplina admirável ao incluir planos-detalhe que expõem com dedicação os vários produtos que ajudaram a financiar o projeto: as cervejas Bud Light e Corona, o cartão de crédito American Express, os tênis Nike e... mencionarei os demais após receber minha porcentagem.

Mas se cinematograficamente Zerando a Vida é horroroso, em termos de humanismo é absolutamente atroz. Não acreditam? Pois em sua primeira fala no filme, Sandler já se refere a uma mulher como “piranha” (aparentemente porque na juventude esta não quis ficar com seu amigo – como se houvesse justificativa para o sexismo) e, a seguir, se refere ao “par de tetas” de outra, emendando que agora sua mãe não era digna de se espiar nua (sim, sua mãe) porque a idade aparentemente a havia tornado grotesca. E isto tudo antes que o longa chegue aos dois minutos.

A partir daí, a coisa só piora: ao verem duas mulheres num iate, os amigos pedem que estas exibam os seios (o que fazem prontamente), mas, quando elas riem do pênis de um deles (é, este é o tipo de obra que estamos discutindo), Sandler dispara um sinalizador na direção das garotas, rindo ao vê-las sendo quase atingidas. Já Paula Patton, uma atriz que admiro desde que a descobri em Déjà vu, não só se mostra constrangedoramente ruim e inexpressiva aqui (talvez por embaraço), como ainda tem seu corpo explorado fartamente, surgindo sempre em vestidos curtos e decotadíssimos (algo que o roteiro tenta justificar, mas com um cinismo tal que a coisa só fica mais lamentável).

Esta, contudo, é a visão recorrente que os projetos de Sandler têm sobre o corpo feminino: eles existem para decoração e sexo; não pertencem a seres humanos de verdade – e, não por acaso, em certo instante Charlie “acusa” Heather de peidar durante o sono (de novo: este é o tipo de filme com o qual estamos lidando, perdoem-me) apenas para que esta reaja revoltada dizendo que ele não contará isto a ninguém (porque imaginem a vergonha que sofreria por ter um sistema digestivo funcional).

Algo, no entanto, tenho que reconhecer: Zerando a Vida não discrimina qualquer minoria quando o assunto é discriminação, insultando-as igualmente. Em determinado ponto, por exemplo, ele encara como piada o fato de um motoqueiro barbudo ser gay (esta é a punchline da gag) e, posteriormente, Sandler tenta impedir o vilão de sodomizá-lo ao sugerir que, caso o faça, será tecnicamente homossexual – algo, claro, impensável. Para completar, em outra cena um personagem branco aponta para sua mãe em uma fotografia e vemos que se trata de uma senhora negra e... pronto, a piada é essa. Ha-ha, a mãe dele é negra. Se o pai fosse indígena, eu não aguentaria e provavelmente sofreria hipóxia em função do excesso de gargalhadas.

O curioso é que Adam Sandler, talvez receoso de que pudesse haver alguma dúvida acerca de sua visão sobre o sexo feminino, se certifica de incluir, no clímax, um momento no qual o protagonista desfere uma sequência de socos em uma mulher enquanto grita: “Estou farto de mulheres mentindo para mim e me enganando!” – e não consigo imaginar uma manifestação mais clara, clássica, de misoginia.

A não ser, claro, que durante a cena Spade estivesse usando um broche com a frase “Bolsomito 2018”. Mas creio que até Sandler tem seu limite.

31 de Maio de 2016

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

Você também pode gostar de...

 

Para dar uma nota para este filme, você precisa estar logado!